Por: Patricia Fachin. Colaboração de Vitor Necchi | 02 Setembro 2016
A resposta à pergunta de como a esquerda irá se reorganizar na cena política brasileira “demandará mais tempo, mais aprendizado e uma reflexão autocrítica para que esse bloco — que será multifacetado e não responderá a um modelo mais clássico — se consolide”, pondera Flavio Koutzii na entrevista a seguir, concedida à IHU On-Line por telefone na manhã de ontem, 01-09-2016, ao comentar as possíveis consequências políticas do impeachment da ex-presidente Dilma.
As manifestações que tomaram as ruas do país nos últimos dois anos, ressalta, já demonstram a existência de “forças dinâmicas” nas ruas, com as quais os tradicionais partidos de esquerda terão que se rearticular se quiserem ter relevância na cena política. “A presença do PT será proporcional, de um lado, até onde o partido saberá fazer um processo autocrítico mais profundo — o qual até aqui não vem fazendo —, e dependerá de que tenha a humildade de entender que é desses novos rebeldes e dessas novas formas de luta que devemos nos aproximar sem nenhuma veleidade de assumirmos a liderança ou querer ensiná-los técnicas de mobilização, resistência e luta”, adverte.
Na avaliação de Koutzii, que já ocupou cargos públicos nas gestões dos governos petistas gaúchos, “está embutido nos próximos tempos o desafio de entender bem o que aconteceu, por que aconteceu e, tendo acontecido, como está o terreno e o tecido da sociedade brasileira para encontrar os caminhos a seguir e a reconstruir”.
Na entrevista a seguir, Flavio Koutzii também reflete sobre a situação da esquerda no cenário internacional e não corrobora com as críticas de que ela enfrenta uma crise, ao contrário, “a esquerda está ampliando o leque de temas que até pouco tempo atrás eram considerados alternativos. (...) Creio que essa ideia de que a esquerda já está derivando para temas de outra natureza, como ecológicos e questões de gênero, verifica um fenômeno que é interessante, fecundo e bem vivo, mas deduz, equivocadamente, que isso é uma espécie de tipo do que sobrou para fazer, quando, na verdade, o que sobrou para ser feito é aquilo que será retirado através do modelo em curso, pela política geral e internacional, especialmente empurrada pelo capital financeiro”, conclui.
Flavio Koutzii | Foto: Youtube
Flavio Koutzii é graduado em Sociologia pela École des Hautes Études en Sciences Sociales, da Universidade Sorbonne. Ao longo de sua militância política, foi filiado ao PCB, fez oposição à ditadura militar brasileira em 1964 e integrou a Dissidência Leninista do Rio Grande do Sul. Já na Argentina, no início da década de 70, atuou no Partido Revolucionário de los Trabajadores – Exercito Revolucionário del Pueblo (PRT-ERP). Quando regressou ao Brasil, nos anos 80, se filiou ao PT, partido pelo qual foi eleito vereador e deputado estadual.
Confira a entrevista.
IHU On-Line - A partir dos erros e acertos do PT na política, como está compreendendo o atual momento político que culminou com o impeachment da ex-presidente Dilma?
Flavio Koutzii – Entendo que para fazer uma avaliação deste tipo, o ponto de partida não seja tanto os possíveis erros do PT — embora eles existam —, mas os acertos da direita. Houve uma aplicação, no Brasil, de um novo modelo de golpe, sem tanques, sem fuzis e, por enquanto, sem tortura. Ou seja, é algo que já aconteceu com tentativas experimentais em Honduras e no Paraguai, onde há uma junção de três elementos — uma espécie de tridente mortal —, que consiste em combinar denúncias de prováveis ou improváveis irregularidades, e isso cria um tema sobre o qual o governo legal e democraticamente eleito fica comprometido. A partir disso, rapidamente se transforma essa suposta fragilização de caráter administrativo e cria-se uma espécie de Corte que irá arbitrá-la.
Então se somam a esfera política, a utilização da esfera judicial e a releitura do acontecimento feito pela mídia. Temos aí, embora toda a densidade trágica e antipopular que esses episódios refletem, um modelo de golpe desta época que vivemos. Essa é a primeira constatação.
Quanto aos erros, eles existem e são um elemento muito decisivo para que o modelo de golpe encontre um chão sólido para poder desenvolver as suas teorias e criminalizar o movimento social do governo existente. O que assistimos no Brasil é a aplicação, numa escala muito mais profunda e radicalizada, do mesmo modelo. Em uma certa versão análoga, na Argentina a situação é mais ou menos a mesma, embora recentemente a direita tenha se legitimado por uma vitória eleitoral.
No Brasil é mais fácil compreender isso porque a composição dos elementos golpistas é mais familiar, ou seja, a Globo, a Veja, a IstoÉ e a imprensa de modo geral releem cada um dos acontecimentos assumindo para si a leitura do que está acontecendo. De um lado, a imprensa faz a leitura homogênea e impulsiona esse modelo de golpe e, de outro lado, através da Lava Jato — para dar um exemplo mais intenso e importante — se tem uma ilimitada capacidade de alterar, a partir de supostas investigações, culpabilizar e fazer transcender determinadas investigações — verdadeiras ou não —, todas elas feitas a partir de uma dinâmica que não corresponde ao estado democrático de direito.
O fato exemplar de que as pessoas ficam detidas por seis ou sete meses sem contato com ninguém é uma versão moderna do pau-de-arara. Quer dizer, não se faz isso, mas se deixa alguém preso com absolutas incertezas: não sabe por quanto tempo ficará preso, de que maneira se desenvolverá o processo, de que maneira terá um sistema de defesa e, portanto, a pessoa fica acuada e decide colaborar via delação premiada. A estrutura que deveria regrar as investigações e desenvolvê-las é feita de modo a coagir a pessoa supostamente investigada, deixando-a indefesa. Portanto, não é um xingamento dizer que se trata de um modelo moderno de pau-de-arara.
IHU On-Line - O senhor tem uma trajetória extremamente vinculada ao combate à ditadura no Brasil e em outros países do Cone Sul, à redemocratização do Brasil e ao projeto político do PT. O senhor se sente frustrado com todos os acontecimentos ou fortalecido para seguir na defesa da democracia?
Flavio Koutzii – Eu me sinto dramaticamente atingido por esse fato, porque o combate à corrupção acabou se evidenciando como uma cortina de fumaça para ocultar o objetivo de fundo dessas investigações, que é, explicitamente, a busca da destruição de uma “espécie de solução final” em relação ao PT. É uma ideia de aniquilar o Partido dos Trabalhadores, tomando de assalto um governo a partir de um pretexto artificial de alguma falha na gestão pública dos recursos e na forma de operá-los. Isso foi feito para que o governo do PT não pudesse consolidar o que vinha fazendo: uma política de desenvolvimento e distribuição de renda, que foi o que permitiu várias vitórias consecutivas contra o bloco neoliberal clássico, que perdeu quatro eleições nacionais. Agora querem tentar a vitória no “tapetão”, fazendo um mecanismo indireto como esse que acabamos de assistir.
O que temos é uma aplicação acelerada de ataques da mídia, combinada com a brutal omissão do sistema judiciário, que superdimensiona vários de seus segmentos, os quais atuam sem limites, sem censura e com uma metodologia completamente suspeita, com a omissão e a indiferença de parte do Supremo e a onipresença do Ministério Público.
Não se trata, portanto, de uma surpresa ou de uma decepção, mas da materialização do modelo de golpe que está se expandindo nesse momento para recuperar o terreno e destruir as experiências democráticas e populares. Logo, nesse sentido, é preciso compreender o que está acontecendo para elaborar isso com as novas gerações, que são as que estão saindo na primeira linha de resistência e, portanto, tentar disputar, o mais cedo possível, os caminhos para o Brasil.
Manifestações em Brasília (Foto: YouTube)
IHU On-Line - Nas últimas semanas, circularam algumas análises de que o PT não fez uma defesa enfática da ex-presidente Dilma. Na sua opinião, isso procede?
Flavio Koutzii – Efetivamente há esse problema. A recente retomada do apartamento do Lula, a intervenção junto ao Instituto Lula, ou seja, a dinâmica de “caça” ao ex-presidente acaba desmoralizando o próprio PT. Nesse sentido, a incapacidade do Partido dos Trabalhadores de responder com a intensidade adequada a essa ostensiva geral golpista tem a ver com esse enfraquecimento e com uma série de práticas inaceitáveis do ponto de vista de ativistas importantes do PT. Isso acaba produzindo um efeito de desmobilização e tira a capacidade de reagir com a devida rapidez e tendo claro qual é o conteúdo que essa reação tem que ter.
IHU On-Line – Ontem, em seu discurso pós-impeachment, a ex-presidente Dilma disse que fará oposição ao governo Temer e alguns petistas apostam num desgaste da gestão Temer para levar o PT de volta ao poder em 2018. Esse é um cenário possível? Como avalia essa estratégia?
Flavio Koutzii – Em primeiro lugar ainda se precisará de algum tempo para que se firme a narrativa de que foi um golpe. Não há a menor dúvida de que foi um golpe e que a característica e a natureza desse golpe é uma combinação da criação de um pretexto e de uma interpretação técnica e pouco inteligível de alguma falha do governo frente a dispositivos da lei. A partir daí criaram um processo que julgou e retirou a ex-presidente do seu espaço legitimamente adquirido.
O golpe realizado muda a natureza da sociedade brasileira na qual vivemos. Essa natureza está sendo alterada e, portanto, a própria reflexão estratégica de como reagir a partir de agora se impõe como uma necessidade. A direita, sempre inconformada, desenvolverá uma série de práticas de reorientação da economia brasileira, desenvolverá uma política antipopular, acabará com toda a aplicação — que era a marca dos governos petistas — de desenvolvimento e redistribuição de renda.
A redistribuição será bloqueada. Essa não é uma interpretação com projeção para o futuro, mas o simples fato de eles confirmarem que o orçamento que envolve saúde e educação deve definir-se e manter-se durante 20 anos é uma coisa que deveria sublevar o povo brasileiro de uma forma irresistível. Ao mesmo tempo eles já ameaçam alterar a organização do sistema de aposentadoria e ameaçam claramente alterar o sistema de funcionamento do SUS e terceirizar parte daquilo que consiste no sistema atualmente.
Portanto, uma das características desse modelo é que na medida em que ele esfacela com rapidez o centro de governo que detém uma esfera do poder, com a mesma rapidez aproveita a desorganização provocada pela dinâmica golpista para fazer uma operação de altíssima velocidade para ir tomando as decisões sobre as questões estruturais, todas elas em nome de razões econômicas para que a dívida estatal diminua e haja recursos para pagar a famosa dívida externa.
IHU On-Line – Tem se feito uma análise de que houve um esvaziamento das manifestações de rua na última semana do processo de impeachment. Concorda?
Flavio Koutzii – Não houve esvaziamento e esse não é um assunto que dependa especificamente da militância do PT. O que foi característico desse momento foi a emergência de setores rebeldes que têm organização própria, que não têm filiação ao PT ou a outros partidos, mas têm suas próprias lógicas, sua autonomia, seus sistemas mais fluidos e acelerados de se comunicar, ou seja, já emergiram desse golpe formas de resistências renovadas, escolhendo a renovação dos seus próprios métodos de atuação, com extrema coragem e presença nas ruas.
Portanto, como vimos ontem e anteontem, há uma ida imediata para as ruas, dando sinais de resistência e inconformidade e ampliando com sua ação a compreensão de setores da sociedade. Portanto, afirmo, não como expressão do meu desejo, que as manifestações não diminuíram, ao contrário, aumentaram, e a sua composição é diversa daquela a que estávamos acostumados. Se essa base social se combinar com setores que serão radicalmente prejudicados, como os aposentados, ela será a base social existente para reconstruir um processo de resposta e contenção dos ritmos de implementação do modelo que quer alterar as políticas sociais.
IHU On-Line – E qual será a participação do PT nesse processo?
Flavio Koutzii – A presença do PT será proporcional, de um lado, até onde o partido saberá fazer um processo autocrítico mais profundo — o qual até aqui não vem fazendo —, e dependerá de que tenha a humildade de entender que é desses novos rebeldes e dessas novas formas de luta que devemos nos aproximar sem nenhuma veleidade de assumirmos a liderança ou querer ensiná-los técnicas de mobilização, resistência e luta.
É o contrário, temos que aprender a metodologia de como esses movimentos se organizam, como contam com os meios de comunicação das redes, ou seja, com elementos que têm outra natureza e que, portanto, a consolidação disso terá que ter um parceiro. O PT poderá ser um desses, desde que não ache que poderá entrar nisso com pretensões de hegemonia; tem que entrar lado a lado. Se não fizer isso, ficará de fora.
IHU On-Line – O senhor dá um destaque para os múltiplos movimentos sociais de esquerda que estão se articulando neste momento. Mas para além deles, como a esquerda partidária deve se reposicionar no cenário político?
Flavio Koutzii – O que eu estava falando é fundamental para entender essa pergunta. O golpe já gerou uma ocupação estratégica e crucial desses setores — que não são os velhos partidos de esquerda —, e são as novas forças dinâmicas que terão mais contundência para enfrentar o golpe. Essa é uma parte de uma nova forma de resistir, e é a parte principal, porque é constituída daqueles que, nutridos no tecido social e nos efeitos concretos do que o golpe desencadeia, tem a maior capacidade de resposta, mobilização e ofensiva.
Então, como será uma nova esquerda? Será de uma fração da esquerda mais tradicional, na qual se encontra o PT, que internamente irá se dispor a desenvolver um processo autocrítico, de perceber quais erros e estratégias ajudaram, lamentavelmente, a chegar ao ponto que chegamos, e, ao mesmo tempo, como conectar-se às forças em movimento nesse momento.
Não existe uma espécie de conteúdo clássico de resposta, porque essa é uma situação nova. A resposta demandará mais tempo, mais aprendizado e uma reflexão autocrítica para que esse bloco — que será multifacetado e não responderá a um modelo mais clássico — se consolide. O Brasil de antes do impeachment não existe mais; já existe um novo Brasil. Há uma grande tragédia, uma grande derrota, e quando isso acontece é preciso se dar conta da extensão do que se tratou, dos efeitos negativos e, a partir daí, começar a reagir.
Portanto, está embutido nos próximos tempos o desafio de entender bem o que aconteceu, por que aconteceu e, tendo acontecido, como está o terreno e o tecido da sociedade brasileira para encontrar os caminhos a seguir e a reconstruir.
IHU On-Line – O senhor tem participado, juntamente com outros intelectuais do PT, de discussões sobre o futuro do partido, sobre realinhamentos e propostas daqui para frente?
Flavio Koutzii – Eu, particularmente, por uma série de circunstâncias, por questões de saúde e algumas opções internas que fiz, não tenho estado presente nessa esfera e não tenho acompanhado isso. Portanto, não tenho informação suficiente para perceber e julgar de que forma e em que estágio e densidade estão se passando esses processos. Parece que, de um lado — o que é natural —, estamos vivendo um aumento de defesa instintiva frente a uma ofensiva gigantesca, combinando todos os movimentos: o judiciário, o monopólio midiático e ação ofensiva da Operação Lava Jato. Isso tem sido suficientemente pesado para determinar que as forças de esquerda em geral, não só o PT, de certa maneira, assumam uma posição defensiva para organizar suas linhas e enfrentar essa ofensiva estratégica.
Então, acredito que o tempo imediato nos dará “ar para respirar”. Mas levará algum tempo para que essa situação se consolide no entendimento coletivo, que não suprime as diferenças de cada uma das forças que querem fazer isso, mas que permita um entendimento razoável em nome e em prol de começar a dar uma resposta mais contundente ao golpe de Estado e à ofensiva por ele provocada. Esse é o ponto que explica, em parte, porque a reação não teve a complexidade e a multiplicidade em todas as frentes que seriam desejáveis, porque, primeiro, há uma posição de defender o patrimônio frente a uma ofensiva brutal. Essa ofensiva consegue marcar pontos importantes e trágicos para nós, da qual a obtenção do impeachment é a expressão mais acabada.
Então, de certa maneira, as forças resistiram o que puderam, portanto, estiveram mais na luta de resistência do que na luta de reordenamento das suas posições para, inclusive, tomar iniciativas em relação ao inimigo — porque se trata de inimigo, não se trata só de forças adversárias. Desse ponto de vista, só o tempo subsequente, relativamente no médio prazo, é que permitirá polir um pouco as diferenças e aumentar a frente e o dinamismo articulado da resistência ao golpe.
IHU On-Line - Como fica a imagem do ex-presidente Lula daqui para frente e, inclusive da própria ex-presidente Dilma, com seu retorno a Porto Alegre? O fato de ela retornar para a capital gaúcha pode alçar a cidade a uma condição estratégica para a esquerda brasileira e, em particular, o PT?
Flavio Koutzii – Não tive acesso ao que a própria ex-presidente Dilma pensa a partir dessa decisão inicial de chegar por aqui. Os desdobramentos eu não sei dizer. O que sei é que, tomando um termo que se conheceu em outros momentos trágicos da história da humanidade e das perseguições, a direita brasileira procura “a solução final” para destruir o PT. Então, ela mostra claramente que nós temos que ter presença para enfrentar isso; essa é meta. Enquanto não destruírem as possibilidades eleitorais do Lula, não cessarão, e é por isso que todos os políticos descobertos pela Lava Jato estão ao lado do grupo que cerca o Temer, que é um presidente que não merece o título.
É preciso fazer uma reflexão autocrítica para valer, senão fica difícil fazer qualquer coisa
IHU On-Line - Alguns teóricos estrangeiros afirmam que a esquerda perdeu sua relevância política e que daqui para frente tende a desempenhar um papel cultural em relação à discussão ambiental, por exemplo, ou intervir em pautas comportamentais. O senhor concorda que, internacionalmente, a esquerda está uma crise?
Flavio Koutzii – Não acho. Acredito que, evidentemente, a esquerda está ampliando o leque de temas que até pouco tempo atrás eram considerados alternativos — são essas questões que tu estás elencando ao me perguntar. Mas o que me parece é que a radicalidade da contraofensiva de todos os lugares em que a direita internacional está reagindo, praticamente destroçando as regras do jogo e colocando o mercado como único árbitro de que situações são convenientes ou não para o mercado, tem tido como consequência um avanço sobre os direitos trabalhistas e sobre as políticas sociais.
É isso o que explica certo rechaço a essa análise. Ou seja, nascerão, das políticas que a direita faz — como está fazendo no Brasil e na Argentina e fará na Venezuela e na Bolívia —, as razões mais profundas para ser de esquerda, que é defender um projeto social dentro do sistema capitalista que beneficie, através de governos de caráter progressista — que são odiados obviamente pelo neoliberalismo e pelas forças do capital financeiro — o chão fértil e, seguramente, resistente que irá para a ofensiva em várias circunstâncias.
Acredito, desse modo, que a global ofensiva sobre os lugares nos quais houve progressos do tipo socialdemocrata dará a base para elementos de resistência e que, portanto, estarão no centro e no coração dos interesses fundamentais da vida das pessoas. Por isso, creio que essa ideia de que a esquerda já está derivando para temas de outra natureza, como ecológicos e questões de gênero, verifica um fenômeno que é interessante, fecundo e bem vivo, mas deduz, equivocadamente, que isso é uma espécie de tipo do que sobrou para fazer, quando, na verdade, o que sobrou para ser feito é aquilo que será retirado através do modelo em curso, pela política geral e internacional, especialmente empurrada pelo capital financeiro.
IHU On-Line - Quais são os principais temas que devem estar no centro da ação da esquerda hoje?
Flavio Koutzii – São várias questões que precisam estar no centro. Uma delas é fazer uma reflexão autocrítica para valer, senão fica difícil fazer qualquer coisa. Não é problema do capitalismo em geral, mas do capitalismo tal como ele é atualmente, implacável, com necessidade de controlar toda a atividade financeira para potencializar a sua necessidade estratégica de ganhos inegociáveis e, por isso, subverter de novo a sociedade democrática e fazê-la recuar nos direitos e conquistas que havia obtido.
Então, fará parte dessa resistência, em primeiro lugar, a compreensão disso, a percepção mais nítida de onde é e em que circunstâncias fomos perdendo terreno e facilitando-o para o adversário e, até mesmo, tendo subestimado profundamente como vinha agindo essa reação conservadora.
Portanto, o futuro do campo progressista dependerá disto: da capacidade de autocrítica, de controlar as clássicas pretensões hegemônicas e entender a potência dos movimentos de rebeldia que estão postos por diferentes protagonistas e com diferentes eixos. E, com isso, construir uma frente mais ampla daqueles que, efetivamente, estão hoje muito mais sensíveis à necessidade de resistir a tudo que está acontecendo.
IHU On-Line - O que vislumbra em termos de futuro político para o Brasil a partir de agora?
Flavio Koutzii – Estamos mais ou menos no mesmo terreno. Estamos vivendo um período trágico, tivemos uma grande derrota, e o conteúdo trazido e que inspira um pouco os movimentos da direita é terrivelmente regressivo. A previsão para o Brasil do que virá dependerá muito da capacidade de resistir a essas novas caracterizações, que são totalmente óbvias, e, ao mesmo tempo, remobilizar os novos setores que terão perdas cruciais em suas vidas, para construir uma força social, horizontal e com muita profundidade social para resistir e começar a travar uma luta, que ainda vai demorar muito tempo.
A situação a que chegamos, portanto, é uma situação que não tem fórmulas simples ou simplórias, nem uma fórmula que possa antecipar um pouco os desdobramentos recém em curso na sociedade brasileira.
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“Nascerão, das políticas que a direita faz, as razões mais profundas para ser de esquerda”. Entrevista especial com Flavio Koutzii - Instituto Humanitas Unisinos - IHU