17 Março 2017
O contexto de fundo do evangelho de hoje nos apresenta de forma encantadora, sob as imagens da água viva e dos campos dourados para a colheita, um grande conteúdo teológico. A Misericórdia que se manifesta, não somente em relação à Samaritana, mas a todos nós: «A prova de que Deus nos ama é que Cristo morreu por nós ainda enquanto éramos pecadores».
A reflexão é de Marcel Domergue (+1922-2015), sacerdote jesuíta francês, publicada no sítio Croire, comentando as leituras do 3º Domingo da Quaresma, do Ciclo A. A tradução é de Francisco O. Lara, João Bosco Lara e José J. Lara.
Eis o texto.
Referências bíblicas
1ª leitura: “Ferirás a pedra e dela sairá água para o povo beber” (Êxodo 17,3-7)
Salmo: Sl. 94(95) - R/ Hoje, não fecheis o vosso coração, mas ouvi a voz do Senhor!
2ª leitura: “O amor de Deus foi derramado em nossos corações pelo Espírito Santo que nos foi dado” (Rm 5,1-2.5-8)
Evangelho: “Uma fonte de água que jorra para a vida eterna” (João 4,5-42 ou 5-15.19-26.39-42)
Um encontro inesperado
Depois da morte de Salomão, dez das doze tribos de Israel tinham-se dividido, instalando-se na Samaria, ao norte de Jerusalém. Daí em diante, a palavra «Judeu» iria designar somente a tribo de Judá e parte da tribo sacerdotal de Levi, instaladas na Judeia, ou seja, no entorno de Jerusalém.
A Galileia, situada bem mais ao norte e para além da Samaria, dependia de Jerusalém. Havia separação e hostilidade entre Judeus e Samaritanos. E eis que Jesus dá início a uma reconciliação (no final do evangelho), mas deixando de fora o tema da importância de Jerusalém e a «deste monte» (o Monte Garizim, onde os Samaritanos haviam construído um templo rival ao de Jerusalém).
Daí em diante, o lugar não conta mais. Deus está em toda parte, porque é a fonte e o destino final de tudo o que existe. São, enfim, homens e mulheres a residência divina, na medida em que aceitam religar-se com os outros. Este é o contexto do encontro de Jesus com a Samaritana, esta mulher que representa de certo modo todo o seu povo.
Quando veio ao poço buscar água, não sabia o que a esperava. Veio, no entanto, ao encontro do sétimo homem da sua vida. Sete, o número perfeito, do homem do fim, do «último Adão», como dirá Paulo em 1 Coríntios 15,45. Mas a mulher não irá guardar este homem só para si, ele que foi o único a vir ao seu encontro.
Vai imediatamente falar dele junto aos seus compatriotas. É que, agora, a Samaritana passa a ter outro tipo de relação com o homem: trata-se de dar, como sempre, mas, agora, dum outro modo. Notemos que veio até ao poço, animada unicamente pelo desejo de tirar água. É o que muitas vezes acontece em nossos encontros com o Cristo: Ele vem nos encontrar de imprevisto. Daí a necessidade de permanecermos sempre abertos.
Noutro lugar e de outra maneira
Ante tudo o que faz a vida da Samaritana, tudo o que acontece em inúmeras leituras bíblicas, gostaríamos muito de «erguer tendas», instalando-nos bem no cume, onde brilha a luz. Mas não: será preciso descer. E, então, veremos «somente Jesus», o Jesus de todos os dias. No horizonte, está Jerusalém.
Assim como no Batismo, que já é figura da Paixão (Lucas 12,50), uma voz vinda do alto vem certificar que Jesus, não obstante tudo o que lhe possa acontecer, é o Filho amado e que é preciso segui-lo aonde quer que vá. Os três discípulos, testemunhas da Transfiguração, também estarão presentes no Getsêmani. Mas aí não haverá nem Moisés nem profeta nem a voz vinda do Céu.
Somente a solidão! A solidão de quem tem presentes em si mesmo a todos nós e que está prestes a recuperar a sua condição divina. Nele, tudo o que havia na primeira Aliança se mantém, junto com tudo o que a Nova irá abrigar. Também a nossa vida é aqui levada em conta, para, depois, ser superada e ultrapassada.
A Samaritana veio buscar água; Jesus também. Mas eis que a água que estanca a nossa sede vai-se transpor para uma nova água. Para que sede, esta nova água? Para que sede, tantas vezes ignorada? A relação desta mulher com o homem, com os homens de modo geral, assume com este Homem uma forma inesperada, e nova também ela.
No universo religioso dos Judeus e dos Samaritanos, havia lugares privilegiados para o encontro com Deus: o templo de Jerusalém e o do monte Garizim. Pois, é chegada a hora em que o lugar do encontro com Deus será o espírito mesmo do homem. A figura do Cristo, na época, era objeto de uma espera incessantemente reconduzida a um futuro mítico.
E, no entanto, eis que Ele está aqui e que fala com esta mulher estrangeira! E o alimento, que ocupa um lugar tão importante na Bíblia, desde o Gênesis até ao Apocalipse com o banquete das núpcias do Cordeiro? Pois, eis que Jesus anuncia justamente um novo tipo de alimento. Um alimento estranho, o qual não se trata mais de absorver, mas, ao contrário, de dar: «O meu alimento é fazer a vontade daquele que me enviou».
Uma água nova, que não vem do exterior e que não precisa ser tirada do poço, mas que jorra de cada um para a vida eterna; um homem definitivo, que não será mais substituído; os lugares de culto que desaparecem do mapa; um alimento que não mais entra em nós, mas que sai de nós. Assim, passamos a um mundo novo, a uma vida nova. A vontade do Pai, que o Cristo irá cumprir, será o dom da sua vida na Cruz: «Tomai e comei, isto é o meu corpo entregue por vós. Tomai e bebei». Devemos fazer o mesmo, em sua memória.
Samaritana: história de uma sede
"Senhor, dá-me sempre dessa água!"
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Sede de água viva - Instituto Humanitas Unisinos - IHU