08 Novembro 2019
A fé nos dá uma certeza: a morte será superada. A morte não é e não tem a última palavra.
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 32º Domingo do Tempo Comum - Ciclo C. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Deus não nos criou em vão: ele é o Deus da vida, somente da vida: “Amais todos os seres (...), Senhor amigo da vida (...), pois teu sopro incorruptível está em tudo”, diz o Livro da Sabedoria (11,23-12,1). A Escritura tem seu cume no anúncio da ressurreição de Cristo, penhor de nossa própria ressurreição. Mas, se isso é certo, tudo se complica quando se trata de representar o universo da ressurreição, “o novo céu e a nova terra” de que fala, entre outros livros, o Apocalipse.
A isso se acrescenta a questão de 1Cor 15,35: “Como é que os mortos vão ressuscitar? Com que corpo virão?” Para esta pergunta não temos uma resposta exata. Paulo fala da diferença entre o grão semeado na terra (nosso estado atual) e a planta adulta. Contenta-se, com efeito, em afirmar que existe uma enorme diferença e prossegue opondo “corpo que vem da terra” (e que a ela retorna) a “corpo que vem do céu”, “corpo espiritual”.
Deste universo bem como deste corpo não temos nenhuma experiência, nenhuma imagem. Conforme 1Jo 3,2, “o que seremos ainda não se manifestou”.
A primeira leitura nos remete aos livros do Antigo Testamento que mais claramente afirmam a fé na ressurreição. Há no texto uma progressão: o primeiro irmão limita-se a confirmar sua decisão de morrer antes que transgredir a Lei. Isso nos deixa insatisfeitos, já que tudo termina aqui na morte injustamente infligida.
O segundo já vai mais longe, abrindo a perspectiva da ressurreição, sem, contudo, dizer em que consiste.
Um passo a mais é dado pelo terceiro irmão que fala de sua esperança em recuperar os membros que lhe arrancara o carrasco.
Chegamos assim à “ressurreição da carne”, ao cerne de nossa fé. Eis-nos, porém, de novo ante a questão sem resposta ‘como é o corpo da ressurreição’? Para preencher este vazio não podemos menos que recorrer à imaginação. É o que fazem os saduceus que interrogam a Jesus, representando a vida ressuscitada à imagem de nossa vida atual. Todas essas imagens são úteis, desde que entendidas pelo que são, ou seja, imagens apenas para dizer o que é, de si mesmo, indizível. Tomadas ao pé da letra, tornarão inacreditável a Boa Nova da ressurreição.
Ela nos diz que não há termo de comparação entre o nosso universo e o universo da ressurreição. Permanece, é certo, a nossa identidade. Mas, numa forma corporal inimaginável para nós que, evidentemente, só conhecemos uma. ‘Semelhantes aos anjos’? Sem dúvida. Mas, quem já viu um anjo?
Uma coisa é certa: tudo quanto, de um modo ou de outro, está ligado à morte, desapareceu. Ora, a sexualidade, tal qual vivida em nosso universo, tem qualquer coisa a ver com a morte para a qual, em parte, é remédio. A psicologia moderna freqüentemente o tem evidenciado. Sexualidade, evidentemente, diz vida, mas vida no seio da morte, carregando esta sua marca. Não penso que a resposta de Cristo anule nossas relações atuais e embote nossa memória. Pelo contrário. Mas tudo assume uma nova forma: tudo o que vem à luz torna-se luz (Ef 5,13).
A afirmação central é que tudo é salvo: nossa vida, nosso corpo, nossa história. Pois Deus é o Deus dos vivos. Somos todos vivos para sempre, diante d'Ele (v. 38). Esta é a fonte do “reconforto” e da “alegre esperança” de que nos fala a segunda leitura.
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O universo da ressurreição - Instituto Humanitas Unisinos - IHU