18 Janeiro 2017
Relatório aponta os discursos disseminados por corporações e super-ricos para influenciar políticas que os favoreçam.
A reportagem é publicada por CartaCapital, 17-01-2017.
Divulgado na segunda 16, o último relatório da Oxfam revelou que só oito indivíduos (todos homens) detêm a mesma riqueza que os 3,6 bilhões que fazem parte da metade mais empobrecida do planeta.
Além disso, o abismo entre ricos e pobres está aumentando em uma velocidade muito maior do que se esperava, em parte devido às estratégias do topo da pirâmide econômica, habitado por grandes corporações e os "super-ricos", utilizadas para influenciar políticas e garantir regras que os favoreçam, mesmo que em detrimento do restante da sociedade.
"A atual economia do 1% baseia-se em uma série de falsas premissas que fundamentam muitas das políticas, investimentos e atividades de governos, empresas e indivíduos ricos, e que não satisfazem as necessidades de pessoas em situação de pobreza e da sociedade de uma maneira geral", afirma o estudo da Oxfam.
O documento produzido pela ONG inglesa, que busca combater o aumento da desigualdade, elenca as falsas seis premissas que acabam por acirrar o fosso entre ricos e pobres:
A crença inabalável no poder do mercado, aliada a uma visão negativa do papel do Estado na economia, é o alicerce do neoliberalismo. Na verdade, diz o relatório, não existe confirmação de que o mercado seja o melhor meio de organização para a vida em sociedade. Ao contrário. Para a Oxfam, os mercados precisam ser cuidadosamente geridos, a fim de proteger os interesses das pessoas.
"Vimos como a corrupção, o favorecimento ou o nepotismo distorcem os mercados em detrimento de pessoas comuns e como o crescimento excessivo do setor financeiro exacerba a desigualdade", diz o estudo, lembrando da crise financeira de 2008.
Além disso, existem exemplos práticos de como a privatização de serviços considerados essenciais, como a saúde, a educação ou o abastecimento de água, acaba por prejudicar os mais pobres, em especial, as mulheres.
A minimização de custos fiscais e trabalhistas e a maximização da receita são consideradas a fórmula para melhorar a rentabilidade das empresas e torná-las mais "eficientes".
No entanto, a busca pelo lucro acima de tudo e pelos maiores retornos possíveis aos acionistas acaba por aumentar, de maneira desproporcional, a renda dos que já são ricos, ao mesmo tempo em que pressiona negativamente trabalhadores, fornecedores, comunidades e o meio ambiente.
O estudo pede que as empresas busquem um "capitalismo sustentável", com geração de lucros razoável e uma remuneração mais justa para os trabalhadores.
O estudo defende que a concentração de renda nas mãos de poucos indivíduos é "economicamente ineficiente, politicamente corrosiva e prejudicial para o nosso progresso coletivo". Embora existam evidências contrárias, afirma a Oxfam, muitos ainda acreditam que chega-se ao topo da pirâmide trabalhando duro e contando com uma boa dose de talento. Outra falsa premissa é que os super-ricos contribuem para o crescimento econômico.
Dados do FMI citados pelo estudo revelam, porém, que países menos desiguais crescem mais e por mais tempo. Por outro lado, países com muitos bilionários crescem mais lentamente.
Considerada a ferramenta padrão para se dimensionar a economia de um país, a soma de todos os bens e serviços produzidos por empresas, governos e indivíduos, isto é, o Produto Interno Bruto (PIB) foi classificado pela revista The Economist como um "indicador de prosperidade problemático".
Por ser uma média, o índice não leva em consideração a desigualdade e, além disso, não computa o trabalho doméstico não-remunerado realizado por uma enorme quantidade de mulheres no mundo todo. O estudo cita a Zâmbia, cujo PIB está crescendo a taxas elevadas, justamente quando o número de pessoas em situação de pobreza aumentou.
Outra premissa falsa é a de que não existem diferenças de classe, raça e gênero dentro do modelo econômico vigente. Dentro desta lógica, os resultados alcançados por indivíduos são determinados exclusivamente por suas habilidades e esforços. Essa linha de pensamento, afirma a Oxfam, leva, entre outros, à perpetuação das distorções e das desigualdades de gênero.
"Modelos econômicos neoliberais não somente ignoram essas barreiras, mas também prosperam graças às normas sociais que enfraquecem as mulheres. Países com grandes setores orientados para a exportação são particularmente beneficiados por uma grande força de trabalho pouco qualificada e sem voz. Muitos desses trabalhos são reservados às mulheres devido à sua “desvantagem competitiva”, afirma o estudo.
Além de tradicionalmente ocuparem cargos e funções com remuneração mais baixa, as mulheres recebem, em média, salários 23% menores do que os dos homens na mesma função e são massivamente responsáveis pelo trabalho doméstico não-remunerado - "que não é contabilizado no PIB, mas sem o qual as economias não funcionariam".
Segundo a ActionAid, as mulheres que vivem nos países em desenvolvimento poderiam somar 9 trilhões de dólares a suas rendas caso seu salário e acesso a trabalho remunerado fossem iguais aos dos homens
Além disso, cortes nos serviços públicos, na segurança no emprego e em direitos trabalhistas costumam afetar a força de trabalho feminina de maneira desproporcional.
As consequências negativas do modelo econômico atual não atinge apenas a raça humana. Tal modelo, baseado na exploração sem limites do meio ambiente, parte da premissa de que os recursos naturais são ilimitados e devem ser explorados ao bel-prazer de empresas e governos. No entanto, esse modelo "colabora intensamente" para a ocorrência de mudanças climáticas descontroladas.
"A ênfase cada vez maior na maximização dos lucros e retornos de curto prazo agrava a cegueira ambiental das nossas economias, uma vez que qualquer perspectiva de longo prazo é suprimida", diz o relatório.
Segundo estimativas da Oxfam, os 10% mais ricos da população mundial são responsáveis por metade de todas as emissões globais de gases que agravam o aquecimento global. No entanto, as consequências mais graves das mudanças climáticas (como eventos extremos) serão sentidas pelas comunidades mais pobres.
Confira aqui o relatório na íntegra.
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Oxfam: 6 falsas premissas que impulsionam a desigualdade - Instituto Humanitas Unisinos - IHU