05 Abril 2016
“É sempre bom lembrar que, nos anos 1980, década chamada "perdida", em meio à gravíssima crise da dívida externa, o então governador Leonel Brizola, sem royalties, sem verbas constitucionais para saúde e educação, estrangulado pelos governos do general Figueiredo e de José Sarney, não teve acesso a qualquer verba federal. O boicote federal a Brizola e, portanto, ao estado do Rio de Janeiro, prevalecia. O então governador fluminense usou apenas recursos estaduais e comprometeu cerca de 50% do orçamento na educação. Com efeito, “crise” corresponde a uma palavra muito elástica”, recorda Roberto Bitencourt da Silva, historiador e cientista político, publicado por Diário da Liberdade e reproduzido por Jornal GGN, 05-04-2016.
Eis o artigo.
Por escolhas do governo, um estado em crise
As finanças do governo do estado do Rio de Janeiro encontram-se completamente desequilibradas, implicando em grave crise nos serviços públicos, que transcorre, com maior dramaticidade, há quase um ano.
A segunda parte do 13º salário dos servidores foi parcelada em cinco meses. As datas de pagamento dos salários do funcionalismo já foram modificadas duas vezes, desde dezembro de 2015, importando em um verdadeiro caos na vida dos servidores e seus familiares.
Há dias são noticiadas informações que dão conta de falta de previsão para o pagamento dos vencimentos no mês de abril. Por conta disso, e motivada por outras razões abaixo mencionadas, boa parte da educação pública escolar e universitária (Seeduc, Faetec e Uerj) encontra-se em greve há um mês. A partir do dia 4 de abril também a Universidade Estadual do Norte Fluminense Darcy Ribeiro irá aderir à greve, como ainda está prevista a possibilidade de deflagração de uma greve geral no funcionalismo estadual, após o dia 06/04.
Em meio à crise, o governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) encontra-se licenciado para tratamento de sério problema de saúde. No momento, preenche as funções de chefe do Poder Executivo o vice-governador Francisco Dornelles (PP). Poucos dias atrás Dornelles afirmou que “nunca” viu “situação financeira tão trágica”.
Cabe indagar sobre a surpresa e o alheamento do governador em exercício, já que foi senador, entre 2007 e 2014, precisamente associado ao agrupamento político que domina o estado. Ademais, assumindo como vice-governador, na companhia de Pezão, em 2015, não possuía nem tinha ingerência nas ações e escolhas do governo? Ou trata-se de se esquivar de responsabilidades?
Números mobilizados pela bancada parlamentar do PSOL registram o montante de R$ 138 bilhões em isenções concedidas às empresas, sobretudo ao grande capital nacional e internacional. Isso apenas no período de 2008 a 2013. Uma escolha que sangra os cofres estaduais e que demonstra a prioridade conferida aos interesses empresariais, em detrimento dos serviços e dos servidores públicos.
Na ponta, uma opção que despreza a população.
Somente com as Olimpíadas – e considerando exclusivamente o orçamento do ano de 2016 –foram reservados valores próximos a R$ 2 bilhões. Destinados às montadoras de automóveis, também em 2016, os números dos incentivos fiscais ultrapassam a casa dos R$ 7 bilhões (1).
Convenhamos, com um governo norteado exclusivamente pela garantia de uma apropriação empresarial dos fundos públicos, não é de admirar a crise financeira do Estado. Menos ainda os absurdos desinvestimentos nos serviços públicos, em especial na educação pública básica e superior.
A organização e a mobilização dos estudantes
Em função da crise de investimentos na educação estadual, desde o ano passado, inúmeros protestos e diferentes mobilizações foram levadas a efeito pelos estudantes. Em elevada medida, diga-se, a greve que no momento envolve os professores e servidores da Seeduc, da Faetec e da Uerj foi motivada, exatamente, pelo descontentamento e a mobilização estudantil.
Muito além de uma greve motivada por interesses setoriais visando reajustes salariais – que não deixam, obviamente, de serem importantes –, a greve tem nas condições de trabalho, de ensino/aprendizagem as suas razões maiores. A juventude vê, com grande senso de oportunidade, na lastimável e precária oferta de condições para a sua formação educacional e profissional um verdadeiro obstáculo, que embaraça o seu horizonte de futuro.
Segundo números oferecidos pela Comissão de Educação da Alerj, a Secretaria Estadual de Educação, desde 2007, no governo do padrinho político de Pezão, Sergio Cabral Filho (PMDB), já fechou quase 300 escolas de ensino médio. Praticamente só reserva matrículas para o turno da noite.
No bairro da Ilha do Governador, localizado na capital, os estudantes há dias ocupam o Colégio Estadual Prefeito Mendes de Morais. Solidários aos seus professores, os alunos reivindicam a contratação de porteiros e vigias e reclamam da falta de professores, de merenda e da superlotação das salas de aula, com mais de 50 alunos.
Os alunos dessa escola receberam a Medalha Chico Mendes de Resistência, conferida pela OAB/RJ, além de contarem com a simpatia do desembargador do Tribunal de Justiça, Siro Darlan. Em artigo recentemente publicado em O Dia, Darlan argumentou que se “espera que o governo tenha sensibilidade para levar a bom termo através de um diálogo democrático e respeitoso a efetivação das reivindicações trazidas à mesa de negociação pelos jovens” (2).
Em atos promovidos pelo Movimento Unificado dos Servidores Públicos Estaduais (Muspe) a presença dos alunos da Seeduc é sempre marcante, assim como protestos autônomos realizados por eles mesmos em diferentes bairros da cidade do Rio de Janeiro. O Colégio Estadual Gomes Freire, localizado no bairro da Penha (Rio de Janeiro), também está sob ocupação estudantil, guardando as mesmas causas dos alunos da Ilha do Governador.
Em Petrópolis, segundo a professora Andrea Moreli, cerca de 65% de professores aderiram à greve, que tem primado por atos nas ruas, com caminhada conjunta de professores e estudantes, reunião com pais e alunos nas escolas e ato à luz de velas na coordenadoria da Seeduc (que está, desde o ano passado, sem luz por falta de pagamento).
Na Uerj, de acordo com a professora Lia Rocha, diretora da Associação dos Docentes, o que “mobiliza os alunos é a questão da permanência. As classes populares ascenderam ao ensino universitário, mas as condições não foram garantidas: bolsas, bandejão, creche, passe de ônibus etc.”
Em meio à suspensão dos pagamentos dos trabalhadores terceirizados, em que a Uerj tornou-se área inviabilizada pelo acúmulo de lixo, os estudantes ocuparam a instituição, em protesto ocorrido dezembro último. No momento, acompanhando aos servidores e professores, conforme Lia Rocha, “os estudantes da UERJ também estão em greve”.
Os alunos da Faetec engrossam o coro por investimentos na educação. Na educação básica, particularmente, no ensino médio técnico, protestam contra a superlotação das salas de aula, em torno de 50 alunos, preconizando a adoção do limite legal de 35 alunos por turma. Na educação superior, a preocupação é com a “manutenção” das unidades, que contam com poucos professores: os contratados temporariamente sob ameaça de demissão.
Reclamam pela realização de Concurso Público para superar o problema. No Iserj e na Faeterj-Petrópolis, ambas unidades de graduação mantidas pela Faetec, outra preocupação é com a redução drástica das bolsas dos alunos cotistas. Hoje recebem pouco mais de R$ 100,00 por mês, inviabilizando os estudos. A Comissão Pró-Educação da faculdade petropolitana, em que participam ativamente os estudantes, reivindica ainda:
– Investimento para os laboratórios existentes na instituição e para a criação de novos.
– Retorno da Formação Continuada, que são cursos gratuitos oferecidos para toda a comunidade petropolitana, um dos pilares básicos de uma instituição de ensino superior.
Os alunos da Escola de Teatro Martins Pena (Faetec) têm revelado igualmente uma mobilização exemplar, sempre participando dos atos dos servidores, além de envolveram-se na campanha da sociedade civil contra o golpe reacionário em marcha, desferido sobre o voto popular das eleições de 2014.
Participaram do evento “Teatro pela Democracia”, em 21 de março, assim como têm feito apresentações teatrais nos protestos contra os desinvestimentos estaduais, regidos por irônica música composta em apoio aos professores, chamada “Baile de greve”.
Com projeto draconiano encaminhado à Assembleia Legislativa, que visa retirar direitos dos servidores estaduais, as únicas respostas do governo têm sido o descaso e mesmo uso da violência. Na semana passada, na Alerj, foram lançados sprays de pimenta para retirar os servidores da casa legislativa.
O atual governador, Francisco Dornelles – que teve destacada atuação nos governos da ditadura civil-militar, imposta ao povo em 1964 – alega nunca ter visto tamanha crise como a do estado do Rio. O licenciado Pezão somente sabe falar em perda de royalties do petróleo.
Nesse sentido, é sempre bom lembrar que, nos anos 1980, década chamada "perdida", em meio à gravíssima crise da dívida externa, o então governador Leonel Brizola, sem royalties, sem verbas constitucionais para saúde e educação, estrangulado pelos governos do general Figueiredo e de José Sarney, não teve acesso a qualquer verba federal.
O boicote federal a Brizola e, portanto, ao estado do Rio de Janeiro, prevalecia. O então governador fluminense usou apenas recursos estaduais e comprometeu cerca de 50% do orçamento na educação. Com efeito, “crise” corresponde a uma palavra muito elástica.
Prioridades explicam muito mais – e melhor – as escolhas e os problemas derivados da ação dos governantes. São as lesivas e antipopulares prioridades do agrupamento político capitaneado pelo PMDB que impulsionam a emergência da primavera estudantil no Rio de Janeiro.
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Redigido no domingo, o texto não teve como contemplar originalmente três novas ocupações estudantis, que ocorreram nesta segunda-feira (04/04), em colégios da Secretaria Estadual de Educação. Segundo a professora Marcela Almeida, ao todo, estão confirmadas as ocupações abaixo:
1) C.E. Prefeito Mendes de Moraes R. Pio Dutra, 353 - Freguesia (Ilha do Governador), Rio de Janeiro - RJ
2) C.E. Gomes Freire de Andrade R. São Maurício, 87 - Penha, Rio de Janeiro - RJ
3) C.E. Heitor Lira R. Cuba, 320 - Penha, Rio de Janeiro - RJ
4) C.E. Visconde de Cairu R. Soares, 95 - Meier, Rio de Janeiro - RJ
5) C.E. Euclydes Paulo da Silva Rua Guaruja Lote 1, s/n - São José de Imbassaí, Maricá - RJ
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Consultar:
(1) http://www.diarioliberdade.org/brasil/resenhas/59409-os-jogos-ol%C3%ADmpicos-e-paral%C3%ADmpicos-em-um-estado-falido.html
(2) http://odia.ig.com.br/opiniao/2016-03-30/siro-darlan-tudo-pela-educacao.html
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A primavera estudantil no Rio de Janeiro - Instituto Humanitas Unisinos - IHU