01 Setembro 2016
"Agora é o Mercado que conta. Quem quer saúde, que vá ao Mercado e pague. Quem quer estudar na universidade que vá ao Mercado e pague. Todas as coisas virarão mercadoria a serem vendidas e compradas. Compra-se dignidade? Compra-se solidariedade? Paga-se pelo amor? Não importa. São coisas que para eles não entram na contabilidade. Mas alguém pode viver e ser feliz sem tudo isso?", questiona Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor.
Eis o artigo.
E aconteceu, que naqueles dias, sicários se travestiram de senadores, em grande número, não todos, e decidiram atacar uma dama honrada e incorruptível que lhes cortava o atalho para chegarem ao poder de Estado. A partir do Estado iriam fazer o que sempre fizeram: aproveitar-se dos bens públicos para autoenriquecimento, escapar desesperadamente do braço da justiça e levar avante sua situação de privilégio, sempre à custa do povo pobre que eles querem manter longe, nas periferias, um exército de reserva, útil para seus serviços quase à moda de escravos.
Sangraram a dama incorruptível e honrada sob o pretexto de que práticas fiscais suas eram crime, coisa que os maiores especialistas em direito e economia, bem como instâncias oficias o negaram. Criaram uma farsa e rasgaram a constituição. Cassar uma presidenta sem crime comprovado, é um golpe. Golpe parlamentar, esta é a palavra certa que tem que ser usada.
Eles se mostravam faceiros, farsaicamente dizendo que se sentiam mal, mas falando que inauguravam uma “era uma nova primavera, o começo de um novo Brasil próspero e justo.” Mentira.
O plano “Uma Ponte para o Futuro”, na verdade, é uma ponte para o atraso porque tenta desmontar os avanços que os trabalhadores, as mulheres, os negros, os povos indígenas, a população LGBT, os pobres e feitos invisíveis alcançaram, pela primeira vez, em nossa história no âmbito da inclusão social, dos salários, da saúde, da educação, das leis trabalhistas, das aposentadorias e de acesso ao ensino técnico e superior. E o mais grave: querem mantê-los no analfabetismo porque assim ficam silenciados e incapazes de reclamar direitos e dignidade.
Agora é o Mercado que conta. Quem quer saúde, que vá ao Mercado e pague. Quem quer estudar na universidade que vá ao Mercado e pague. Todas as coisas virarão mercadoria a serem vendidas e compradas. Compra-se dignidade? Compra-se solidariedade? Paga-se pelo amor? Não importa. São coisas que para eles não entram na contabilidade. Mas alguém pode viver e ser feliz sem tudo isso?
Houve nos primórdios da conquista e dominação do México em 1520 “la noche triste”quando grande parte do exército espanhol foi dizimado. Hoje em 2016 temos “el dia triste” no qual uma presidenta foi injustamente apeada do poder, conquistado pelas urnas.
Pelos espaços do Senado e nos corredores há sangue derramado. Uma “noche política triste” caiu sobre o Brasil, tirando a esperança dos que saíram da miséria e que correm o risco de novamente cair nela.
E todos os que lutaram para que se consolidasse a democracia de cunho social e que se respeitasse a vontade popular, expressa nas urnas, foram novamente traídos. Este dia é o dia dos “longos punhais” que sangraram a dama honrada e feriram gravemente a soberania popular.
Hoje, 31 de agosto, é o dia da tristeza mas não do desalento. Os que tramaram esse teatro e os senadores-sicários levarão a pecha de golpistas e farsantes pela vida afora. A consciência os perseguirá e sua memoria será pulverizada. A vontade de condenar não substitui a razão que se orienta pela verdade. Eles atropelaram a verdade sob o mento da injustiça. Estarão numa sinistra companhia, a daqueles que, anos atrás, assaltaram o Estado, oprimiram o povo, torturam como a presidenta Dilma e assassinaram a tantos que buscavam a restauração da democracia.
E, no entardecer da vida, enfrentarão um Juiz maior que desvelará toda a injustiça que conscientemente cometeram.
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“El dia triste” do Brasil: o golpe parlamentar - Instituto Humanitas Unisinos - IHU