Por: André | 11 Mai 2015
As repostas da Conferência Episcopal da Alemanha ao questionário pré-sinodal descrevem o que já se faz na Alemanha: comunhão aos divorciados recasados, tolerância das segundas núpcias, aprovação das uniões homossexuais.
Fonte: http://bit.ly/1PaMLbY |
A reportagem é de Sandro Magister e publicada por Chiesa, 06-05-2015. A tradução é de André Langer.
A julgar pela última produção da Conferência Episcopal da Alemanha, o Sínodo sobre a Família, programado para 04 a 25 de outubro, poderia revelar-se como um esforço inútil.
O cardeal Reinhard Marx (foto), arcebispo de Munique e presidente da Conferência Episcopal, fez sua divulgação no dia 25 de fevereiro passado com uma proposta que deu a volta ao mundo:
"Nós não somos uma filial de Roma. Cada Conferência Episcopal é responsável pelo cuidado pastoral na sua área e deve proclamar o Evangelho à sua própria maneira. Nós não podemos esperar por um Sínodo para dizer como devemos formar o nosso cuidado pastoral nos campos do casamento e da família".
Mas agora é a própria Conferência Episcopal da Alemanha que colocou preto no branco a mesma definição, naquela que é sua resposta oficial – depois de ter consultado o “povo de Deus” – ao questionário preparatório divulgado por Roma em vista da próxima sessão do sínodo.
Ao chegar à pergunta sobre “como promover a identificação de linhas de pastoral em nível das Igrejas particulares”, segue o que escrevem efetivamente os bispos alemães:
“Fazendo referência às diferenças sociais e culturais, parte das respostas propugna a busca de consensos regionais para a elaboração de diretrizes pastorais em nível da Igreja local. Como fundamento, também poderiam servir os processos de diálogo – em nível de diocese – sobre os temas do casamento e da família, cujos resultados poderiam ser, na sequência, discutidos com outras Igrejas particulares. A condição prévia para isso seria a aptidão e a disposição para o diálogo de todos os participantes.”
A formulação é um pouco complicada, mas os fatos falam por si. Em quase todas as dioceses da Alemanha já se dão a absolvição sacramental e a comunhão eucarística aos divorciados recasados, assim como já o havia dado a entender um documento anterior da Conferência Episcopal da Alemanha, aprovado em 24 de junho de 2014 e exibido calorosamente em Roma na sessão do Sínodo sobre a Família, que aconteceu durante o mês de outubro passado.
Pode-se ler na íntegra este documento na página da internet da Conferência Episcopal da Alemanha, não apenas no idioma alemão original, mas também em italiano, em inglês, em francês e em espanhol, o que mostra a vontade deste episcopado de dar lições a todo o mundo.
E a mesma astúcia multilíngue foi adotada para as respostas ao questionário pré-sinodal, publicadas nestes dias.
Na sequência, reproduzimos a parte do documento com as respostas ao questionário sobre os pontos mais controversos: divorciados recasados, matrimônios mistos, homossexuais.
Os bispos alemães não apenas aprovam que se dê a absolvição e a comunhão aos divorciados recasados, mas também aspiram a que se abençoe nas igrejas as segundas núpcias civis, que se dê a comunhão eucarística também aos cônjuges não católicos, que se reconheça a bondade das relações homossexuais e das uniões entre pessoas do mesmo sexo.
Eles escrevem que não pretendem minimamente colocar em discussão a doutrina da Igreja universal sobre o matrimônio e a família. Mas não explicam como conciliar essa doutrina “cum Petro e sub Petro” com as práticas pastorais colocadas em prática por eles na Alemanha.
Na opinião do cardeal Gerhard Müller, com efeito, essa conciliação é impossível. Mais ainda: “a ideia de que as conferências episcopais sejam um magistério além do Magistério, sem o Papa e sem a comunhão com todos os bispos, é uma ideia profundamente anticatólica que não respeita a catolicidade da Igreja”.
Müller é alemão, mas na Alemanha consideram-no mais “romano” que um romano, enquanto prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé.
Outro cardeal considerado mais romano que alemão é Paul Cordes, presidente emérito do Cor Unum. Também ele criticou os bispos que são seus conterrâneos, que pretendem dar lição ao mundo apesar de estar à frente de uma Igreja em ruínas, na qual numerosos sacerdotes não rezam nem se confessam, dois terços dos fiéis não creem na ressurreição de Jesus e apenas 16% dos católicos têm fé em um Deus que é pessoa e não uma entidade vaga.
Extratos das respostas dos bispos alemães ao questionário pré-sinodal
Os divorciados recasados
[Pergunta n. 37: “Como tornar mais acessíveis e ágeis, de preferência gratuitos, os procedimentos para o reconhecimento dos casos de nulidade?”]
[Pergunta n. 38: “A pastoral sacramental para com os divorciados recasados necessita de um novo aprofundamento, valorizando também a prática ortodoxa e tendo presente ‘a distinção entre a situação objetiva de pecado e as circunstâncias atenuantes’. Quais são as perspectivas nas quais se situar? Quais são os possíveis avanços? Quais são as sugestões que podemos fazer para remediar as formas de impedimentos não devidas ou desnecessárias?”]
A pergunta sobre a pastoral para os católicos divorciados e católicos casados novamente foi respondida por todos, e geralmente de forma detalhada. É um tema que preocupa a muitos fiéis, não somente àqueles cujo casamento fracassou. Não há dúvida de que este tema segue sendo um aspecto chave para a credibilidade da Igreja. Os fiéis abrigam grandes expectativas de que o Sínodo dos Bispos abra a este respeito novos caminhos na pastoral. Chama a atenção que as opiniões expressadas pelo povo de Deus não apontem ao chamamento de uma misericórdia indiferenciada, mas antes se baseiem em uma argumentação teológica diferenciada.
A ruptura de um casamento é um processo doloroso, cheio de sentimentos de culpa. Os fiéis esperam que a Igreja ajude e acompanhe as pessoas que sofreram essa experiência e não as marginalize. Esperam que sejam animadas a se envolverem ativamente na paróquia (ver Familiaris Consortio, n. 84). A partir desta perspectiva também se está analisando a possibilidade de permitir o acesso de católicos divorciados recasados à confissão e ao sacramento da comunhão. Os sacramentos são entendidos em primeiro lugar como meios de salvação, através do quais Cristo vem ao encontro do fraco e do pecador. A exclusão dos sacramentos, especialmente quando tem caráter definitivo, como no caso dos divorciados recasados, está, para a grande maioria dos católicos, em contradição com sua crença de que Deus perdoa todos os pecados, abre a porta ao arrependimento e oferece a oportunidade para recomeçar.
Quanto à recepção dos sacramentos, a maioria dos fiéis espera que não se façam exceções pastorais em segredo, mas que se chegue a soluções estruturais. Não se trata de uma aceitação indiscriminada, mas de um acesso aos sacramentos que dependa de certos critérios. São poucos os fiéis que rechaçam rotundamente o acesso de divorciados recasados à comunhão. Temem que isso ofusque o testemunho da Igreja a favor da indissolubilidade do matrimônio. A maioria dos fiéis não compartilha esse temor.
É por isso que a resolução do Conselho Permanente da Conferência Episcopal Alemã de 24 de junho de 2014 sobre “Caminhos teologicamente responsáveis e pastoralmente adequados para o acompanhamento pastoral de divorciados recasados” foi favoravelmente acolhido pelo povo de Deus. Em nossa resolução propusemos permitir o acesso dos divorciados recasados ao sacramento da penitência e à comunhão, se a vida comum no matrimônio reconhecido canonicamente fracassou definitivamente, se esclareceram as obrigações do primeiro matrimônio, há arrependimento por ter fracassado no primeiro matrimônio e vontade genuína de viver o segundo matrimônio na fé e educar os filhos de acordo com a fé.
Além disso, propõe-se analisar novamente o fracasso matrimonial do ponto de vista canônico, dogmático e pastoral, assim como desenvolver formas litúrgicas que permitam expressar a dor causada pela separação e o lamento pelas feridas ou humilhações sofridas, mas também anunciar a esperança de um novo começo perante Deus. Do ponto de vista da teologia sacramental, deve-se esclarecer a relação entre a fé e o sacramento do matrimônio.
Várias dioceses e associações pensam que seria oportuno considerar com maior atenção a prática da Igreja ortodoxa. Não se trataria apenas de uma mera adoção, mas antes da abertura de caminhos análogos na Igreja católica. Há aspectos que ainda precisam de um esclarecimento no plano teológico. Neste contexto, também se sugere refletir sobre a possibilidade da bênção de um segundo casamento (civil), a qual, não obstante, deveria diferenciar-se claramente da liturgia matrimonial sacramental.
Certamente seria positivo simplificar os procedimentos de anulação do matrimônio, em especial agilizar os processos e reduzir os custos (em especial dos ditames). Alguns especialistas sugerem renunciar à análise geral por uma segunda instância, já que esta de modo geral confirma o veredicto da primeira instância, e que a sentença em primeira instância seja ditada por um colégio de juízes e não por um único magistrado. Igualmente, se deveria refletir se a presunção legal no contexto do direito matrimonial não precisaria ser reconsiderada.
No entanto, a simplificação de um procedimento não significa ter encontrado uma solução geral para o problema. Comparado à grande quantidade de pessoas afetadas, o número de pessoas que realmente inicia este procedimento é muito pequeno. É pouco provável que esse número aumente com a simplificação do procedimento. Além disso, o fato de simplificar o processo de anulação não deveria ser interpretado como um distanciamento da doutrina da indissolubilidade do matrimônio. Por esta razão, não se deveria dar muita importância a essas medidas.
Casamentos mistos
[Pergunta n. 39: “As normas em vigor atualmente permitem dar respostas válidas para os desafios colocados pelos casamentos mistos e pelos casamentos interconfessionais? Deve-se ter em conta outros elementos?”]
Em mais de 40% dos casamentos sacramentais nos quais um dos cônjuges é católico, o outro cônjuge pertence a uma outra confissão cristã, de modo geral a evangélica. Além disso, está aumentando o número de casamentos entre um católico e um cônjuge sem confissão. Assim, pois, aprecia-se um grande interesse em responder à pergunta sobre o acompanhamento pastoral.
Os fiéis esperam que a Igreja também apóie a vida matrimonial e familiar de cônjuges de outra confissão (de acordo com o cânon 1128 do CIC) e que o cônjuge não católico seja convidado a participar da vida eclesial. No entanto, a decisão sobre a organização da fé na família deveria ser decidida pelos cônjuges.
As respostas referentes ao possível acesso de cônjuges não católicos (principalmente evangélicos) à comunhão sacramental ocupam grande espaço. O fato de excluir da comunhão o membro de outra confissão é visto como obstáculo para a educação cristã dos filhos e para a vida de fé na família. Do ponto de vista teológico, destaca-se que a exortação apostólica Familiaris Consortio (1981) valoriza claramente os casamentos interconfessionais (n. 78), e ao mesmo tempo destaca a importância da Eucaristia como “fonte do casamento cristão” (n. 57). Em relação ao fortalecimento do matrimônio sacramental, e considerando a educação cristã dos filhos, é preciso perguntar-se de que maneira pode o cônjuge não católico participar da vida eclesial e em que condições poderia também ter acesso à comunhão. Por acaso, não sentem os casamentos interconfessionais, unidos pelo duplo sacramento do batismo e do matrimônio, uma profunda necessidade espiritual, que deveria, em casos individuais, justificar o acesso do cônjuge não católico à comunhão (Ver o cânon 844 § 4 CIC; encíclica Ut unum Sint de 1995, n. 46; encíclica Ecclesia de Eucharistia de 2002, n. 45 e 46)?
Homossexuais
[Pergunta n. 40: “De que modo as comunidades cristãs dirigem sua atenção pastoral às famílias que têm em seu interior pessoas com tendências homossexuais? Evitando toda discriminação injusta, de que modo é possível cuidar, à luz do Evangelho, das pessoas em tais situações? Como propor-lhes as exigências da vontade de Deus sobre sua situação?”]
Na Alemanha, os casais homossexuais têm uma condição jurídica diferente do casamento (“união civil registrada”). Seu reconhecimento é fruto de um consenso social amplo que também conta com o apoio da maioria dos católicos, como demonstram as respostas do primeiro questionário para a preparação do Sínodo Extraordinário.
Em geral, os fiéis esperam que cada pessoa, independentemente da sua orientação sexual, seja aceita tanto na Igreja como na sociedade, e que nas paróquias se promova um ambiente de respeito para com todos os seres humanos. Em quase todas as respostas apóia-se o ponto de vista, defendido pelas ciências humanas (medicina, psicologia), segundo o qual a orientação sexual é uma disposição inalterável e não escolhida pelo indivíduo. Por isso, o fato de que se fale de “tendência homossexual” no questionário provocou irritou e foi percebido como uma expressão discriminatória.
Apenas poucas pessoas rechaçam por princípio as relações homossexuais, qualificando-as como pecaminosas. A grande maioria espera da Igreja uma valorização teológica da moral mais diferenciada, que considere as experiências pastorais e os estudos científico-humanistas. A maioria dos católicos aceita as relações homossexuais quando os casais vivem valores como o amor, a lealdade, a responsabilidade mútua e a confiança, sem ânimo de equiparar as uniões homossexuais ao vínculo matrimonial. Trata-se de demonstrar respeito, destacando ao mesmo tempo as diferenças. Há vozes que favorecem uma bênção destas uniões, a qual, de todos os modos, deveria ser diferente da bênção do matrimônio tradicional.
Uma pastoral que aceite as pessoas homossexuais precisa de um desenvolvimento posterior da moral sexual eclesiástica, que incorpore o conhecimento das ciências humanas, da antropologia, da exegese e da teologia moral mais recente.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Sínodo. Os bispos alemães põem o carro na frente dos bois - Instituto Humanitas Unisinos - IHU