13 Junho 2017
A onda macronista varreu todas as regiões, inclusive nas áreas onde seus candidatos eram desconhecidos e sem nenhuma experiência política. Os tradicionais partidos se afundam diante do sucesso da narrativa de "extremo-centro".
O comentário é de Eduardo Febbro, jornalista, publicado por Página/12, 12-06-2017. A tradução é de Henrique Denis Lucas.
O macronismo tornou-se uma tendência política. A última criação da sociedade liberal arrasou os seus rivais no primeiro turno das eleições legislativas. Cinco semanas depois de ter conquistado a presidência da República com um partido criado há apenas um ano, o chefe de Estado, Emmanuel Macron, e seu partido, A República em Marcha, conseguiram nas urnas um resultado histórico. Com 32% dos votos, o partido presidencial se distanciou em muito da direita governista, agrupada no partido recriado pelo ex-presidente Nicolas Sarkozy, Os Republicanos, com 21,2%, dos socialistas, com 13,3%, da própria extrema-direita de Marine Le Pen, com 13,9%, e até mesmo do movimento França Insubmissa, de Jean Luc Mélenchon, com 14, 2%. Emmanuel Macron tem pela frente um horizonte sem nuvens e que no próximo domingo lhe permitirá chegar a contar com uma maioria absoluta para implementar as suas reformas. Havia à noite um clima de final de reino. Os anos de bipartidarismo e das transições políticas sem muito contraste entre os conservadores e os socialistas ingressam na museologia. "É o último dia antes do novo mundo", comentava na rádio um líder do PS.
Apesar de ter ocorrido um par de escândalos que afetaram a uma das figuras do Executivo e a uma renovada e ultra polêmica reforma trabalhista, a França assinou um cheque em branco ao macronismo, enquanto que a esquerda, mais uma vez, não surpreende com uma mobilização capaz de desmentir as sondagens. Muito pelo contrário, o novo recorde de abstenção mostra que a resignação ou a indiferença constituem condutas profundas do eleitorado. Pouco mais de 50% dos eleitores não compareceram às urnas, a mais alta abstenção já registrada na Quinta República. Olivier Faure, presidente que está de saída do grupo socialista na Assembleia Nacional, repetia na mídia: "Isto poderia ser qualquer coisa, mas é uma participação historicamente fraca para uma maioria historicamente forte".
Das 5 forças políticas com ambições amplas, A República em Marcha, Os Republicanos, a ultra-direita da Frente Nacional, a França Insubmissa e o Partido Socialista, dois acabaram ficando na fronteira de seus sonhos: a Frente Nacional e a França Insubmissa. Em lados opostos do tabuleiro, ambas esperavam se tornar na primeira força de oposição na Assembleia. A Frente Nacional, cuja candidata, Marine Le Pen, disputou o último turno da eleição (perdeu por 66% dos votos), permaneceu bloqueada em quase 14%, muito longe de suas pretensões e suas referências nas eleições presidenciais. O mesmo aconteceu com Jean Luc Mélenchon. A França Insubmissa havia chegado em quarto lugar na consulta presidencial, a apenas alguns décimos dos conservadores. Agora, com 14,2%, o partido de Mélenchon perdeu muitos dos votos obtidos na eleição presidencial. O terceiro ator castigado é o socialismo. O PS repete nas eleições legislativas o seu estado de morte prematura. A maioria socialista que está de saída havia obtido, em 2012, 29,35% dos votos. Os discretos 13,9% deste domingo acaba de distanciar um Partido Socialista dividido em três correntes irreconciliáveis, cujas incompatibilidades explodiram de maneira oprobriosa durante a campanha para as eleições presidenciais. O ex-presidente socialista François Hollande e seu escudeiro liberal, o ex-primeiro-ministro Manuel Valls, teórico e construtor do desaparecimento da esquerda, atuaram como exímios coveiros do partido que os levou ao poder em 2012. O "castigo histórico", prognosticado pelo candidato do PS às eleições presidenciais, Benoît Hamon, se refletiu na realidade. Em 2012, os socialistas conquistaram a maioria absoluta. Em 2017, eles tiveram a derrota total. Não se salvou sequer seu primeiro secretário, Jean-Christophe Cambadélis, eliminado desde o primeiro turno, em sua circunscrição.
A onda macronista varreu todas as regiões, inclusive nas áreas onde seus candidatos eram totalmente desconhecidos e sem nenhuma experiência política. O macronismo se vestiu de gala: seus candidatos, somados, obtiveram 8 pontos a mais do que o próprio Macron, no primeiro turno da eleição presidencial de maio passado. Neste sentido, a direita de Os Republicanos também sofreu outra derrota, a segunda, depois de seu terceiro lugar nas eleições presidenciais. Como o lepenismo e a França Insubmissa, os conservadores haviam alimentado esperanças de forçar Emmanuel Macron a submeter-se a uma coabitação política. Com apenas 21, 2% dos votos, o objetivo virou uma retórica e uma miragem. Diferente do socialismo, a direita salva sua honra porque, primeiramente, não desaparece, e, em segundo lugar, constitui-se como a segunda força política da Assembleia e a primeira de oposição. As projeções para o próximo domingo refletem claramente o colapso dos partidos tradicionais e o sucesso da narrativa de "extremo-centro", difundida pela maioria presidencial. A República Em Marcha obteria a maioria absoluta, entre 390 e 435 deputados do total de 577, Os Republicanos obteriam de 85 a 125, os socialistas e seus aliados ecologistas entre 20 e 35, a França Insubmissa e aliados de 11 a 21, e a Frente Nacional entre 3 e 10.
Esta consulta eleitoral aprofunda a dissolução do eixo esquerda-direita, que dominou a política francesa durante décadas. A França na qual Macron está apostando e em que os eleitores acreditam se reconstrói a partir de um círculo central, onde se incorporam os antagonistas do passado. Há poucos precedentes no mundo que citem um partido que há apenas um ano não existia e que agora está prestes a assumir o controle total da Assembleia Nacional. E isto ocorre logo após ter conquistado o Palácio Presidencial, sem que com isso tenha de mediar uma crise política maior, uma guerra ou um período pós-conflito tal como ocorreu na França, em 1919, após a Primeira guerra Mundial, ou em 1958, quando o general de Gaulle conseguiu reunir uma maioria parlamentar nas eleições que inauguraram a Quinta República.
Macron decapitou a relação das forças de esquerda/direita na eleição presidencial e, em um segundo momento, a estrutura dessa relação na Assembleia. A França acredita nesse centro liberal que, sem que ninguém percebesse, soube renovar as narrativas políticas, aproveitou-se do desencanto das alternâncias entre esquerda e direita, introduziu novos rostos e, expressão máxima da ousadia, construiu uma maioria parlamentar com candidatos saídos do nada. O crédito de Macron aumenta com o descrédito dos demais. O centro liberal macronista age como um redemoinho que absorve tudo o que está ao seu redor. Edouard Philippe, o primeiro-ministro surgido das fileiras da direita, prometeu que "A Assembleia Nacional encarnará o novo rosto da sua República". A batalha pelo segundo turno das legislativas começou na mesma noite com repetidas chamadas para os eleitores "evitarem que os poderes se concentrem nas mãos de um único partido" (François Baroin, líder do Os Republicanos), ou eleger uma "oposição ambientalista e de esquerda que diminua os poderes presidenciais" (Jean Luc Mélenchon). O conjunto das reações refletem essa estratégia e a sensação de uma enorme humilhação. Em sua trajetória triunfante, Macron e A República em Marcha relegaram a uma mera posição de figurantes sem transcendência a todos os corpos políticos que projetaram a França contemporânea. Existe hoje um partido hegemônico sem, por enquanto, adversários de peso para regular seu poder.
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França assina cheque em branco a Macron - Instituto Humanitas Unisinos - IHU