02 Março 2017
No mundo as desigualdades estão aumentando de modo exponencial. Não que no passado não existissem, muito antes pelo contrário. Os explorados e pobres sempre existiram, infelizmente. Mas, nos últimos trinta anos o fosso entre ricos e pobres ampliou-se dramaticamente. A era de ouro que se seguiu à Segunda Guerra Mundial - que os economistas chamam de "trinta anos gloriosos" referindo-se aos anos que vão de 1945 a 1975 - e que chega até o limiar da década de oitenta, período durante o qual certo equilíbrio, ainda que precário, foi alcançado (pelo menos na "velha" Europa e partes da América do Norte) agora está definitivamente acabada. Dados de um recente relatório da Oxfam, renomada organização internacional sem fins lucrativos especializada em projetos de desenvolvimento e assistência humanitária no combate à pobreza e à injustiça, são mais do que alarmante e sinalizam uma situação de colapso. Novecentos milhões de pessoas vivem com menos de 2 dólares por dia, 2 bilhões são consideradas de baixa renda, 7 em cada 10 vivem em países onde a taxa de desigualdade entre ricos e pobres subiu rapidamente, em 2015 as 62 pessoas mais ricas do mundo possuíam a mesma riqueza que a metade dos mais pobres, ou seja, 3 bilhões e 600 milhões de homens, mulheres, idosos e crianças, quando seria suficiente 1,5% da riqueza produzida para cobrir o déficit de recursos que permitiriam a uma multidão viver com dignidade. Vera Negri Zamagni, doutora em filosofia e autora de uma série de sólidos estudos econômicos, várias docências universitárias, frequentadora assídua dos grupos de estudo do Mulino - verdadeira incubadora de idéias, além de casa editora, em Bolonha - professora visitante de História Econômica no Bologna Center da Universidade Johns Hopkins, estará no sábado, 25 de fevereiro, na Villa S. Ignazio, em Trento, para falar sobre "Um olhar sobre a injustiça e as possíveis soluções", a convite da Escola comunitária da ACLI (Associações Cristãs dos trabalhados italianos ) e Cooperazione para refletir sobre a "participação democrática, economia e sustentabilidade ambiental" e que se destina, em especial, mas não exclusivamente, aos jovens.
A entrevista é de Paolo Piffer, publicada por Trentino, 24-02-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Eis a entrevista.
Professora, como chegamos a este ponto?
Temos, basicamente, duas razões. Uma delas é financeira, a outra, tecnológica". Vamos explicá-las. “A financeirização da economia levou a uma total liberalização dos movimentos dos capitais, de forma ilimitada e incrivelmente rápida. Com uma característica, os capitais de curto prazo prevaleceram sobre aqueles de longo prazo.
Com que consequências?
Os capitais de curto prazo nada mais fazem do que produzir riqueza para quem já é rico. Enquanto os de longo prazo produzem investimentos e, assim, podem ampliar a fatia de quem, potencialmente, poderia beneficiar-se mas que, diante do comportamento predominante, não é incluído.
Você falou do outro fator, o tecnológico.
"Claro. O desenvolvimento da eletrônica está "pulverizando" muitos postos de trabalho sem substituí-los por outros - ao contrário do que ocorreu no século XIX, quando as máquinas foram introduzidas na manufatura –, optando por utilizar robôs. Assim, falta trabalho e cresce cada vez mais o precariado, para não mencionar o desemprego. Tudo isso leva a uma enorme desigualdade".
Há alguns anos isso também vem acontecendo na Europa, que já foi a "pátria" do Estado social (Welfare).
"Sim, e isso aconteceu com a globalização, gerada, por sua vez, por uma forte liberalização dos mercados, das finanças e do comércio internacional. O resultado foi a criação de uma forte competição entre os países com um alto custo do trabalho e outros onde é mais baixo. Em todo esse processo, em minha opinião, existe um aspecto positivo. Ou seja, é verdade que dentro de cada país a desigualdade aumentou, mas diminuiu a que existia entre os países, porque muitos deles tornaram-se parte da economia internacional."
E a política ficou só olhando?
"A política foi persuadida por modelos econômicos que acreditou fossem superiores em comparação ao protecionismo. Mas os sistemas não foram capazes de se adaptar ao novo modelo, embora houvesse o benefício da liberalização em termos de concorrência. No entanto, eis o nó essencial, as desvantagens nunca foram calculadas. O resultado foi uma desigualdade agora insustentável, não só do ponto de vista moral. O estado de bem-estar está ruindo porque o Estado não consegue acompanhá-lo visto que a base que o sustenta está se reduzindo. Mas também do ponto de vista econômico, já não é possível continuar assim."
Por quê?
"Porque os ricos não têm grande propensão ao consumo, uma vez que já têm tudo e o dinheiro é investido ou colocado nos bancos, enquanto aqueles que gostariam de consumir não têm dinheiro. Assim, nesse sistema, investimentos são desencorajados porque a demanda não aumenta". É um ‘gato que corre atrás do próprio rabo’. "É um círculo vicioso, só isso. E é, portanto, insustentável e bolhas financeiras irão continuar".
Você está descrevendo o fracasso da política.
"Claro. A política vive agora a reboque da economia, de uma economia que, dogmaticamente, acredita-se tenha apenas benefícios e não custos".
Ter "um olhar sobre a injustiça", é o título de sua palestra no sábado, o que significa?
"Significa saber que no passado era difícil pensar um outro caminho em relação às desigualdades que existiam, e eram grandes, mesmo nos séculos passados. Significa que, hoje, é possível tomar um caminho diferente. Porque a produtividade atual tem gerado recursos suficientes para oferecer uma vida digna para todos".
E por que nada é feito?
"Pelo simples fato de que estamos nas mãos de núcleos de poder, por assim dizer. Antigamente existiam aristocratas e latifundiários que tornavam escravo o homem. Hoje, a raça humana é subjugada por grandes corporações transnacionais que têm poder a ponto de condicionar e determinar a política."
Quais são as possíveis soluções, se houverem, continuando no tema de sua palestra?
"As soluções devem brotar da sociedade civil que precisa se rebelar contra essa situação, dizendo aos economistas que não é possível continuar assim, correndo atrás de um modelo, repito, insustentável. Mais ainda, eu acredito que uma tríade deveria concorrer para a busca dessa mudança, composta pela sociedade civil, o Estado e o mercado. Já está na hora de criar um modelo diferente com base no cálculo de custo-benefício, mantendo presente o senso de limites e tendo consciência de que agora o estado não pode fazer tudo, ou quase, como acontecia até um passado recente. Com o objetivo de que todos possam realizar seus próprios talentos, o que hoje não mais acontece haja vista a quantidade de desempregados que estão lá fora".
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O modelo econômico é insustentável. "Está na hora de se rebelar" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU