27 Setembro 2019
Amós reitera sua crítica aos ricos e poderosos da Samaria. O Salmo declina as ações libertadoras e protetivas de Deus, anunciando a missão de Jesus. E este confirma que «Moisés e os profetas» pregam a compaixão para com os pobres e com todos os que sofrem. Num prolongamento do evangelho do domingo passado, o evangelho de hoje, da mesma forma do Magnificat, nos fala de um rico que está com as mãos vazias... Não são os ricos, mas os pobres que são os privilegiados do Reino
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando o evangelho do 26º Domingo do Tempo Comum - Ciclo C (29 de setembro de 2019). A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
1ª leitura: “O bando dos gozadores será desfeito” (Amós 6,1.4-7)
Salmo: Sl. 145(146) - R/ Bendize, minha alma, e louva ao Senhor!
2ª leitura: “Guarda o teu mandato (...) até a Manifestação gloriosa do nosso Senhor” (1 Timóteo 6, 11-16)
Evangelho: “Tu recebeste teus bens durante a vida e Lázaro, os males; agora, ele encontra aqui consolo e tu és atormentado” (Lucas 16, 19-31)
Devemos notar imediatamente que este homem rico não tem nome: é um senhor não importa quem seja. Não está dito que suas riquezas tenham sido mal adquiridas; é honesto, sem dúvida, mas não é isto o que importa. É definido somente por sua riqueza: e também pelo uso que faz dela. O evangelho é mais discreto do que o texto de Amós (1ª leitura), mas o esquema é o mesmo: os ricos, consumidores vorazes, não se preocupam com o "desastre de Israel". A sociedade tem duas velocidades. Por certo, se pode dizer que estes consumidores não chegam de fato a serem nocivos, pois fazem "o comércio se aquecer", contribuem com a rentabilidade das empresas produtivas e, portanto, com o emprego, com a luta contra a pobreza etc. Só que este ponto de vista estatístico-sociológico não é o das Escrituras: está interessado somente com o funcionamento dum aparelho por assim dizer mecânico, abstrato, ignorando o essencial: as relações entre as pessoas.
Se o rico é anônimo, Lázaro tem um nome. Nome este que o rico só irá descobrir uma vez transposto o umbral da verdade, quando todas as coisas aparecerão à luz (versículo 24). Ele, então, que jamais se inquietara com as necessidades do pobre, de repente descobre que é ele mesmo, o rico, que tem necessidade do socorro de Lázaro: "Manda Lázaro molhar a ponta do dedo para me refrescar a língua", a mesma língua que nunca soube encontrar palavras para falar com o pobre; menos compassiva do que a dos cães (v. 24 e 21).
A palavra "pai"; é empregada duas vezes referindo-se a Abraão; duas vezes também, a palavra "seio", termo que remete à origem, à generosidade absoluta que é Deus. Esta generosidade é a que faz existir seja Lázaro seja o rico, chamado de "Filho"; no versículo 25. O rico não soube tornar seu este amor, amor que o teria construído à imagem de Deus. E, em suma, não existe (ser criado e ser imagem de Deus andam juntos) e é por isso que ele não tem nome. Mas, dirá alguém, Jesus não fala em "seio de Deus" e sim, em "seio de Abraão".
Pode-se identificar Abraão a Deus? De certo modo sim, porque se é Deus quem Envia a Palavra, Abraão, a quem as Escrituras chamam de "Pai dos crentes" (João 8,39-40; Romanos 4,16-22), é quem a recebe (João 10,34-35). E recebendo-a, ele a faz sua. Isto nos convida a descobrir nesta Parábola uma ligação estreita entre o cuidado com os outros e a fé. O que se confirma pela última linha: "Se não escutam (escutar: acolher a Palavra) a Moisés nem aos profetas, eles não acreditarão, mesmo que alguém ressuscite dos mortos". Quem não crê no amor que nos funda não tem nada a esperar.
Este rico verifica a palavra de Paulo em 1 Coríntios 15,32: "Se os mortos não ressuscitam, comamos e bebamos, pois amanhã morreremos". É a fé, somente a fé, que pode se tornar ativa através da caridade (Gálatas 5,6).
O rico teria se tornado semelhante ao Pai se tivesse sabido, ou podido, adotar para com Lázaro uma atitude paternal, quer dizer, criadora de vida. Por meio disto, teria se situado no seio, ou seja, na intimidade do Pai. O que fez ele de mal, materialmente? Nada! Somente ignorou, ou quis ignorar, a existência de Lázaro. E isto criou um fosso entre os dois homens, um "enorme abismo"; entre eles. E este abismo, terrestre a princípio, se revelará escavado enfim por toda a eternidade.
A "fratura social" se inverte: desfavorecido enquanto esteve estendido “no chão à porta do rico”, que sempre se manteve todo satisfeito, encontra-se satisfeito agora aquele primeiro, e todo carente o rico. O rico, que seja enterrado, mas os anjos carregam o pobre para o seio de Abraão. E o que fez Lázaro para merecer tudo isto? Nada! Perto disso, e é capital, sempre esteve habitado por uma necessidade geradora de um desejo: "Ele queria matar a fome com as sobras que caíam da mesa do rico".
Ópio do povo? Consolação para manter os pobres na passividade? Certamente não, mas afirmação de que "quem não tem mais nada a desejar" não tem mais nada a esperar. Só quem deseja é um homem a caminho para o lugar eterno, mesmo se às vezes o seu desejo se engane. Como diz Santo Agostinho: "Teu desejo é a tua oração: se o desejo é contínuo, também a oração é contínua". Para resumir: temos um rico, que se fecha em seu bem-estar, em seu conforto, e não ajuda o pobre; temos um pobre que em vão deseja o alimento. Está faltando um terceiro homem: este que vai ressuscitar dos mortos (v. 31) e que se dará a si mesmo em alimento.
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Para com os pobres, justiça e compaixão! - Instituto Humanitas Unisinos - IHU