18 Mai 2013
O padre jesuíta Paolo Dall’Oglio (foto)é um revolucionário. Depois de ter trabalhado na Síria durante 30 anos em prol do diálogo islâmico-cristão, ele apoiou e defendeu a oposição síria. Expulso pelo regime de Bachar al-Assad em 2012, ele publica, no exílio, La rage et la lumière (com a colaboração de Églantine Gabaix-Hialé, ed. de l'Atelier, 196 páginas) um livro-depoimento sobre sua vida e sua análise do conflito sírio vivido de dentro.
A entrevista é de Henrik Lindell e publicada pela revista La Vie, 07-05-2013. A tradução é de Vanise Dresch, 07-05-2013.
Eis a entrevista.
Todas as notícias sobre a Síria são ruins. Como padre e homem engajado na oposição, o senhor vê razões para ter esperança?
Sim. O povo sírio disse definitivamente não ao regime torturador, bárbaro e mafioso de Bachar al-Assad. O povo rejeitou a duplicidade política e a manipulação da informação. Mas está pagando caro por essa recusa. Após dois anos de tragédia, percebemos mais do que antes que algo mais global está acontecendo. Na Síria, vemos simultaneamente agir a América pós-Bush, o neo-sovietismo, as tensões assassinas entre sunitas e xiitas, a confessionalização de toda a região, a paralisia europeia por razões internas à Europa. E como tantas outras sociedades árabes, perguntamo-nos qual poderia ser a compatibilidade entre uma política islamita e uma democracia madura e pluralista.
Mesmo que tudo ande mal, podemos esperar porque o povo resiste?
Sim, porque sabemos que é necessário derrubar o regime. A esperança se expressa dessa forma. Enfrentamos também a necessidade de trabalhar diplomaticamente para a reconciliação entre os sunitas e os xiitas, a necessidade de trabalhar para a paz internacional com a Rússia. A Síria poderia vir a ser amanhã um lugar de conversão à transparência, ao respeito pela autodeterminação e à colaboração mediterrânea.
Em seu livro, o senhor sugere que a guerra civil na Síria desempenha o papel de um conflito- testemunha, mesmo na Europa. Quando falamos dele, “falamos de nós mesmos”, diz o senhor. Por quê?
Há uma grande questão: qual papel deve ser atribuído à comunidade muçulmana? O que fazemos para que os muçulmanos possam participar da democratização do mundo, da organização da paz mundial, dos reequilíbrios demográficos, econômicos e ambientais do mundo? Ou será que queremos fazer a democracia contra o Islã? O meio ambiente contra o Islã? A organização política do mundo contra o Islã ou apesar do Islã? Isso seria uma ilusão.
O senhor milita pela e na oposição síria. Como, na condição de padre, o senhor pode defender a escolha das armas?
Trabalhei durante quinze anos para a emergência de uma sociedade civil na Síria e para uma mutação democrática madura e pacífica. Mas fracassei. A Europa e toda a comunidade internacional, que tanto esperaram uma evolução pacífica na Síria, fracassaram. Foram os nossos jovens sírios, muçulmanos e cristãos, que foram para as ruas. Impuseram a revolução. Disseram: basta! No início, na primavera de 2011, reivindicavam simplesmente a liberdade de opinião e de expressão. Não pediam o fim do regime, mas uma abertura coerente. Porém, quando manifestantes foram mortos e sistematicamente torturados nas prisões, a necessidade da revolução e de tomar as armas se impôs. De fato, não há alternativa.
Nem todos os cristãos, inclusive jesuítas, compartilham de sua análise da situação. Não acreditam na resistência armada, mas numa solução negociada.
Não podemos esquecer que muitos cristãos devem se expressar prudentemente, pois vivem sempre sob a tutela do regime. No que se refere à solução política, concordo em dizer que devemos sempre buscá-la, propondo saídas. Mas quando alguém é atacado, bombardeado, sem a possibilidade de fugir, também pode tentar salvar-se fisicamente do regime, defendendo-se com as armas. Não?
É possível dialogar com Bachar al-Assad?
Você estaria disposto a conversar com Hitler em 1944? Não penso que possamos discutir sobre o seu “direito” de matar, de discriminar e de considerar um povo como escravo.
Mas, ao mesmo tempo, o senhor diz que é preciso dialogar com combatentes da al-Qaeda, que também cometem crimes.
Vamos nos entender. Sim, eu converso com combatentes da al-Qaeda, assim como converso com carrascos de Bachar al-Assad. Penso que podemos conversar com Satã em pessoa! Mas em que base? Não se deve conceder nenhum poder a Satã. Se quisermos encontrar uma saída para Bachar al-Assad, sua esposa e seus filhos, a discussão é possível. Se for o caso de salvar a pele dos 20.000 cúmplices diretos da máfia familiar de Bachar al-Assad, podemos conversar. E se quisermos salvar a população alauíta do risco de vingança do outro lado, também é necessário conversar.
O senhor nasceu na Itália. Quando jovem, o senhor já era politicamente engajado, no caso, na esquerda. Em dado momento, o senhor disse não às armas...
Sim, quando os membros das Brigadas Vermelhas escolheram a ditadura do proletariado, eu escolhi a democracia. Foi uma separação ideológica fundamental. Na Síria, participei da criação de uma ONG: Relief and Reconciliation for Syria. A missão dessa ONG é tirar da violência, salvar nossas crianças da engrenagem da violência e tratar os torturadores sádicos que se engajaram no regime. Eu acredito nessa força reversível. Nada é estático quando se trata de seres humanos.
O senhor viveu 32 anos na Síria. O senhor se tornou sírio?
Sou um cidadão do mundo com uma especificidade síria e origens italianas. O que é a nação? Não é a raça. É uma aventura cultural. A nação está na convivência cultural, na empatia e no engajamento. Neste sentido, sim, sou sírio.
A oposição síria foi em parte tomada por certo djihadismo. Que olhar se deve ter sobre esse fenômeno?
É preciso primeiramente rever o uso dos termos escolhidos para entender esse fenômeno. O djihadismo é o fato de tomar as armas para restabelecer a justiça. É a guerra santa islamita. Existem islamitas democratas e djihadistas democratas, assim como há djihadistas extremistas, radicais, clandestinos, criminosos, que mantêm relações com os serviços secretos sírios e as máfias dos narcotraficantes. É, portanto, algo complexo.
Mas o que fazer pelos jovens que adotam essa causa violenta?
É preciso distinguir primeiramente entre a pessoa humana e seu comportamento criminoso dentro de um grupo criminoso. Talvez não seja uma boa ideia matá-los com aviões e matar simultaneamente famílias inteiras. Tem-se às vezes a impressão de que os muçulmanos são insetos: contra eles, podem-se utilizar inseticidas de forma maciça. Precisamos condenar a violência, concordo. Mas também precisamos compreender as razões sociais, culturais, históricas, do surgimento de um fenômeno criminoso para tentarmos secar a fonte desses grupos e reeducar o maior número de criminosos possível.
O senhor conhece combatentes da al-Qaeda. O que o senhor assimila dessas trocas com eles?
Lembro que são irmãos e irmãs que fazem parte da humanidade. Nas minhas conversas com eles, reconheci homens e mulheres que têm uma paixão religiosa, um sentimento religioso que eu compartilho. São pessoas enfurecidas, mas ávidas de justiça. Sentem-se coletivamente perseguidos, atacados e negados. Assim, seguem uma psicologia de hiper-reatividade vitimária, que os leva a cometerem crimes. No plano conceitual, adotam uma atitude simplista que consiste em juntar os cristãos do Oriente e o Ocidente imperialista. Eles veem aí um só e único inimigo. Eles globalizam. Também juraram obediência a direções secretas e adotaram um funcionamento sectário. São, portanto, suscetíveis de manipulação para programas obscuros.
Qual é a sua atitude em relação à mistura entre religião e política que encontramos em todas as formas do islamismo, mesmo naquelas que são democráticas?
Eu diria que há um mal-entendido na sua pergunta. Desde o começo da História, não se consegue distinguir entre cultura e religião. É impossível. A coisa pública é também a coisa cultural. A religião, portanto, está envolvida. A distinção entre cultura – ou política – e religião é um artifício cultural que encontramos principalmente na França, com a laicidade. Distinguir política e religião é um ato religioso e político. Existe uma unidade fundamental entre religião e política. Mas não devemos misturar com o islamismo radical, clandestino, “terrorista”, que não é compatível com o essencial dos direitos humanos, e não é majoritário na Síria.
No seu livro, o senhor defende a democracia e critica muitas vezes as instituições religiosas, inclusive a sua própria Igreja. O senhor traça até mesmo alguns paralelos entre a ditadura e a Igreja católica...
Sim, e acrescento que há corrupção política, sexual, que se esconde detrás da submissão ao poder. Isso faz parte de um sistema de cooptação por submissão a um sistema autoritário.
Então, é preciso fazer a revolução no seio da Igreja também?
Desde sempre!
A questão síria interessa muito aos cristãos franceses. O que o senhor lhes diria?
Os católicos sírios são uma minoria da minoria. São minoritários em relação aos ortodoxos. São minoritários com outras minorias muçulmanas, enquanto a maioria é sunita. Digo aos meus irmãos e irmãs católicos franceses que não se pode pedir para um regime torturador nos proteger contra uma maioria do povo. Estaríamos nos condenando a renunciar ao nosso direito à democracia. Exceto se escolhermos uma solução à moda iraquiana, deixando uma parte do país para nos refugiarmos numa outra (“acantonar-se”).
Na condição de católicos, também temos capacidade de criar relações com o Ocidente. Desde o concílio Vaticano II, temos uma compreensão positiva do viver-juntos com as outras religiões. Podemos propor isso aos outros cristãos semeados na sociedade muçulmana.
Na Síria de amanhã, o islã poderia desempenhar um papel mais importante que hoje...
Sim, mas não é a laicidade antirreligiosa que nos protegeria do islã! Os muçulmanos precisam decidir por eles mesmos. Isso não pode ser uma escolha imposta de fora. Se uma separação entre Estado e religião for desejável, a escolha deve ser feita pelos muçulmanos.
O senhor foi expulso pelo regime. Muitos representantes de sua Igreja se distanciaram do senhor. O senhor se sente rejeitado?
Sou rejeitado pelo regime sírio e pelos islamofóbicos cristãos. Quando eu aposto na evolução do islã, vou de encontro à percepção que muitas pessoas têm dos muçulmanos.
Qual é a sua situação atualmente na Igreja católica?
Sou um peregrino. Sou marginalizado por ter tomado a palavra. Tento seguir minha trilha de fidelidade ao Evangelho.
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Paolo Dall’Oglio, um padre engajado pela revolução na Síria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU