24 Janeiro 2017
Em uma grave situação que se arrasta desde 2014, a Universidade do Estado do Rio de Janeiro, instituição com mais de 60 anos, chegou ao ápice do sucateamento.
Em 6 de janeiro, um ofício da reitoria da Uerj informou ao governador Luiz Fernando Pezão, do PMDB, que “suas atividades ficarão impossibilitadas” caso não sejam efetuados “o pagamento integral de seus servidores e a liberação dos recursos orçamentários necessários ao funcionamento imediato e permanente” da universidade.
A reportagem é de Luiza Sansão, publicada por CartaCapital, 24-01-2017.
Em meio à possibilidade de paralisação, mais de 200 professores, estudantes e funcionários da instituição reuniram-se em um ato na quinta-feira 12. Eles reivindicavam o pagamento dos salários, bolsas e recursos. A manifestação teve início em frente ao Hospital Universitário Pedro Ernesto (Hupe), no bairro de Vila Isabel, e terminou no campus Maracanã.
O déficit nas contas da instituição é preocupante. O orçamento da universidade em 2016 previa gastos de 1,1 bilhão de reais, mas 35% desse valor não foi repassado, segundo dados informados pela Secretaria de Estado de Fazenda (Sefaz). Só em pessoal, encontram-se pendentes de pagamento 212,4 milhões de reais, que representam 18,9% do orçamento total.
O rombo de mais de 17 bilhões de reais nas contas do governo estadual não atinge apenas a universidade sexagenária. Em Campos dos Goytacazes, a Universidade Estadual Darcy Ribeiro tem uma dívida acumulada superior a 50 milhões de reais.
Em razão da gravidade da crise, Ruy Garcia Marques, reitor da Uerj, confirma a possibilidade de a universidade parar caso não haja a regularização dos repasses. “Não sabemos dizer se aguentamos mais 15 dias, um mês, seis meses ou um ano.” O reitor espera que a situação não chegue a esse ponto. “Não acredito que o estado do Rio dê as costas para essa escola de excelência.”
A Secretaria de Estado de Ciência, Tecnologia e Inovação (Secti) chamou de “radicalismo” o ofício da reitoria, ao afirmar que ele seria uma “incitação à greve, o que é ilegal”. O órgão afirma, em nota, que, apesar da crise, tem se esforçado “para garantir o funcionamento da universidade”.
Nos campus da Uerj, as condições são péssimas: a falta de pagamentos pelos serviços terceirizados de higiene, coleta de lixo e vigilância, entre outros, tem resultado em ambientes sujos, acúmulo de lixo e insegurança.
“Começamos o ano passado sob total ausência de condições de trabalho”, afirma Guilherme Vargues, vice-presidente da Associação de Docentes (Asduerj) e professor da Faculdade de Educação.
Os técnicos administrativos da Uerj entraram em greve na segunda-feira 16. Segundo Gabriel Menezes, secretário do Ambulatório de Psiquiatria do Hupe, a motivação é a mesma da paralisação que durou seis meses do ano passado: atrasos sistemáticos de salários e o pacote de ajuste fiscal proposto por Pezão. “É muito visível que o governo está tentando nos colocar no desespero. Não vamos aceitar isso.”
Menezes afirma não conseguir pagar suas contas em dia. “Este mês, se eu não morasse com dois camaradas que pagaram o aluguel, eu podia ter sido despejado. Não conseguimos fazer qualquer tipo de planejamento, porque nunca se sabe quanto e quando o governo vai pagar.”
Giulia Soares, de 21 anos, aluna do sexto período da Faculdade de Direito, diz que o ano passado também foi difícil para os estudantes, sobretudo para os bolsistas. “Conseguimos terminar o primeiro semestre de 2016 em dezembro, mas com muita dificuldade.
Realizamos avaliações à distância, pois sem nossas bolsas, não conseguíamos sequer pagar o transporte até a Uerj”, acrescenta. “No campus de São Gonçalo, os alunos dormiam na Faculdade de Formação de Professores para conseguirem ir às aulas.”
A greve responsável por interromper as aulas na instituição durante o segundo semestre de 2016 impediu que o aluno Demar Oliveira, de 28 anos, da Faculdade de Serviço Social, se formasse em dezembro.
Além disso, o atraso no pagamento das bolsas de novembro e dezembro obrigou Demar a voltar a viver com as irmãs em Duque de Caxias, na Baixada Fluminense. Sem o auxílio, ele não tinha como pagar o aluguel do apartamento que dividia com dois colegas no Centro do Rio.
“Há um projeto de desmonte e sucateamento da universidade”, afirma a presidente da Asduerj, Lia Rocha, professora do Instituto de Ciências Sociais da universidade. A entidade vem denunciando a queda no financiamento da instituição desde 2015, quando as aulas do segundo semestre terminaram antes do previsto no calendário letivo.
Durante a greve em 2016, os docentes afirmaram que não voltariam às salas de aula sem condições dignas de trabalho. “O governo dizia que não ia mandar dinheiro para a universidade por estarmos em greve, quando na verdade paralisamos as atividades justamente por causa da ausência de repasses”, conta Lia.
A greve do ano passado terminou com acordos em relação ao plano de carreira de técnicos e professores, a um aumento de bolsas dos estudantes e ao repasse de verba para manutenção da universidade. Segundo Lia, o governo “deu um calote na Uerj”.
“Ele só enviou 13 milhões emergenciais no fim da greve, pois era uma condição para retomarmos as aulas, mas deixou de repassar o resto do valor, de cinco parcelas de 10 milhões de reais para cobrir os meses de agosto a dezembro.”
Diante do rombo nas contas da universidade, o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal, defendeu, em artigo publicado no sábado 14, o financiamento privado para universidades públicas. A proposta do magistrado, que integra o corpo docente da Uerj, causou incômodo entre diversos professores.
Para João Batista Damasceno, professor da Faculdade de Direito da Uerj e doutor em Ciência Política, a crise pela qual passa instituição é sintomática. “O descaso com a educação e a ciência é a expressão de governantes tacanhos incapazes de compreender que estão exterminando o futuro do País.”
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A agonia da Uerj - Instituto Humanitas Unisinos - IHU