28 Março 2017
"A América Latina segue sendo o continente mais desigual do mundo, e os progressos econômicos não garantem o crescimento nem a redução dessa desigualdade", constata Arturo Sosa Abascal, Superior Geral da Companhia de Jesus, em sua passagem pelo Peru, em entrevista concedida a María Elena Castillo e publicada pelo jornal peruano La Republica, 27-03-2017. A tradução é de André Langer.
Você disse que a missão dos jesuítas é buscar uma reconciliação que permita viver em sociedades justas e no respeito à natureza. Como conseguir isso?
O geral anterior perguntou às províncias qual era o maior desafio para a Companhia de Jesus. E em todas [as províncias] apareceu a questão da reconciliação, porque por trás disso está a realidade tão dura que vivemos em sociedades realmente feridas: em alguns casos na situação de guerra, em outros, com discriminação racial ou religiosa, em outros, a desigualdade. A América Latina segue sendo o continente mais desigual do mundo, e os progressos econômicos não garantem o crescimento nem a redução dessa desigualdade.
O que fazer diante disso?
Somos um grãozinho de areia, mas queremos fazê-lo a partir do que somos, homens de fé, e a partir dali queremos contribuir para a reconciliação, que implica perdão, misericórdia e justiça.
Passa a borracha e nova conta?
O perdão não está em contradição com a justiça, que também não pode transformar-se em vingança, mas deve ser um remédio. Se alguém matou o meu filho, a justiça não é matar o filho do outro; isso produz guerra, gera mais violência e dor. Temos que superá-lo mutuamente. Quando houve abuso é preciso reconhecê-lo e agir conforme, mas também dar o passo rumo à reconciliação. Devemos ver que a punição ajude para que a sociedade melhore.
Como esperar a reconciliação com governantes como o presidente dos Estados Unidos, que quer levantar muros?
A maneira de evitar que os governantes façam loucuras é ter uma sociedade bem organizada, que exerce uma pressão sobre o Estado e o coloque a serviço das pessoas, quando há democracia real. Isso é o que gostaríamos de fortalecer. E para poder fazer isso o povo precisa crescer politicamente, como sociedade organizada, que tem como norte o bem comum e não interesses particulares. Essa é a verdadeira reconciliação.
Você fala de uma reconciliação com a natureza...
Ainda há tanto que aprender sobre este tema de como nos reconciliamos com a natureza. Este modelo econômico, social e político hegemônico no mundo está acabando com a vida do Planeta.
E isso provoca mudanças climáticas e traz problemas como as inundações aqui no Peru.
Nós nos solidarizamos com as vítimas, mas devemos ver também as causas. O que aconteceu aqui pode se repetir, como pode acontecer em outro lugar do mundo. Mas não deveria acontecer quando se respeita a natureza. Aí temos outra grande tarefa de reconciliação e isso significa pensar em modos alternativos de produção e de consumo.
Você é o primeiro latino-americano eleito superior dos jesuítas, assim como o Papa Francisco. Que leitura faz?
Significa que a Igreja Latino-Americana fez um caminho importante. O Papa Francisco e eu somos frutos de uma história. Não é um mérito pessoal, mas da Igreja Latino-Americana que levou a sério o Concílio Vaticano II e começou a refletir. Aprendemos a ler o Evangelho de outra maneira. Fizemos um caminho e é tão bem recebido porque reflete uma Igreja que se preocupa com os outros, que está entre as pessoas, que sabe falar a linguagem das pessoas.
O Papa reivindicou a Teologia da Libertação...
Claro. Envolveu-se a Teologia da Libertação em estereótipos, quando, na verdade, foi uma lufada de ar fresco para a Igreja. É uma maneira de fazer teologia a partir da experiência de fé compartilhada com as pessoas. A Igreja Latino-Americana começou a refletir e isso criou uma sintonia com outras partes do mundo.
Mas persiste um setor que considera os seus simpatizantes como “padres vermelhos ou esquerdistas”...
Essas são etiquetas que já perderam bastante cor. O que importa é o compromisso com a dignidade humana, a superação da pobreza, a busca da justiça social. O que importa é ser coerente com o que pede o Evangelho.
Alguns dizem que isso é fazer política...
O ser humano é um ser social e tem que se relacionar para resolver os problemas comuns. Isso é a política; mas a questão é como se faz política. O Evangelho nos diz que “quem quiser poder, deve colocar-se a serviço” e houve uma tradição da Igreja para encorajar a politização e entrar na política, mas não para utilizar instrumentos da política para benefício próprio.
Como entender que o Vaticano tenha protegido um membro do Sodalício acusado de violações sexuais no Peru?
Não conheço esse caso em detalhes, mas creio que a Igreja está tratando de ser justa nesses casos. Houve um processo. Anos atrás era muito difícil que se reconhecesse um caso como esse e quase impossível que fosse punido, mesmo que levemente. Agora há uma vontade maior para reconhecer os casos e sancionar, tanto dentro da Igreja como pelas leis civis.
É a primeira vez que está no Peru?
Já tinha vindo antes, mas para reuniões muito breves há mais de 20 anos.
Como vê o País agora?
O Peru fez um processo, como muitos outros países da América Latina, mas ainda falta muito para se poder dizer que há um pouco de justiça social, na qual as pessoas têm um futuro mais ou menos que entusiasme. Isso não se pode dizer ainda nem no Peru nem na Venezuela. O grande desafio é se somos capazes de conciliar progresso com maior justiça social. Como vivem os pobres é o melhor indicador de como o país vai progredindo. Se os pobres continuam a viver tão mal é porque ainda falta muito por se fazer.
Você é venezuelano. Como chegar a essa reconciliação em seu país, que está tão polarizado?
Ali há vários elementos. Quando nós, mas sobretudo os que têm o poder político ou os que querem tê-lo, colocamos os olhos nas vítimas da situação. Enquanto tiverem os olhos postos no “não me tiram daqui” ou “eu quero te tirar dali”, vamos continuar na mesma. Agora na Venezuela, como sempre, os mais pobres sofrem mais. E isso vai nos obrigar a dialogar, pois não há solução possível enquanto não houver a possibilidade de um governo que tenha um programa consensuado e de longo prazo. Enquanto a Venezuela não superar o rentismo sobre o qual gira a vida econômica e social, sempre teremos conflitos.
Há dois anos você disse que falta pouco para ser uma ditadura. O que pensa agora?
Agora falta menos ainda. Nestes últimos dois anos houve situações de violação da possibilidade e só os ditadores se colocam acima dela. Foi negada a possibilidade da revogatória do ano passado e não houve eleição para governadores de Estado, o que é obrigatório. Deveriam ter sido em dezembro do ano passado e ainda não se sabe quando vão acontecer. Não é mais democracia quando as pessoas precisam de um carnê para obter os alimentos de que necessitam.
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“O desafio é conciliar progresso com maior justiça social”. Entrevista com Arturo Sosa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU