25 Novembro 2016
"A PEC 55 alega que diversos países teriam adotado o mesmo mecanismo de controle dos gastos primários para conter o avanço de suas dívidas, porém tal alegação é irreal. Nenhum país do mundo utilizou a taxa de inflação para indexar os gastos primários como a PEC se propõe a fazer no Brasil, na verdade, os países, em sua grande maioria, usam o controle de gastos via crescimento da receita, e não mediante à inflação. Nenhuma das experiências internacionais comumente citadas como exemplos de redução de gastos públicos teve medidas que engessassem o Estado por um período de 20 anos", escreve Assembleia de estudantes de Economia, Contábeis e Atuariais da UFRGS em nota publicada por Sul21, 24-11-2016.
Eis a nota.
Conforme deliberado na assembleia geral extraordinária do dia 07/11/2016, os estudantes dos cursos de Economia, Contábeis e Atuariais vêm por meio desta se posicionar contra a PEC 55, a qual apresenta como proposta atribuir um teto ao Orçamento Fiscal e da Seguridade Social da União (Art.101) por 20 (vinte) exercícios financeiros usando a taxa de inflação (IPCA) do ano prévio como correção ao limite primário do ano imediatamente anterior.
A PEC 241/55 apresenta como objetivo impedir o avanço do crescimento da dívida pública brasileira, para retomar assim a confiança na economia nacional e assim buscando conduzir o país de volta ao crescimento econômico. Entretanto, a própria formulação da PEC é contrária à finalidade desejada, ao passo que analisa de forma precária os problemas fiscais do país. A proposta atribui ao gasto primário o ponto chave de desencadeamento da crise nacional, sem levar em conta que nas últimas duas décadas o Brasil obteve superávits primários (economias de recursos destinadas ao pagamento de juros e amortizações da dívida pública) com exceção dos últimos dois anos quando houve uma queda no nível de arrecadação, causada principalmente por fatores conjunturais de desaceleração da economia brasileira, tais como uma queda brusca dos preços das Commodities, e por efeitos prolongados da última crise econômica mundial, fazendo com que o país viesse a ter tais déficits primários mais por conta de queda na arrecadação do que por aumento dos gastos; sendo assim, isto demonstra que estamos enfrentando um problema conjuntural de arrecadação, e não estrutural de gastos totais do Estado.
O debate a respeito da dívida que envolve a PEC negligencia um elemento empírico – não há evidência de que países com alta relação dívida/PIB tenham baixo ou nenhum crescimento. As maiores economias do mundo têm suas dívidas em níveis muito mais elevados do que a economia brasileira. Enquanto o Brasil possui uma relação dívida bruta/PIB de 69,5%, países como os EUA e o Japão encontram-se com uma relação de 106% e 248%, respectivamente para o ano de 2015. Os Estados Unidos abrangem um gasto governamental que beira 38% de seu PIB e o Japão 42% para o ano de 2014, entretanto, o Brasil, ao final do período total da PEC, não passará seu gasto governamental de 17% do seu PIB, valor que destruirá o Estado de bem-estar social assinado pela sociedade brasileira na constituinte de 88.
Ainda em relação à dívida, temos no Brasil um valor exacerbado pago aos detentores de títulos da dívida pública fomentado por uma taxa de juros básica que se encontra extremamente fora da realidade mundial (com juros reais iguais ou menores que zero por cento ao ano para boa parte de países desenvolvidos ou em desenvolvimento, segundo o ranking elaborado pelo Infinty Asset Management em setembro de 2016 utilizando dados dos últimos 12 meses). A questão do pagamento de juros não é contemplada pela PEC 55. Ela mantém a sangria do rentismo da dívida brasileira intocada, garantindo a continuidade da transferência de boa parte dos recursos arrecadados pelo Estado brasileiro a uma elite rentista enquanto propõe o deterioramento do Estado de bem-estar social, atingido por cortes em gastos primários que atendem ao orçamento da saúde, da educação e dos investimentos governamentais.
A PEC 55 alega que diversos países teriam adotado o mesmo mecanismo de controle dos gastos primários para conter o avanço de suas dívidas, porém tal alegação é irreal. Nenhum país do mundo utilizou a taxa de inflação para indexar os gastos primários como a PEC se propõe a fazer no Brasil, na verdade, os países, em sua grande maioria, usam o controle de gastos via crescimento da receita, e não mediante à inflação. Nenhuma das experiências internacionais comumente citadas como exemplos de redução de gastos públicos teve medidas que engessassem o Estado por um período de 20 anos. O Estado de bem-estar social será comprometido graças aos problemas distributivos da arrecadação nacional nos anos que se seguirão ao término da PEC, pois ainda que nos 2 (dois) primeiros exercícios os gastos com saúde e educação venham a ter um relativo aumento, os 18 (dezoito) anos que se sucederão vão ser compostos de arrocho dessas receitas. Além de apresentar necessidades históricas, o Brasil apresenta uma tendência de composição demográfica com um percentual de população economicamente ativa cada vez menor, levando a um aumento exponencial no custo do sistema previdenciário, o qual mesmo com a reforma que será encaminhada ao congresso, ainda gerará um rombo distributivo prejudicial aos demais gastos primários (sejam eles diretos ou indiretos). Ao se traçar um cenário hipotético em que mantém o gasto com saúde e educação, as demais despesas serão reduzidas a 1/8 do valor atual, o que implica dizer que tal medida afetará setores como o agronegócio, investimentos de infraestrutura (em um país ainda deficitário neste aspecto se comparado internacionalmente), bem como, os demais setores chave e, logicamente, é possível deduzir que este quadro não trará outra coisa senão instabilidade ao país.
Hoje tem-se no Brasil uma sociedade constituída de uma acentuada taxa de desigualdade social e com uma pequena parcela da população sendo concentradora de renda e poder. Para ser possível de pensar em maneiras de atingir essas características brasileiras que podem refletir em uma retomada da economia brasileira de forma justa e sólida é necessário que façamos alguns apontamentos sobre quais são algumas dessas questões. Possuímos uma das cargas tributárias mais regressivas do globo, onde os mais pobres pagam relativamente mais impostos que os mais ricos, concomitante com uma tributação por herança ínfima quando comparada às de demais economias desenvolvidas ou em desenvolvimento e inexistente no caso de lucros e dividendos quando transferidos de pessoa jurídica para pessoa física (dentre os países membros da OCDE, apenas a Estônia adota política similar). À despeito do que foi estabelecido pela constituição de 1988, não foi feita a regulamentação do imposto sobre grandes fortunas. É necessário rediscutir o sistema tributário brasileiro para que se possa avançar na construção de uma sociedade mais justa, igualitária e desenvolvida. Mesmo após a CPI da dívida, a sociedade brasileira segue sem saber quem são os credores da dívida brasileira. Se faz extremamente necessária uma auditoria dessa dívida para que a sociedade possa saber para quem o pagamento está sendo feito, e se este se encontra dentro das leis que regem nosso país.
São essas as reais questões que a sociedade e o Estado brasileiro devem considerar e transformar a fim de se aproximar de uma sociedade mais justa, igualitária e desenvolvida: impor um método mais progressivo de tributação, regulamentar o imposto sobre grandes fortunas, já previsto em nossa constituição, seguir os passos dos países desenvolvidos e em desenvolvimento e aumentar a tributação de heranças, lucros e dividendos, e o auditar a dívida pública a fim de tornar pública à sociedade sua real composição e legalidade. A PEC é hoje um debate velado sobre o real papel do Estado brasileiro. Suas medidas colocam em questão aspectos importantíssimos do pacto social de 1988, fazendo com que se seja imposto um austericídio à sociedade brasileira.
Os estudantes de Economia, Contábeis e Atuariais da UFRGS dizem não à PEC 55/241!
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Nota de repúdio à PEC 241 (55), da Assembleia de estudantes de Economia, Contábeis e Atuariais da UFRGS - Instituto Humanitas Unisinos - IHU