15 Mai 2015
“Um dos últimos testemunhos do grande evento conciliar que “atualizou” (ha “aggiornato”), para usar um vocábulo caro a São João XXIII, a Igreja católica, projetando-a em direção aos novos desafios da modernidade”.
É o retrato do cardeal jesuíta Roberto Tucci, delineado pelo coirmão Giovanni Sale no mais recente número de “Civiltà Cattolica” para recordar o purpurado falecido no passado dia 14 de abril.
A reportagem foi publicada por L'Osservatore Romano, 14-05-2015. A tradução é de Benno Dischinger.
A revista dedica uma dupla recordação àquele que dirigiu centenária revista dos jesuítas italianos de julho de 1959 até 1973: repercorre, num “necrológio”, a vivência humana e pública do padre Tucci, numa entrevista entregue ao padre Giovanni Sale em 2007 e que até agora permaneceu inédita.
Na introdução o entrevistador reconstrói brevemente o perfil biográfico do padre Tucci, o qual foi também diretor da Rádio Vaticana (1973-1985) e responsável pela organização das viagens pontifícias fora da Itália (de setembro de 1982 a 2001).
Mas ele se detém principalmente na direção do quinzenal dos jesuítas italianos, e em particular no período do Vaticano II, no qual Tucci colaborou como referente para os jornalistas de língua italiana do Departamento de Imprensa do Concílio, e como perito de nomeação pontifícia em diversas Comissões, tendo um papel significativo também na redação de alguns documentos.
Na entrevista o cardeal revela principalmente não ter “sabido da convocação do Concílio a não ser quando este foi anunciado oficialmente".
"A primeira vez que João XXIII começou a falar-me do Concílio – conta – tinha diante de si um dos volumes que continham os documentos produzidos pelas comissões preparatórias, e estava um pouco desiludido. Ele me fez entender que não era correto dizer que ele havia aprovado aqueles textos, porque lhe tinham sido levados quando já tinham sido impressos e, além disso, que com o envio dos textos aos bispos absolutamente não queria mortificar a liberdade do concílio. Fez a seguir críticas específicas: pegou e abriu um daqueles volumes e me fez ver que numa página havia bem 14 condenações.
“E então – disse -, não é este o estilo do concilio que eu pensei”.
Segundo o padre Tucci, de fato, o Vaticano II “realizou no fundo aquilo que o Papa disse no grande discurso de 11 de outubro de 1962, mas também – no que diz respeito à Gaudium et spes, a liberdade religiosa e o diálogo com as outras religiões – naquilo que havia pronunciado aos 11 de setembro, numa rádio mensagem transmitida pela Rádio Vaticana e que era fundado num duplo conceito relativo à Igreja que se forma ad intra, mas também ad extra”.
No colóquio entram também alguns protagonistas da assembleia conciliar, como Bea, Montini, Lercaro, Guano, Bartolucci, mas também teólogos como Pavan, Vagaggini e Bugnini.
Segundo Tucci, os membros da Cúria tinham “sido colhidos um pouco de surpresa. Pensaram que fosse uma cabeçada do Papa e que fosse preciso estar atentos”.
Com efeito, prossegue, “a Cúria queria governar, endereçar o concílio. Mas o Papa João conseguia, sempre com prudência e respeitando a todos, manter nas mãos a situação. Na última audiência, em fevereiro de 1963, ele me disse que praticamente os padres conciliares haviam entendido aquilo que ele queria do concílio e que tinha expressado, sobretudo no discurso fundamental Gaudet Mater Ecclesiae, do qual reivindicava a plena paternidade: “Farinha do meu saco”, disse ele. Entre setembro e dezembro daquele ano tinham ocorrido as intervenções de Lercaro, Suenens e Montini; o Papa comentou: “Finalmente entenderam; mas preferi que eles chegassem a isso sozinhos”. Em suma, Roncalli sabia que devia “agir com prudência”.
Amplo espaço, na entrevista, é reservado à relação entre o entrevistado e os escritores da “Civiltà Cattolica”, mas ainda mais importante é quanto ele refere sobre o papel da revista no concílio.
“O Papa – explica – solicitou subitamente que se fizesse como se tinha feito durante o Vaticano I, quando a Civiltà Cattolica era quase a fonte oficial das informações. Solicitou então ao padre Caprile que se ocupasse disso. Em consulta, todavia, fizeram muitas objeções. Aproveitei disso depois para dizer: “Senhores meus, me desagrada, mas as ordens do Papa são superiores às opiniões de vocês (disse mais ou menos assim). É preciso fazê-lo”. Assim, pois, se fez.
O Papa João queria, depois, ter sempre os fascículos encardernados; mandavam-lhe cada número com a crônica do concílio do padre Caprile, mas de vez em quando queria que se fizesse um pequeno volume com todos os extratos”. E não para corrigir ou censurar; ao contrário, “agradava-lhe ver as informações sobre a preparação do concílio”. A única coisa que lhe importava, acrescenta Tucci revelando uma pequena curiosidade, “era que aqueles fascículos não fossem em “casaco de pijama”, o que significava não encadernados em branco. “Quando estão encadernados em branco – me disse certa vez – não se lê bem a escrita que é dourada”.
Sobre suas relações com o Pontífice no período da direção da revista quinzenal, enfim, o jesuíta explica como na primeira audiência após a nomeação, João XXIII lhe disse claramente que se “o seu predecessor, Pio XII, tinha sido muito amigo dos jesuítas, e que havia uma tradicional colaboração com a revista”, agora, todavia, “o Papa devia estar atento. Depois acrescentou: “Também porque depois de muitas coisas não consigo clareza; não estarei em condições de dar um parecer sobre tantas questões”.
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Aqueles fascículos mal encadernados. No trigésimo dia da morte do cardeal Roberto Tucci - Instituto Humanitas Unisinos - IHU