23 Novembro 2018
A semelhança não torna duas coisas iguais. Mas, dito isso, a Reforma Gregoriana oferece várias chaves para entender e lidar com a atual crise que a Igreja está experimentando.
A reportagem é de Julien Tranié, publicada em La Croix International, 22-11-2018. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Este período-chave na história de 2.000 anos da Igreja, de fato, abrange muito mais do que o pontificado do Papa Gregório VII (1073-1085).
Em uma entrevista à revista alemã Vatican Magazin, o cardeal Walter Brandmüller, um dos quatro cardeais que assinaram as “dubia” contestando as conclusões do Papa Francisco sobre a família, escreveu recentemente que a atual situação na Igreja é “comparável à dos séculos XI e XII”.
Ele explica que o poder eclesiástico era ocupado então por um pequeno grupo de leigos ricos e poderosos, que permitiram que uma moral dissoluta se espalhasse entre o clero, dificultando que a Igreja pregasse genuinamente o Evangelho.
Com efeito, houve duas práticas que tiveram um grande impacto sobre o poder da Igreja, a saber, a simonia e o nicolaísmo, ambas proibidas durante o reinado do Papa Leão IX (1049-1054).
A simonia refere-se a ser capaz de comprar cargos eclesiásticos ou sacramentos, enquanto o nicolaísmo refere-se ao casamento ou ao concubinato de padres, que era autorizado fora das grandes ordens durante toda a primeira parte da Idade Média.
Essas duas práticas acabaram levando à concentração de grande poder nas mãos dos leigos. De um lado, os padres que se casavam levavam ao nascimento de herdeiros, que depois reivindicavam sua herança a partir da propriedade de seu pai.
Por outro lado, a simonia permitiu que famílias ricas comprassem um certo número de altos cargos eclesiásticos e, assim, exercessem uma influência sobre a Igreja.
“A questão do papel dos leigos na Igreja, de fato, é o denominador comum dos séculos XI e XXI”, disse a professora de história medieval Valérie Theis.
Isso porque, embora a Igreja tenha banido o casamento clerical, isso foi feito principalmente para eliminar os leigos das posições de poder na Igreja, e não por preocupações morais.
A supressão do nicolaísmo e a decisão do Papa Gregório de aplicar essa decisão estritamente também demoraram um certo tempo para serem implementadas e levaram a uma forte resistência.
“Em Paris, o clero declarou que as ordens do papa eram absurdas, e que o povo não podia cumpri-las”, disse Theis, confirmando que a Reforma Gregoriana foi uma revolução genuína e dolorosa.
Estamos experimentando agora uma Contrarreforma Gregoriana no pontificado do Papa Francisco?
“É verdade que, ao falar do clericalismo como um mal na Igreja, o papa está desafiando uma forma de governo que tem sido imposta na Igreja há 1.000 anos, em outras palavras, como uma instituição dirigida pelo clero”, argumenta Theis.
Mas indo além dessa comparação, Theis também destaca uma característica comum da Igreja medieval que poderia inspirar positivamente o papa, a saber, a adaptabilidade.
Com efeito, disse Theis, a Reforma Gregoriana ilustra a grande flexibilidade da Igreja em entender como manter sua influência.
“Durante a Idade Média, a Igreja nunca parou de se reinventar e de mudar as regras para se adaptar à realidade social”, disse.
“Foi isso que sempre lhe deu força, mas é o que parece estar faltando hoje”, concluiu Theis.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O papel dos leigos e a relação com o clero na Igreja hoje - Instituto Humanitas Unisinos - IHU