02 Setembro 2016
“Não pode ser outra a pergunta que a esquerda faz a si mesma neste momento. Trata-se de um momento de derrota abissal que não envolve apenas um governo que a maioria da esquerda sequer reconhecia como de esquerda, mas na própria incapacidade de falarmos a nós mesmos e organizarmos gestos contra o que virá. Agora será um momento muito duro de ajuste de contas. Ou não? Tudo depende”, escreve Moysés Pinto Neto, em artigo publicado no seu blog Medium, 02-09-2016.
Moysés Pinto Neto é graduado em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul - UFRGS, mestre em Ciências Criminais pela Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul - PUCRS e doutor em Filosofia nessa mesma instituição. Leciona no curso de Direito da Universidade Luterana do Brasil - Ulbra Canoas.
Eis o artigo.
Não pode ser outra a pergunta que a esquerda faz a si mesma neste momento. Trata-se de um momento de derrota abissal que não envolve apenas um governo que a maioria da esquerda sequer reconhecia como de esquerda, mas na própria incapacidade de falarmos a nós mesmos e organizarmos gestos contra o que virá. Agora será um momento muito duro de ajuste de contas. Ou não? Tudo depende.
Dilma levou até o fim a tese de que o impeachment sem crime de responsabilidade seria um golpe de estado, mais especificamente golpe parlamentar. Ao fazer esse gesto, está sacrificando a possibilidade de acordos na Realpolitik e falando para o lado "movimento" do PT, sua base política, os intelectuais que denunciam a violação da Constituição, reforçando o clima que o poder foi saqueado em uma manobra da direita. Seu ato pode ter múltiplas leituras, desde o resguardo da sua biografia no último instante, o enfrentamento legalista contra o golpismo, o "registro para a História" e outras menos nobres, como a reorganização do PT a partir da última ponta de identificação com a esquerda que restou — aproveitando a tosquice rudimentar da direita nacional (e latino-americana em geral), sempre disposta a sacrificar seu aparente respeito à legalidade em nome da destruição do adversário político — , construindo o clima para que Lula figure como candidato competitivo em 2018. A esquerda ex-governista e todo "apoio crítico" (ou linha auxiliar) aos governos do PT reafirmará que se tratava de um governo de esquerda contrastando-o aos crápulas que cinicamente discursavam na Câmara e no Senado, vociferando impropérios e mediocridade em nome dos valores tradicionais e todo esse entulho reacionário que estava na defensiva nos últimos dez anos, mas agora volta com força. E há no mínimo um grande argumento — que convenceu não apenas a eles, mas também uma parte da oposição de esquerda — em torno da violação da soberania popular. A deposição de uma Presidenta legitimamente eleita, com a força do voto do povo, é um fato que quebra a normalidade democrática que, a muito custo e tropeços, vinha se configurando no Brasil. Aliás, esse campo legalista joga contra a direita nacional a depreciação da imagem positiva que o Brasil vinha conquistando na última década. Ao contrário do que os pittbulls da direita vociferam, desenhando o Brasil como estado "bolivariano", havia um amplíssimo consenso internacional a tornar o Brasil um projeto de potência mundial entre os BRICS exatamente porque, ao contrário dos outros membros do consórcio, teria como característica um Estado de Direito bem consolidado e uma democracia com regras respeitadas. Esse respeito reverencial à forma característico da democracia liberal foi colocado em risco em nome de exigências imediatas de deposição do PT, com o retorno de velhas oligarquias fisiológicas para a cabeça do poder (para a cabeça, porque todo o resto do corpo já tinham).
Do outro lado, existe uma esquerda que bate o pé contra a narrativa do golpe (em instantes, falarei sobre o tema "narrativa"). Ela precisa se contrapor à tese por razões políticas. Ao colocar 2013 como o evento que rompeu a ordem instaurada na Nova República, discorda da imagem de equilíbrio institucional que caracterizaria o período. O Estado de Direito não seria mais que uma miragem diante de um sistema político decrépito e capturado por forças patrimonialistas. O PT seria simplesmente o "síndico" do condomínio peemedebista. A decomposição do sistema teria começado muito antes, e nada menos que o "Fora Todos" — como diz o PSTU, isoladamente, na institucionalidade — seria aceitável. Para ela, o processo histórico iniciado em 2013 não teria se encerrado, ao contrário. Estaríamos num momento de transição no qual figuras monstruosas, como formas decadentes de um tempo que encerrou e teima em sobreviver, predominam. Michel Temer e Eduardo Cunha, ambos recentes aliados do PT, seriam os emblemas desse momento.
Os defensores da tese do golpe argumentam, em contraponto, que não se teria derrubado um governo se não fosse popular. A queda do PT representa uma mudança qualitativa que não teria sido obtida nas urnas. Afirmam que os "isentões" serão julgados pelo Tribunal da História. Em contraponto, a oposição de esquerda não aceita ser rotulada dessa maneira. Que a bipolarização, longe de ser uma exigência inevitável dos nossos tempos, é a causa dos nossos principais problemas. Que a bipolarização se torna artificial quando, a partir de 2013, surge um campo de novas forças políticas. 2014 teria sido o primeiro grande "achatamento" ou, como diz Bruno Cava, "operação ortopédica" com a redução da luta política a dois campos, petralhas e coxinhas, sem observar uma imensa fatia da população que não se sentia representada por nenhum dos dois. E, contudo, só haveriam dois. O apoio à Copa — sustentado na proposital confusão entre a crítica "vira-lata" e aqueles que reivindicavam direitos — seguido do episódio eleitoral de 2014 teriam sido os momentos inaugurais desse encurtamento. Era necessário reduzir tudo que não era o PT (salvo o PSOL, eleitoralmente inofensivo) à direita. Quem apoiou Marina Silva, uma candidata que se apresentou com perfil de centro-esquerda, manejando um programa bem parecido com o primeiro mandato de Lula, sentiu na pele a dor do policiamento. As críticas seriam válidas desde que, ao fim e ao cabo, tudo voltasse à reafirmação do PT. Qualquer raciocínio que escapasse disso seria tachado como direita. O uso de termos morais — "oportunista", "traidor", "coxinha" — caracterizou esse momento. Sem comparar a proporção, sentiu-se em doses suaves o que o stalinismo era capaz de promover no âmbito da linguagem. Assim, o setor da esquerda que recusa o golpe recusa, também, a chantagem. Recusa ceder. Já foi devidamente isolado, boicotado, etiquetado. Mesmo uma jornalista fora de série como Eliane Brum — com algumas das mais importantes colunas e matérias do Brasil recente, sempre ao lado dos vulneráveis — não passa ilesa da ironia. "Acima dos Muros", referindo-se a uma coluna em que tive a honra de participar, como se esse "acima" significasse um não-ter-posição, e não simplesmente o reconhecimento de que a polarização se passaria em um nível diferente daquele que está proposto pelos órgãos de propaganda política da era das redes sociais. A posição está em outro lugar, fora da caixa bipolar. Na verdade, contra os muros, sempre lembrando o que o muro significou no imaginário político do século XX.
Mas o debate não se encerra. Não foi o PT e todos os seus erros, mas o voto popular que foi desrespeitado. Aqui, então, está o núcleo do duelo de narrativas. Antes de explicá-lo, o aparte prometido sobre "narrativas": não há, infelizmente, um ponto de vista que permita acessar aos fatos nus. Toda proposição remeterá a um contexto e esse contexto nunca se esgota, nunca é saturável. O contexto pode ser demarcado, e não é outra coisa que nós fazemos quando fazemos teoria, mas jamais esgotado na sua forma absoluta. A incompreensível regressão a um hegelianismo vulgar de parte da esquerda, com sua noção teleológica da História e — pior — um Tribunal (versão secularizada do Apocalipse), simplesmente não se sustenta. O que se estabelece é, como sempre, uma guerra de versões. Essa guerra não é simplesmente um relativismo selvagem, em que cada um diz o que quer. Nem as versões são simplesmente atos de poder puro e simples. Toda narrativa sustenta-se numa rede mais ampla (a conjuntura política, o capitalismo, a geopolítica, o século XXI etc. etc.) na qual irá se apoiar. O que não tiver consistência, irá se fragilizar mais facilmente. Mas não existe ponto fora das narrativas. A história já é narração. Narrar a história tal-como-ela-é, como mostra Lévi-Strauss no "Pensamento Selvagem", significaria ocupar todos os espaços do tempo presente a fim de nada perder. Não há história sem filtro — o que não significa, de forma alguma, que a história seja simplesmente relativa ou questão de opinião. O que não existe é esse ente suprassensível, herdeiro de uma certa teologia, chamado História.
Volto, pois, ao duelo: os ex-governistas e a sua linha auxiliar querem considerar que a oposição de esquerda esteve errada esse tempo todo. Que era necessário apoiar, apesar de tudo, o PT, pois a face atual do sistema político mostra que estávamos avançando. As teses dos blogueiros progressistas (o "desejo de golpe") estariam no final das contas certas: haveria um golpismo em gestação o tempo todo, um conluio na "Casa Grande" para expulsar o PT do consórcio. A oposição de esquerda foi a "esquerda que a direita gosta", isto é, aquela que sacrifica vitórias em nome de princípios, que vive em um mundo paralelo e não percebe a mudança na vida das pessoas mais pobres. Por isso, é importante afirmar que houve golpe, houve uma ruptura da ordem jurídica com o intuito de destruir a parca proteção social conquistada nos anos petistas. A narrativa é que estaríamos vivendo um avanço conservador — para alguns relacionado com os movimentos de 2013, mas sobretudo vinculado ao ressentimento da classe média — combinado com uma ofensiva do mercado financeiro para recuperar os prejuízos do período desenvolvimentista. Sintonizando com o governo Jango golpeado em 64, tratar-se-ia da velha disputa entre um nacionalismo trabalhista contra o patrimonialismo "entreguista" das elites brasileiras. O mesmo movimento — o projeto "Brasil Grande" — abrangeria Getúlio, Juscelino, Jango, depois Lula e Dilma. (Mais recentemente, Ernesto Geisel passou a fazer parte desse rol…). Os legalistas (ou garantistas) não necessariamente subscrevem isso, por isso daqui a pouco volto a eles.
Ora, essa narrativa a oposição de esquerda não pode aceitar. E por isso boa parte dessa oposição não pode aceitar a palavra "golpe". Se golpe significa a inversão abrupta do regime, utilizar a palavra significaria que o PT foi atacado pelos seus inimigos políticos e que a oposição de esquerda teria sido ingênua e manipulada no período. Acontece que, do ponto de vista da oposição (chamarei de autonomistas de agora em diante), não houve inversão abrupta da ordem política. Houve chicana, ilegalidades, conspiração, canalhice. Mas inversão não. O governo Jango foi golpeado porque propôs reformas de base e seus inimigos trataram de destituí-lo. Quem assumiu o governo agora, ao contrário, foi o PMDB, vários ministros participaram dos governos petistas e, ao contrário da imagem dessas forças de inversão, a queda de Dilma foi gestada desde dentro do Planalto. Como já escrevi várias vezes, a estratégia simplesmente parou de funcionar (por isso a nomeei "zumbi") e foi aprofundada até sua ruína. Apesar do protesto dos desenvolvimentistas, o próprio governo reconheceu a necessidade de ajuste fiscal (até na sua fala ao Senado Dilma manteve a posição, ainda contra as ideias do seu partido e apoiadores). É como se tivesse ocorrido aquilo que Deleuze e Guattari diziam ser impossível: o governo morreu de contradição.
Mas existe um ponto mais profundo nessa disputa, que é o próprio significado das lutas da esquerda nos últimos anos. Se aceita a versão do golpe nos termos dos ex-governistas e linha auxiliar, então as práticas autonomistas caem no erro político, dado que teriam servido à direita. Para os autonomistas, no entanto, tratava-se de disputar o projeto da esquerda. Sempre que se alega que 2013 teria sido um erro por possibilitar que a direita saísse as ruas, resta a pergunta: que esquerda é essa que deseja pessoas sem participação política, sem ocupar as ruas, sem demandar melhorias, totalmente submissa a um projeto burocrático-governamental? Se os governos de esquerda alegam justamente que não podem fazer as coisas porque não têm base para tanto, não é o caso de aproveitar justamente o momento em que as pessoas estão nas ruas para fazer? Que outra atitude é demandada da esquerda, a não ser ocupar as ruas, pressionar os governos e exigir mudanças?
Existe aqui, então, um impasse: a palavra golpe, quando carregada do sentido que o campo ex-governista dá, torna as lutas políticas autonomistas estéreis. Mas, ao mesmo tempo, os autonomistas não podem — ou não deveriam, a meu ver — negar que houve um fato significativo e muito importante, a violação do resultado das urnas, da fagulha de soberania popular que a democracia representativa garante. Não é possível tomar isso como insignificante e precisamos de um nome para isso (golpe, por exemplo?).
Será possível pensar ao mesmo tempo continuidade e descontinuidade? Afinal, o fato estarrecedor é que, apesar de o impeachment ser uma nítida violação da Constituição (não enquanto impeachment, é óbvio, mas por não haver crime de responsabilidade de acordo com os parâmetros legais) e da soberania popular, as periferias — suposta base de apoio petista — não igualaram os movimentos mais identificados com a classe média e elite que tomaram as ruas em 2015 e 2016. Não houve luta de classes explícita. Portanto, é de se supor que essa descontinuidade não está sendo sentida, que a derrota política do PT se deu de forma irreversível. A descontinuidade com o respeito ao veredito das urnas contrasta com a sensação de continuidade institucional na população em geral. O Brasil profundo não se revoltou. Isso me coloca a pensar em duas coisas: primeiro, na relação entre continuidade e descontinuidade a partir do direito; segundo, no porquê a população consentiu com a queda de Dilma (apesar dos movimentos de resistência que, contudo, nunca conseguiram igualar seus oponentes).
É aqui que gostaria de pensar no papel dos legalistas nesse processo. Eles defendem a perspectiva de que seria necessário o respeito integral às instituições e arrolam vícios atrás de vícios no procedimento como um todo, inclusive no mérito. Têm produzido uma intensa militância contra o processo.
Boa parte do pensamento jurídico progressista (doravante, humanistas) foi forjado no período pós-ditadura, mesmo período em que surgiu o PT. Por esse campo, refiro-me a juristas identificados com a luta pelos direitos humanos e com o garantismo (termo mais usado na esfera penal). Politicamente, a maioria identifica-se com uma posição social-democrata e, no limite, do socialismo democrático. Criaram-se no espaço que a hegemonia neoliberal reservou para a resistência ao capitalismo: o campo dos direitos humanos (como mostram, por exemplo, Badiou, Agamben e Zizek). Assim, a ascensão da esquerda petista está muito próxima desse campo humanista, vinculando o progresso político ao discurso jurídico de efetivação dos direitos fundamentais. Não há uma identidade total aqui, mas a confluência é fácil de perceber.
Acontece que, do ponto de vista autonomista, os humanistas padecem do vício de considerar que o estado de direito está posto, trata-se apenas de aprofundá-lo. É fácil recuperar no espaço de 2010–2013 os debates que a permanência ou superação da ditadura geraram no âmbito da própria esquerda. Naquele momento, os humanistas, a fim de defender as conquistas sociais, recusam como "catastrofistas" ou até "esquerdistas" as afirmações de que o estado de exceção é a regra. Em compensação — não posso deixar de anotar isso, desculpem os meus amigos — em um gesto de grande hipocrisia passaram a considerar a exceção a partir do julgamento do Mensalão em 2012. Desde então, o campo humanista está empenhado em afirmar que o sistema penal funciona ao modo da exceção quando se trata da corrupção petista. Haveria uma seletividade política entre as agências penais dirigida especificamente contra os petistas.
Esse ponto mostra bem porque a narrativa garantista mais confunde que ajuda a entender o Brasil atual. Se transpormos o tema para a Lava Jato, fica clara a inconsistência. Para os garantistas, a Lava Jato seria uma manobra golpista, forjada a partir de conluio "jurídico-oligárquico-midiático" e, nas versões mais ácidas, Moro um agente infiltrado da CIA pronto a sequestrar o Pré-Sal. No entanto, é a própria defesa da Presidenta que utiliza os áudios de Jucá para mostrar que o que ocorre é exatamente o contrário: o impeachment foi tramado com a finalidade de barrar a Lava-Jato, dado que Dilma estava permitindo seu andamento sem entraves. Assim, algo não bate aqui: ou a Lava-Jato é o principal instrumento do golpe, ou é a motivação contra a qual se armou o golpe. Não é possível que seja as duas coisas ao mesmo tempo. Sabemos que até para positivistas jurídicos a análise do que está ocorrendo, do ponto de vista político criminal, é equivocada porque promove a sutura na polarização político-partidária sem mediações (expliquei aqui). O que acontece é que a Lava-Jato é uma força imprevisível para os políticos (o que não significa que seja perfeita nem igualitária) e que o sistema quer controlar, de todas as formas possíveis, o que irá acontecer. Como a Lava-Jato não está atrelada a nenhuma força política institucionalizada (na verdade, ela é resultado de uma composição entre a classe média anticorrupção que ocupou as ruas e uma camada jovem tecnocrática de agentes jurídicos identificados com o punitivismo), essa análise deve estar errada.
Ademais, os garantistas contestam uma série de manobras jurídicas que estariam erradas, mas sabem que nenhum processo criminal no Brasil respeita suas posições na plenitude. Eles sobrecarregam as exigências formais (de modo coerente com o que costumam demandar nos seus textos, diga-se), contudo deixam de avisar o leitor que a maneira como concebem o Estado de Direito não está sendo violada ocasionalmente nos casos que envolvem o PT, mas sistematicamente enquanto modo de funcionamento do sistema penal. Podem passar a falsa impressão, com isso, de que há uma forte ruptura com um conjunto de garantias e direitos que são respeitados, quando a rigor se trata de uma miragem em relação ao efetivo modo de funcionamento do sistema penal. Do ponto de vista da observação do que está acontecendo, a representação garantista, como dito, mais confunde que ajuda.
Por incrível que pareça — dada a dimensão do texto — dirijo-me então ao penúltimo ponto. Por que não houve revolta? Parece que aqui a política do medo utilizada contra Temer, no sentido de que se farão várias reformas neoliberais, não está conseguindo afetar as pessoas. A resposta para isso é: a esquerda perdeu o centro. O ciclo desenvolvimentista não convenceu as pessoas como o lulismo — a combinação entre política de austeridade e programas sociais fortes — havia convencido. Lula era capaz de traduzir para o senso comum as posições mais alinhadas à esquerda; Dilma, não. Por isso, apesar da grave ruptura com a ordem institucional, a população não se revolta. A crise econômica pesa forte e claro que o apoio da mídia tradicional (isto é, Globo) a medidas de austeridade e todas as ideias neoliberais acaba promovendo uma adesão. O liberalismo cresceu entre os jovens estudantes e empresários em geral. Há, portanto, um segmento considerável da população que apoia a volta a uma política ortodoxa que nesse momento está mais pesado que aqueles que a contestam. Não adianta apenas dizer que as urnas elegeram o desenvolvimentismo; o fato é que nem Dilma, a eleita, conseguiu sustentar essa política. Que projetos alternativos nós temos para confrontar isso?
É aqui que termino minha reflexão na aporia. Se é certo que precisamos de um discurso de esquerda que nos aproxime do centro, também é certo que as ruas estão demandando, desde 2013, transformações substanciais, não apenas mais tecnocracia. O modelo Clinton de esquerda é o que está mais deteriorado politicamente. A proteção social do trabalhador hoje, em tempos de aceleracionismo, é estrategicamente uma das principais pautas. Poderia escrever como precisamos repensar a sociedade do consumo, o crescimento extensivo e outras questões que costumo abordar, mas fico ainda na análise de conjuntura e jogo de forças. Estrategicamente, contra Temer, o discurso do golpe é potente. Aglutina, deslegitima totalmente o adversário, coloca-o no seu devido lugar. Além disso, respeita a soberania popular, algo que nem concepções que suspeitam da democracia liberal deixam de considerar como um valor primordial (que deveria ser aprofundado). Poderíamos usar o discurso do golpe, reunificando o campo hoje destruído em torno do Fora Temer e novas eleições? Poderíamos. Mas existe algo que emperra o debate — e vai manter a esquerda separada nos próximos anos, creio eu. É a volta de Lula. O PT usará — até com legitimidade, admito — usará o discurso do golpe para cacifar na esquerda a candidatura de Lula. Mas os autonomistas não aceitarão mais do mesmo, mais do modelo que já está totalmente esgotado. Ainda antes do impeachment, já advertia que Lula era a figura que paralisava o Brasil na bipolarização. Prevejo que essa fratura permanecerá até 2018.
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