03 Novembro 2016
O sinal que vem da viagem ecumênica do Papa Francisco, recém-concluída, não está tanto na homenagem dirigida pelo pontífice argentino ao pai da Reforma protestante e nos programas de cooperação comuns. Bento XVI, durante a sua viagem à Alemanha em 2011, também tinha recordado a sede de Deus de Lutero e, ainda em 1999, tinha assinado com a Igreja Evangélica um importante documento sobre a "Justificação": conceito central na teologia de Lutero.
A reportagem é de Marco Politi, publicada no jornal Il Fatto Quotidiano, 02-11-2016. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
O horizonte novo que se abre depois da peregrinação de Francisco decorre do fato de ter aberto uma brecha na fronteira, que, até aqui, delimitava as relações entre as Igrejas cristãs. Um limite representado precisamente pelo fato de que as suas relações, até dialógicas, tinham estado sempre marcadas pelo estilo de relações entre entidades diferentes, cada uma fechada no recinto da sua própria história.
Com um salto para a frente, Francisco inverte essa configuração. Com ele, pela primeira vez, um pontífice romano considera os acontecimentos da Reforma protestante como parte de uma história cristã comum. Lutero – ele deu a entender dirigindo-se a Lund para a celebração dos 500 anos da Reforma – faz parte de uma história que católicos e luteranos devem sentir como compartilhada.
Apenas o fato de ter decidido presenciar uma comemoração do evento já foi o sinal desse salto de qualidade. Comemorar juntos significa festejar juntos, dar graças pelos frutos que o evento 1517 produziu. O papa usou poucas palavras, sutis, suficientes para dar o sinal da reviravolta.
A história do protestantismo, explicou Francisco na entrevista à La Civiltà Cattolica antes de partir para a Suécia, tem algo a ensinar à Igreja Católica: "Lutero deu um grande passo para colocar a Palavra de Deus nas mãos do povo. Reforma e Escritura são as duas coisas fundamentais que podemos aprofundar olhando para a tradição luterana".
Ele foi ainda mais explícito durante a oração ecumênica na catedral luterana de Lund: "Com gratidão, reconhecemos que a Reforma contribuiu para dar maior centralidade à Sagrada Escritura na vida da Igreja".
Mais claro ainda foi o reconhecimento da Declaração Conjunta assinada com o presidente da Federação Luterana Mundial, bispo Munib Younan. Católicos e luteranos estão "profundamente gratos pelos dons espirituais e teológicos recebidos através da Reforma"; Palavras que são marcos.
Faz parte dessa história cristã, que de agora em diante deverá ser considerada "comum" (além do pedido de perdão pelas feridas reciprocamente infligidas, já preparado pelo grande mea culpa desejado por João Paulo II no Jubileu do ano 2000), um conceito tipicamente bergogliano: as guerras em nome da religião são sempre combatidas por "homens de poder".
Com essa ideia-guia de uma história cristã comum, o Papa Bergoglio enterra docemente a grande pedra de tropeço para uma autêntica reaproximação das Igrejas cristãs representada no seu tempo pelo documento Dominus Iesus, publicado no ano 2000 por Joseph Ratzinger, prefeito do Santo Ofício, com o aval de João Paulo II. Documento que degradava as outras Igrejas cristãs como "comunidades eclesiais" e sancionava que a única Igreja de Cristo "subsiste" na Igreja Católica. Como que dizendo que havia uma Igreja de primeira classe, a católica.
Na visão do papa argentino, tais elucubrações teológicas não encontram espaço. Se os cristãos são uma única família, com uma única história, não existem filhos de grau mais elevado do que os outros.
Vale a pena notar que, mesmo em relação ao mundo ortodoxo, Francisco segue há muito anos essa estratégia de partilha. Várias vezes, ele lembrou que a Igreja Católica tem a aprender com as Igrejas ortodoxas sobre o tema da "sinodalidade", isto é, o método colegial. E se, na sua encíclica ecológica Laudato si’, ele cita várias vezes o Patriarca de Constantinopla, Bartolomeu, é porque ele quer enfatizar que os o patriarca ecumênico pode ser "mestre" para os fiéis católicos.
Certamente, depois da viagem do pontífice à Suécia, restam as diferenças entre católicos e protestantes sobre o tema da ordem sacerdotal, da Eucaristia e do sacerdócio feminino. Seguramente, nos próximos anos, será intensificado o ecumenismo prático do "serviço ao mundo", como Francisco o chama, iniciativas de caridade e justiça social. Mas tudo já está colocado em uma dimensão diferente, que deverá ser desenvolvida. A visão de um caminho comum ao longo da história. Católicos, ortodoxos, evangélicos, mas também pentecostais e outros movimentos cristãos vistos como "ramos da mesma videira", que surgiu a partir do advento de Cristo.
Por isso, o presidente da Federação Luterana Mundial, Younan, referindo-se à comemoração conjunta com Francisco, pôde falar de "moderno milagre do Espírito Santo". Um Espírito que "semeia unidade entre os seguidores de Jesus".
Em última análise, o dia 31 de outubro de 2016, em Lund e Malmö, constitui um passo à frente rumo à realização da meta que o teólogo protestante Jürgen Moltmann expressou na sua conversa com o cardeal Walter Kasper, às vésperas da viagem papal. "O que eu desejo – disse o grande pensador de tradição evangélica – é um concílio mundial de todas as Igrejas cristãs".
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A estratégia da partilha do papa: Lutero como parte da história cristã comum - Instituto Humanitas Unisinos - IHU