26 Janeiro 2012
"Na Igreja, há um clima de grande silêncio e a ideia de um mundo externo mau e agressivo", afirma o vaticanista e autor de um livro sobre o pontificado de Bento XVI.
A reportagem é de Eusebio Val, publicada no jornal La Vanguardia, 23-01-2012. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Muito respeitoso com a pessoa, severo com a gestão. Marco Politi, um dos vaticanistas mais prestigiados, acaba de escrever um livro, Joseph Ratzinger. Crise de um papado, que provoca feridas. Politi – durante muitos anos cronista do jornal La Repubblica e hoje do jornal Il Fatto Quotidiano – foi autor de um best-seller mundial sobre João Paulo II, Sua Santidade, junto com o jornalista norte-americano Carl Bernstein (do caso Watergate).
O jornalista italiano repassa os problemas em aberto na Igreja e os erros do pontificado de Bento XVI, que atribui ao estilo de governo, à personalidade do papa e à falta de diálogo interno de uma Igreja muito na defensiva.
Eis a entrevista.
O título do seu livro já diz muito. Você sabe quais foram as reações no Palácio Apostólico?
Alguns editores católicos tinham perguntado se era possível mudar um pouco o título. Mas, naturalmente, ele foi mantido. A metade do Vaticano está muito contente de que se escrevam as coisas que eles pensam. É claro que a parte do Vaticano mais defensiva do papa não está contente de que se exponham certos fatos que, no entanto, são os mesmos questionamentos que os católicos e muitos bispos no mundo se fazem. O Vaticano e a Igreja estão atravessando uma crise tripla: de visão geopolítica – o Vaticano perdeu muito peso na cena internacional –, de relações ecumênicas. Há uma paralisia em todas as direções. Com os protestantes, o papa vai à Alemanha, faz um belo discurso sobre Lutero, mas depois não há novidades. Com os anglicanos, está tudo parado. O mesmo também acontece com os ortodoxos, que estão próximos e, no entanto, não houve progressos significativos. E há uma terceira crise interna: continua a grande falta de sacerdotes, razão pela qual muitas paróquias no primeiro mundo não têm pároco. E houve uma forte queda na presença das mulheres nas congregações femininas. Entre 2004 e 2009, perderam-se 40 mil freiras, o que significa um enfraquecimento da infantaria da Igreja.
Você fala de uma Cúria entrincheirada, de um recuo defensivo. É a característica desse papado?
Certamente. A Cúria, nos tempos de João Paulo II, era representativa de personalidades muito diferentes, na direita, no centro e no campo progressista, mas que interagiam com a opinião pública. Falava López Trujillo, falava o cardeal Kasper, falava o cardeal Etchegaray, falava o ministro das Relações Exteriores, Tauran. Hoje, há um clima de grande silêncio. Há um clima fechado perante a imprensa. E existe a ideia de que, na realidade, o mundo externo é mau e agressivo contra a Igreja.
Depois de Bento XVI, a Igreja vai dar um salto para uma reforma profunda, estrutural e doutrinal?
O problema da falta de discussão que existe no pontificado ratzingeriano deriva da falta de consultas junto ao Colégio Cardinalício sobre as decisões-chave, por exemplo, a relação com os lefebvrianos. Isso também pesa sobre o futuro, porque, neste momento, há uma grande falta de clareza, uma confusão, uma incerteza, razão pela qual não surgem personalidades nem plataformas para o futuro. Quando se elege um novo papa, não se elege tanto um nome, mas sim um perfil e um programa. Ratzinger chegou sem um programa, não elaborou um programa, e, portanto, diante do futuro, não se sabe quais podem ser as alternativas dos candidatos.
Ele não queria ser papa. Você disse que ele não foi um homem com sede de poder.
Absolutamente. A personalidade de Ratzinger é a de um teólogo, de um estudioso, de um pensador, de um pregador. Ele não tinha ambições pessoais. Ele respondeu, por sentido de dever, a um forte lobby ibérico, latino-americano e também de cardeais norte-americanos que o empurraram. Mas ele mesmo confessou que, para ele, a eleição foi uma guilhotina. Isso não quer dizer que ele não soubesse que era candidato. Mas ele sentiu isso como um sofrimento.
Como foi mudando a ressonância global do papado?
Todos os grandes papas dos últimos 50 anos tiveram uma visão internacional, independentemente das tendências: Pio XII, Paulo VI, João Paulo II, João XXIII. O pontificado de Ratzinger atua de forma fragmentada. Um dia, ele diz que é importante o diálogo com os muçulmanos, depois ofende Maomé em Regensburg. Então, ele vai para a Mesquita Azul de Istambul para rezar, mas em Assis faz uma reunião inter-religiosa em que não se pode rezar juntos... Portanto, no plano internacional, há discursos individuais ou viagens individuais, como a da Terra Santa, em que o papa diz algo significativas, mas depois não há uma ação política continuada, por exemplo sobre o tema da guerra santa ou da primavera árabe. Assim, a presença internacional do papado se debilitou muito, também nos meios de comunicação. Fora da Itália, fala-se pouco do papado.
Uma das mais frases mais duras do livro é quando você se refere a Bento XVI como um "papa de meio turno".
Acho que é um sinal de respeito pela atividade de uma personalidade, sabendo que não se pode ao mesmo tempo ser líder religioso-político e ficar concentrado em problemas teóricos tão importantes como o de explicar Jesus Cristo ao homem contemporâneo. Isso significa que a mente do papa, em algumas partes do dia, está concentrada em sua atividade de estudioso. Um jornalista também sabe que é difícil ser cronista e também escrever um livro. Imagine um papa.
Joseph Ratzinger restringiu os contatos, o fluxo de informação direta pessoal, com os núncios e também com o porta-voz vaticano, a quem vê pouco. Por que ele se move em um círculo tão restrito?
Esse é um elemento dramático do pontificado. Quando foi eleito, ele não tinha um grande conhecimento da Cúria, porque sempre esteve concentrado nos problemas da Congregação para a Doutrina da Fé. Ele não tem nem a experiência da máquina curial, como tinham Pio XII e Paulo VI, nem aquele fluxo de contatos humanos que João Paulo II tinha e que permitia que o papado sentisse o pulso da situação, para além dos relatórios e da relação com a sua equipe. O papa não só já não vê frequentemente os núncios – somente no início e no fim de suas missões: ele também não vê, um a um, os bispos em visita ad limina. Vê apenas as delegações, mas não fala com cada um. Falta-lhe muita informação sobre o que acontece no chão da Igreja. E isso o fecha em uma espécie de torre de marfim, em que predominam os problemas teóricos sobre a capacidade de enfrentar as questões concretas de modo inovador.
Quais são os aspectos mais positivos desse pontificado?
Conta muito a imagem de sobriedade que esse pontífice dá e, sobretudo, a sua pregação de um cristianismo simples, que não deve ser considerado como um pacote de proibições, mas sim como uma verdadeira identificação com a mensagem de Cristo e, portanto, ter uma fé consciente, mas também fortemente caracterizada pela solidariedade com o próximo e com o gênero humano. Frequentemente, há estereótipos sobre Ratzinger como o cardeal panzer. Mas, visto de perto, ele é uma personalidade muito calorosa, muito sensível, também com senso de humor. Ele acredita verdadeiramente que no mundo moderno o importante é um cristianismo testemunhado com simplicidade e convicção. Essa é uma grande mensagem. Ainda desde a sua primeira encíclica, ele enviou a mensagem de que o cristianismo, em seu núcleo, é uma religião de amor, justamente em uma fase em que há muito fundamentalismo religioso.
De acordo com você, os cardeais de língua espanhola tiveram um papel fundamental no último conclave. Qual será o grupo mais influente no próximo? O que você pensa dos novos cardeais recém-nomeados?
As últimas nomeações são contrárias à linha de internacionalização da Cúria, que começou com Pio XII e Paulo VI. Mostram uma Igreja branca, europeia, italiana e romana, justo em um momento em que, na era da globalização, cresce o peso da Ásia, da África e da América Latina. No próximo conclave, haverá um papel desproporcional dos cardeais da Cúria e dos italianos. Tem-se dito que, com relação ao peso dos cardeais italianos, a Itália deveria ter 300 milhões de católicos.
Bento XVI tem quase 85 anos. Ele falou sobre a possibilidade, e até mesmo a obrigação, de renunciar por motivos de saúde. Você acredita que talvez ele faça isso?
Esta é uma afirmação revolucionária, porque outros papas – Pio XII, Paulo VI, João Paulo II – tinham pensado na hipótese da renúncia: Pio XII, se tivesse sido capturado pelos nazistas; Paulo VI e João Paulo II, por motivos de doença. Mas Bento XVI é o primeiro papa que colocou o preto no branco, em uma entrevista com um jornalista alemão (Peter Seewald), sobre a necessidade, não só a justificativa, da renúncia em caso de desgaste físico, psíquico e espiritual. Eu não excluo a possibilidade de que ele seja capaz de fazer um gesto tão racional, até porque ele mesmo já disse que não tem um temperamento místico.
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''Bento XVI é um papa de meio turno''. Entrevista com Marco Politi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU