06 Fevereiro 2018
Os equatorianos foram às urnas neste domingo para decidir em referendo sobre um dos aspectos cruciais do arcabouço institucional do país, numa votação decisiva para o futuro político do ex-presidente Rafael Correa. A apuração preliminar de 90% dos votos divulgada pelo Conselho Nacional Eleitoral (CNE) deu a vitória na consulta ao atual mandatário, Lenín Moreno, com uma média de 67,8% de aprovação nas sete perguntas.
A reportagem é de Francesco Manetto, publicada por El País, 05-02-2018.
A mais importante delas era o fim da reeleição indefinida, adotada em dezembro de 2015, que teria permitido que o pai da “revolução cidadã” voltasse a disputar a presidência, após ocupar esse cargo durante uma década, até o ano passado. O artífice da convocação às urnas foi o atual presidente, um ex-aliado de Correa que virou seu adversário político. Ganhou com folga, também graças aos votos da oposição, e fechou as portas ao seu antecessor, mas os dados refletem que este continua contando com um apoio nada desprezível.
“Os velhos políticos não voltarão mais. Eles têm a obrigação de se renovar”, proclamou Moreno no palácio presidencial de Carondelet, em Quito, após conhecer a projeção provisória dos resultados. “Hoje a democracia triunfou de maneira contundente com o sim. Hoje, todos nós nos manifestamos de maneira clara e contundente, livre e democraticamente, sobre o futuro que queremos para nossos filhos. A vitória do sim é a vitória do país”, afirmou pelo Twitter. “Os políticos que ansiavam se eternizar não voltarão nunca mais”, acrescentou, numa clara alusão a Correa, que voltou da Bélgica, onde reside, para fazer campanha pelo não.
O mandatário, eleito há um ano, sempre foi contra a reeleição indefinida para os cargos públicos. Quando a Assembleia Nacional aprovou uma emenda à Constituição de 2008 para permiti-la, Moreno já havia deixado a vice-presidência, que ocupou entre 2007 e 2013, e desempenhava a função de enviado especial da ONU para a Deficiência e Acessibilidade.
O ex-presidente e seu entorno o acusam de ter dado as costas ao seu ex-aliado, de manobrar para eliminá-lo politicamente e de formular as perguntas do referendo de forma capciosa. Pela primeira vez, o mentor do chamado socialismo do século XXI enfrentou uma derrota nas urnas. Ele foi muito popular enquanto governou, mas nas últimas semanas pôde comprovar diretamente como sua liderança foi minguando. “Parabéns a todos nossos militantes! Nenhum movimento por si só pode obter estes 36% obtidos, e ainda pior com tão pouco tempo e numa luta tão desigual”, escreveu, também no Twitter, comentando o resultado da consulta sobre a reeleição. “A luta continua”, prometeu.
Embora Correa não possa aspirar a uma candidatura à presidência, desde que deixou o cargo, em maio do ano passado, se recusa a permanecer fora da política ativa, apesar de dizer o contrário. Antes das últimas eleições ameaçou voltar ao país para preservar seu legado em caso de vitória da oposição. Ganhou Moreno, seu candidato, embora ele não tenha gostado do temperamento do novo presidente, bem como de algumas de suas medidas. Decidiu então lutar sua última batalha pelo poder. Uma disputa da qual –independentemente de sua retórica sobre a salvação da pátria – dependia sua sobrevivência política, pelo menos em nível nacional. Resta-lhe o nível local. Agora ele poderia se dedicar à sua cidade, Guayaquil, e cultivar uma rede de seguidores por meio de sua nova plataforma, o Movimento Revolução Cidadã, que fundou depois sair da Aliança País. Em suma, tem essas opções para tentar um caminho semelhante ao que, em outra conjuntura e em um contexto ideológico muito diferente, tomou o ex-presidente colombiano Álvaro Uribe.
Correa começa, ademais, essa nova etapa prestando depoimento ao Ministério Público nesta segunda-feira por supostas irregularidades na venda de petróleo à China e à Tailândia. Em dezembro, um dos homens confiança máxima do ex-presidente, Jorge Glas, foi condenado a seis anos por vínculos com o caso Odebrecht quando era vice-presidente.
O Equador se afasta, de qualquer modo, do caminho trilhado por Hugo Chávez na Venezuela, Evo Morales na Bolívia e Daniel Ortega na Nicarágua, como apontaram os principais institutos de pesquisas de opinião. Os 13 milhões de cidadãos chamados às urnas apoiaram todas as questões levantadas pelo referendo, que também incluiu o endurecimento da luta contra a corrupção e a reestruturação do Conselho de Participação Cidadã, introduzido na Constituição de 2008 para regulamentar a transparência e o controle social da vida pública.
A vitória de Moreno permitirá que o Governo, de acordo com a análise da empresa Quantum, promova “uma agenda de políticas públicas de consenso nacional” e adote medidas econômicas para reduzir gradualmente o déficit fiscal e melhorar a competitividade. A hipótese de uma vitória do “não” poderia ter acontecido, no entanto, por uma margem estreita. Essa circunstância enfraqueceria o Executivo e dificultaria a atividade parlamentar, já que a Aliança País ainda possui um setor de correístas fiéis. Em síntese, além de um possível retorno de Correa à linha de frente da política, os equatorianos evitaram uma fase de instabilidade.
1. Alteração da Constituição para punir “qualquer pessoa condenada por atos de corrupção com sua inabilitação para participar da vida política do país”.
2. Eliminação da reeleição indefinida “para que todas as autoridades ocupantes de cargos eletivos possam ser reeleitas uma só vez para o mesmo cargo”.
3. Reestruturação do Conselho de Participação Cidadã e Controle Social, “além de dar por encerrado o período constitucional de seus atuais membros”.
4. Não prescrição de “crimes sexuais contra meninas, meninos e adolescentes”.
5. Proibição da mineração de metais, “em todas as suas etapas, em áreas protegidas, zonas intangíveis e centros urbanos”.
6. Revogação da “lei da mais-valia”.
7. Ampliação da “zona intangível em pelo menos 50.000 hectares” e redução “da área de exploração petroleira autorizada pela Assembleia Nacional no Parque Nacional Yasuní, de 1.030 hectares para 300 hectares”.
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Equador elimina a reeleição indefinida e põe fim à era do “socialismo do século XXI” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU