05 Outubro 2016
Os colombianos disseram "não" - mesmo que com uma margem pequena de eleitores - ao acordo com os guerrilheiros das Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
Mas o governo, os insurgentes e os líderes da oposição liderados pelo ex-presidente Álvaro Uribe afirmam que insistirão em buscar a paz.
"Politicamente, a realidade é que um acordo que estava sendo negociado entre duas partes agora passa a ser decidido entre três partes", afirmou à BBC Mundo, serviço em espanhol da BBC, César Rodríguez Garavito, professor da Faculdade de Direito da Universidade dos Andes e Diretor da ONG Desjusticia, ao citar o peso que os oposicionistas ganharam no processo.
A reportagem é de Natalio Cosoy, publicada por BBC Brasil, 04-10-2016.
Uma negociação entre três lados é, porém, potencialmente mais complexa e lenta.
O presidente Juan Manuel Santos pediu agilidade. "Temos de atuar com rapidez e firmar prazos, pois a incerteza e a falta de clareza sobre os próximos passos colocam em risco tudo que foi construído até agora", disse nesta segunda-feira.
Descartada a opção de implementar o acordo que foi negociado em Havana, surgem com mais força alguns cenários alternativos. Todos viáveis juridicamente, mas custosos politicamente - e um bastante trágico.
Era o que pedia o Centro Democrático, partido do agora senador Álvaro Uribe, durante a campanha pelo "não": revisar os acordos e modificar alguns pontos, como os que permitem evitar penas de prisão e os relacionados à participação política das Farc, que teriam dez cadeiras garantidas no Congresso (cinco no Senado e cinco na Câmara) por dois períodos consecutivos.
Para o professor Garavito, a renegociação é a opção mais desejada e mais factível. "Juridicamente, essa alternativa é a mais viável, a mais simples, pois implicaria firmar um novo acordo e passar por uma nova via de legitimação, que poderia ser um novo plebiscito."
De fato, o próprio Tribunal Constitucional deixou a porta aberta para essa alternativa.
Segundo Alejo Vargas Velásquez, diretor do Centro de Pensamento e Continuidade dos Diálogos de Paz da Universidade Nacional da Colômbia, essa é a melhor opção. "Essa decisão implicaria que os negociadores do governo se reunissem com delegados do 'não' e com representantes das Farc para tentar encontrar soluções."
Marcos Criado de Diego, professor de Direito Constitucional da Universidade Externato da Colômbia e da Universidade de Extremadura (Espanha), avalia que uma renegociação no Congresso e depois com as Farc seria uma alternativa a um acordo entre três partes.
"Foi o que aconteceu com os paramilitares quando estavam reunidos no Ralito", disse, referindo-se ao processo de desmobilização do grupo armado em meados da década passada. Ele duvida, no entanto, que o Legislativo aceite isso.
Ariel Ávila, investigador da Fundação Paz e Reconciliação, é descrente em relação a esse cenário.
"Renegociar é uma saída muito improvável", declarou à BBC Mundo. "Ninguém negocia por menos do que conseguiu."
Segundo ele, Santos não vai ceder ao grupo de Uribe, os partidários do ex-presidente não aceitarão os termos atuais e as Farc se negarão a querer mudar o que já foi alcançado.
Para Ávila, uma opção é um pacto nacional, o que - de uma forma ou de outra - já está sendo defendido pelo partido de Uribe e pelo governo. Ambos já formaram comissões para se reunir e dialogar.
"Todas as forças políticas se sentam, chegam a um acordo, modificando alguns pontos, e vão falar com as Farc", explica.
É muito difícil estimar quanto tempo pode levar essa solução.
As próprias Farc tinham levantado a bandeira da Constituinte quando o governo insistiu - e acabou conseguindo convencê-las - com o plebiscito. O Centro Democrático também manifestou interesse em seguir essa linha.
A guerrilha pensa em uma Constituição que a inclua, da mesma forma que ocorreu em 1991 com o grupo M19. O Centro Democrático, por sua vez, tem uma visão menos progressista.
Ambos, porém, deixaram de falar sobre o tema desde o domingo.
Alternativa complexa, uma Constituinte só pode ser convocada de duas maneiras: mediante decisão do Congresso, com uma série de debates que podem se estender por um ano, ou por meio de um referendo que requer uma grande participação popular.
É inviável, logo, como solução a curto prazo. Além disso, acabaria prejudicando a campanha presidencial de 2018.
"Como dar esse crédito as Farc?", questiona Ávila. Para ele, uma Constituinte poderia abrir uma "caixa de pandora".
Jorge Restrepo, diretor do Centro de Estudos para a Análise de Conflitos (Cerac), também é categórico sobre essa possibilidade.
"Não se negocia o fim de um conflito por meio de uma Assembleia Constituinte. O que pode acontecer é decidir em outra instância, como uma reforma judicial - que modifique a Jurisdição Especial para a paz acordada em Havana - ou política, e se delegue essa negociação a uma Assembleia Constituinte."
Isso, porém, implica inevitavelmente que antes houvesse uma renegociação de algum tipo de acordo para alcançar o consenso necessário.
Com isso, haveria uma combinação dos cenários 1 e 2: renegociar parcialmente e deixar os temas mais árduos para uma Constituinte.
Os especialistas em geral consideram essa opção inviável, embora tenha-se sido sugerido que, segundo o Tribunal Constitucional, apenas o presidente é obrigado a acatar o resultado do plebiscito.
Para Garavito, trata-se de uma solução politicamente problemática. "Nenhum representante da maioria (legislativa) vai aceitar."
Ele cita um problema ainda mais sério: "Juridicamente, as leis (que saem do Congresso) têm de ser examinadas pelo Tribunal Constitucional e sancionadas pelo presidente. E como ele tem a obrigação de não implementar o acordo, precisaria dizer que não".
O que poderia acontecer seria o Legislativo implementar o acordo por via ordinária, como se cada termo um fosse uma lei a tramitar de forma independente.
Mas os debates poderiam transformar esses termos completamente - seria quase impossível garantir às Farc que o que sairia dessas discussões teria algo a ver com o que foi acordado em Havana.
E mesmo que isso ocorresse - ou seja, que o Congresso implemente integralmente o acordo -, ocorreriam problemas. "Então para quê os cidadãos foram chamados a votar?", questiona De Diego.
"Acredito que é o que vai acontecer", disse Restrepo. Ou seja, deixar a situação mais ou menos como está até a realização das próximas eleições presidenciais, em 2018.
Assim, o vencedor da disputa pela presidência teria legitimidade para implementar a solução que apresentar no processo eleitoral.
Para Restrepo, poderiam ser dadas às Farc garantias que permitam um processo de desmobilização individual - algo que não está nos planos da guerrilha, que negociou uma desmobilização coletiva que incluiria a sua transformação em um partido político.
De Diego adverte, porém, que essa alternativa poderia levar a guerrilha a voltar à clandestinidade - mesmo que seus principais dirigentes assegurem que não recuarão em relação ao desarmamento, não dá para garantir que todos os seus integrantes seguirão a orientação.
Na avaliação de Restrepo, esse cenário alimentaria o desenvolvimento de dissidências das Farc. "Os riscos de criminalização, de ruptura, são enormes."
Essa seria a alternativa mais dramática. "Hoje parece distante, mas é sempre possível", diz Garavito.
Restrepo também não descarta essa possibilidade, mas avalia que ela não é alta neste momento: "Tanto o governo como as Farc entenderam que o uso da força e da violência não vai servir para avançar em relação ao acordo".
Essa hipótese poderia ser um reflexo do desgaste causado pelo cenário 4 - ou de que o favorito na eleição presidencial se mostre hostil às Farc e prometa desmontar totalmente o acordo firmado em Havana.
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Constituinte, renegociação... As opções da Colômbia para manter a paz após o 'não' no referendo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU