03 Abril 2017
Paraíba é o estado mais afetado, proporcionalmente, pela desertificação. Processo de degradação ambiental torna as terras inférteis e improdutivas.
Vila da Ribeira, distrito de Cabaceiras, está em processo de desertificação, segundo o INSA (Foto: Reprodução/Lapis/INSA)
Além da seca, que já vem afligindo os paraibanos há cinco anos, outro problema ameaça o solo e a vegetação do estado. Só que, desta vez, o processo é irreversível. A Paraíba é o estado brasileiro mais afetado, proporcionalmente, pela desertificação - processo de degradação ambiental que torna as terras inférteis e improdutivas - segundo dados do Instituto Nacional do Semiárido (Insa). Ela é uma consequência das ações humanas e não pode ser revertida - nem com chuva -, apenas desacelerada.
A reportagem é de Krystine Carneiro e publicada por G1, 02-04-2017.
O G1 mostra, em uma série de reportagens, uma pequena amostra da realidade vivida na região - e as muitas saídas que encontra para conseguir sobreviver.
Confira aqui as histórias, contadas em cada um dos nove estados do Nordeste brasileiro.
De acordo com a classificação do Programa de Ação Estadual de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca no Estado da Paraíba (PAE-PB), 93,7% do território do estado está em processo de desertificação, sendo que 58% em nível alto de degradação.
“A desertificação é um processo cumulativo de degradação ambiental, que afeta as condições econômicas e sociais de uma região ou país, que ao mesmo tempo em que reduz continuamente a superfície das terras agricultiváveis, faz com que a população desses locais ocupe novos territórios, em busca da sobrevivência”, explica o professor da Universidade Federal de Alagoas (Ufal) e coordenador do Laboratório de Processamento de Imagens de Satélites (Lapis), Humberto Barbosa.
O desmatamento da caatinga muitas vezes é feito por pessoas que nem entendem a gravidade da situação. Na casa da agricultora Maria Ana, na zona rural de Santa Cruz, no Sertão paraibano, por exemplo, ainda se usa a madeira da caatinga para o fogão à lenha. Apesar de também ter um fogão à gás, a idosa prefere manter o equipamento mais antigo em casa. "Eu já estou acostumada, eu acho que [o fogão à lenha] é mais rápido. Eu uso os dois, mas mais esse porque já fui criada nisso mesmo”, justificou.
Quem faz o corte da madeira para abastecer o fogão de Maria Ana é o agricultor Bianor Alves Júnior. Ele explica que corta espécies de angico, catingueira e jurema. “[Corta] inteira. Aí depois tira os galhos e leva a madeira”, relata. “Aprendi com meu pai. Já há muitos anos”.
O mestre em engenharia agrícola explica que há uma alternativa para continuar usando o fogão à lenha sem desmatar a caatinga. “O correto seria que aquele produtor ou aquele agricultor que ainda utiliza fogo à lenha que ele coletasse aquelas árvores já mortas na mata e caídas, não que cortasse as árvores”, recomenda.
Os núcleos de desertificação do Semiárido brasileiro compreendem uma área 68.500 km² em cinco estados: Paraíba, Ceará, Rio Grande do Norte, Pernambuco e Piauí. Esse locais já atingiram níveis de degradação tão altos que são comparados aos desertos - ecossistemas naturais característicos de zonas áridas.
Dos 59 municípios que estão nesse perímetro, conforme a classificação do Ministério do Meio Ambiente, 28 são da Paraíba, localizados no núcleo do Seridó. Outra área em situação crítica do estado são os Cariris. Segundo Humberto Barbosa, outros 29 municípios da Paraíba estão em Áreas Susceptíveis à Desertificação (ASD), sendo 12 no Cariri Oriental e 17 no Cariri Ocidental.
Os pesquisadores do Lapis também perceberam que, desde 2010, a seca tem contribuído para a expansão das Áreas Susceptíveis à Desertificação. De acordo com os números levantados por equipes do laboratório, áreas de entorno estão aumentando nos últimos anos. “Com elas, pode-se atingir um salto significativo nas áreas classificadas como degradação muito forte e forte nos próximos anos”, comenta Barbosa.
Além do solo, a desertificação ainda pode afetar a capacidade de rios e açudes, segundo o coordenador do Lapis. Barbosa explica que, com o desmatamento da mata ciliar, a camada infértil do solo é retirada e acaba sendo depositada nas áreas com água.
“Porque as áreas do entorno estão sendo desmatadas, o depósito de areia no Rio São Francisco tem diminuído a vazão dele em alguns pontos. Então a desertificação pode afetar a saúde do rio. Há uma relação direta. Isso leva tempo, não vai ser breve, mas já vem acontecendo. O depósito de areia no açude de Boqueirão também é muito grande e diminui a capacidade volumétrica do açude. ”, diz.
O processo de desertificação é lento e tem início com o desmatamento de uma área, conforme explica o professor Humberto Barbosa. Esse espaço desmatado é abandonado ou ocupado com pastos e pecuária extensiva. Com isso, o solo fica mais exposto ao sol, água e vento devido à extração da floresta e a substituição por uma vegetação rasteira frequentemente manipulada de forma inadequada.
Como consequência, o solo fica mais fragilizado aos agentes erosivos e perde sua capacidade de absorção de água e nutrientes, desencadeando um maior escoamento superficial. Assim, são levadas grandes quantidades de solo, causando assoreamento dos rios e açudes e, finalmente, o solo chega aos oceanos. “De lá fica difícil trazê-lo de volta”, explica Humberto Barbosa.
A última etapa é a perda da fertilidade e da capacidade produtiva do solo. A partir daí, a terra deixa de produzir alimentos, a atmosfera se desidrata e se aquece, dificultando as chuvas, as reservas de água das profundidades do solo diminuem, as fontes se estancam e os rios se tornam intermitentes.
“Em seguida, a renda familiar e disponibilidade de alimentos acabam. Sem renda e alimentos, ocorre uma deterioração das condições sociais dos locais afetados. Há insegurança alimentar e saúde mais vulnerável. Há empobrecimento material e espiritual da família. Logo, o homem foge. Quando isto acontece, há uma degradação social nas áreas afetadas”, descreve o professor.
Para combater o processo de desertificação, o professor Humberto Barbosa cita duas ações que podem ser úteis: a criação de áreas de conservação da caatinga e a bioprospecção - que a exploração dos recursos genéticos e bioquímicos das espécies, principalmente pela indústria farmacêutica. “A caatinga tem uma biodiversidade que permite a extração de fármacos, para gerar produtos. E isso é um valor agregado à floresta. Políticas públicas de conservação da caatinga podem incentivar o turismo, gerar empresas, atrair pesquisas”, argumenta.
A assessoria de imprensa do Ministério do Meio Ambiente (MMA) informou que a Secretaria de Extrativismo e Desenvolvimento Rural Sustentável, por meio do Departamento de Desenvolvimento Rural Sustentável e Combate à Desertificação (DRSD), vem desenvolvendo uma série de ações no sentido da implementação da Política Nacional de Combate à Desertificação e Mitigação dos Efeitos da Seca.
Uma delas é o desenvolvimento do Sistema de Alerta Precoce contra Seca e Desertificação (SAP). A partir deste sistema, vão ser divulgadas informações atualizadas sobre as áreas susceptíveis e afetadas pelo processo de desertificação e, com isso, vai permitir o monitoramento das ações de combate à desertificação no país, identificando lacunas e orientando as ações de combate à desertificação.
O DRSD ainda vem apoiando um conjunto de ações de capacitação e implementação de boas práticas para conservação e recuperação do solo, água e biodiversidade, promovendo o combate aos vetores da desertificação e gerando trabalho e renda. A principal estratégia para o combate à desertificação do MMA, no entanto, é a implantação de Unidades de Recuperação de Áreas Degradadas (URAD). Estas unidades têm com unidade de trabalho as microbacias hidrográficas e conjugam ações ambientais, sociais e produtivas, com o envolvimento direto das comunidades e prefeituras. Para instalar estas unidades a equipe do DRSD está selecionando áreas e captando recursos financeiros de diversas fontes.
Por último, a elaboração do Decreto de Regulamentação da Lei 13.153/15, com o objetivo de criar condições que favoreçam a implementação da Convenção de Combate à Desertificação, criando mecanismos de informação, financiamento, envolvimento da sociedade e monitoramento.
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Desertificação ameaça 94% das terras na Paraíba e é irreversível, diz Insa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU