23 Novembro 2017
"Ao contrário do que acreditava Jerry Falwell, os EUA são povoados por uma maioria imoral. Inverte-se a relação entre cristianismo e formas de vida democrática norte-americana", escreve Lorenzo Prezzi, teólogo italiano e padre dehoniano, em artigo publicado por Settimana News, 16-11-2017. A tradução é de Luisa Rabolini.
Opção Bento: a expressão indica uma nova orientação da direita católica estadunidense que está movendo as águas do catolicismo tradicional, inclusive na Europa. O processo de secularização não é mais controlável, o destino do Ocidente é o ateísmo, não há mais qualquer instituição política em condições de retardar o processo. É oportuna uma "retirada estratégica", semelhante àquela realizada por Bento de Núrsia e pelo monaquismo ocidental que, no contexto do cenóbio, conservaram a cultura antiga e deram início à nova civilização ocidental.
O livro de Rod Dreher, A opção Bento: uma estratégia dos crentes em uma nação pós-cristã foi lançado simultaneamente, em 2017, nos Estados Unidos e na França (sob o título: Como ser cristão em um mundo que não o é mais: o desafio Bento). Está prevista uma edição em alemão.
É preciso focalizar em um cristianismo contracultural para evitar o esvaziamento espiritual e social do Ocidente. O voto democrático tem pouca utilidade. Não se trata de demonizar a situação atual, nem de perseguir um quietismo pessoal, uma devoção a salvo dos tempos, mas de favorecer todos os aspectos da vida comunitária. O maior perigo não é o do Islã radical e nem mesmo a esquerda política, mas o secularismo liberal que persegue um declínio cultural e moral tanto na direita quanto na esquerda. Sua expressão mais recente, depois de nominalismo, do Renascimento, da Reforma, do Iluminismo e do capitalismo é a revolução sexual. Ela substituiu o horizonte da salvação do "crente" com o da satisfação do "psíquico". Sem sair da Babilônia, estamos nos condenados a uma cultura de morte que mata inclusive a fé.
Os conservadores estadunidenses, assim como os tradicionalistas europeus, vivem o trauma da inutilidade de um embate frontal. A batalha pela hegemonia cultural já está perdida.
O debate sobre essas teses, bastante aceso nos EUA, está se espalhando para a França, Alemanha e Inglaterra. Seguir as mudanças de orientação da direita católica, compartilhadas por protestantes conservadores e ortodoxos, obriga a uma informação honesta, promove um possível diálogo e sugere evidenciar a distinção entre a opção Bento e o chamamento para São Bento, várias vezes repetido pelo Papa Ratzinger e pelo Papa Francisco.
A memória do monaquismo para Dreher consolida as estruturas vitais: uma vida ordenada, a importância da oração, o equilíbrio entre esforço intelectual e trabalho manual, o ascetismo, a estabilidade e a comunidade.
A primeira hipótese do volume foi publicada como artigo no The American Conservative (12 de dezembro de 2013), retomada e defendida na mesma revista em maio de 2015. Os dois primeiros capítulos do livro são dedicados aos sinais do colapso da civilização cristã. Depois é abordada a questão da regra de vida, da política cristã, da vida comunitária e, gradualmente, da educação, da ética profissional e da tecnologia.
É expressa uma dívida cultural nos confrontos do Charta77, o movimento cultural-libertário da Checoslováquia, em especial nas figuras de Vaclav Havel e Vaclav Benda, e do filósofo A. MacIntyre (Depois da virtude). Ressurgem alguns dos resultados da pesquisa norte-americana da universidade de Chicago sobre o Projeto Fundamentalismo (1987-1995). A sociedade ocidental é irremediavelmente pós-cristã. Pensar que alguém como o atual presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, possa inverter o curso é algo vão. "Imaginar que alguém tão incrivelmente vulgar e agressivo, de moral altamente questionáveis, possa encarnar a restauração dos valores cristãos e da unidade social é totalmente ilusório. Não é a solução para o declínio cultural, é o seu sintoma".
Se a política institucional não é formalmente negada, a opção deve se orientar para o lado da construção de enclaves cristãos muito estruturados, em direção ao comunitarismo. Um convite que conduz bem além das partições confessionais (Dreher é um convertido ao catolicismo, que depois passou para o luteranismo e, por fim, à ortodoxia) e que certifica a passagem da "maioria moral" (Moral majority) dos anos 1980-90 para a atual "minoria moral" (Moral minority). "A América perdeu a fé e os fiéis começaram a se questionar sobre a própria fé na América". Ao contrário do que acreditava Jerry Falwell, os EUA são povoados por uma maioria imoral. Inverte-se a relação entre cristianismo e formas de vida democrática norte-americana.
Sólida formação teológica para os fiéis, associações de famílias para a gestão da educação, escolar e não, exercício de profissões compatíveis com as crenças religiosas, moral pessoal e familiar rigorosa. Cada proposta é acompanhada pelos relatos de experiências visitadas pelo autor.
É a clássica ação da "minoria criativa", teorizada por A. Toynbee. Sem subestimar a relevância da paróquia e da defesa da liberdade religiosa, as críticas apontaram para o lado confessional e político. Se as fronteiras das confissões desaparecem, como pode se estruturar a identidade cristã? Estamos assim tão distantes do chamado catolicismo das "catacumbas" dos líderes eclesiais mil vezes denunciado pelos tradicionalistas? Enquanto, através do Charta77, a ação moral e cultural estava em ordem com a política institucional, aqui acontece o contrário. Abandona-se a segunda sem supor nada além da resistência "porosa" da primeira.
O convite apreciável à criatividade e à ação conjunta com as outras confissões e religiões (Judaísmo) mal se combina com uma leitura catastrofista do presente do Ocidente, como mostra um recente livro de D. C.J. Chaput, um dos expoentes conservadores do episcopado estadunidense.
Difícil prever como um debate classicamente norte-americano possa se cruzar com o interesse dos tradicionalistas europeus, muito mais atentos aos dados institucionais e mais marcados da luta contra o moderno.
No que diz respeito à Itália, os tradicionalistas não têm um perfil cultural relevante. Figuras como Amerio, Campo, Fabro e revistas como Renovatio não são, e nunca foram, terreno para a formação da infinidade de sites e portais anticonciliares, tão intransigentes e anti-Francisco quão pouco acostumados a um confronto real.
Isso é percebido na dificuldade generalizada de avaliação das referências para Bento dos últimos pontífices: Bento XVI e Francisco. A crítica à deriva secularista do Ocidente poderia encontrar muitas consonâncias com o mundo conservador.
Para o papa Ratzinger existe um desequilíbrio crescente entre técnicas e energias morais, e pode-se falar de uma cultura "que constitui a contradição mais radical não só do cristianismo, mas das tradições religiosas e morais da humanidade".
Para o papa Francisco vivemos, no Ocidente, "o predomínio de um determinado pensamento único", incapaz buscar recurso na sua história e construir o futuro.
Mas, nem um nem o outro desvalorizam a política. Muito pelo contrário. O estudo da Palavra e a valorização do trabalho da tradição monástica uniam racionalidade e técnica, identidade e universalidade, escatologia e gramática (discurso ao Collège des Bernardins, Paris, 12 de setembro de 2008). Os cristãos "são chamados a dar nova dignidade à política, entendida como máximo serviço para o bem comum e não como uma ocupação de poder" (Francisco, discurso para a Comissão dos Episcopados da Comunidade Europeia - COMECE, 28 de outubro de 2017).
O afastamento de uma possível manipulação conservadora é determinado pela prioridade absoluta da dimensão teológica e evangelizadora, mas também pela dimensão universal e pelo cuidado com a valorização de elementos fundamentais da conquista moderna: direitos humanos, liberdade religiosa, estado laico, ordenamento democrático, livres associações sociais e partidárias, etc. Em especial - e é agora característico do magistério de Francisco – existe a convicção de que o lugar decisivo para o futuro é a fé mais do que os "princípios não negociáveis" da moral.
"O autor da Carta a Diogneto afirma que ‘como é a alma no corpo, assim no mundo são os cristãos’. Neste tempo eles são chamados a dar novamente alma à Europa, a despertar a sua consciência, não para ocupar espaços - isto seria proselitismo - mas para animar processos que gerem novos dinamismos na sociedade. Foi o que justamente fez São Bento, não por acaso proclamado por Paulo VI como Padroeiro da Europa: ele não se deteve em ocupar os espaços de um mundo perdido e confuso. Sustentado pela fé, ele olhou além e, de uma pequena gruta em Subiaco, deu vida a um movimento corajoso e irreversível que redesenhou o rosto da Europa" (discurso para a COMECE, 28 de outubro de 2017).
Referências:
[1] As referências nestas notas foram retiradas de alguns artigos publicados em Catholica, n. 136 e 137 (2017) e textos de comentários à obra de Jean-François Mayer aqui.
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Direita Católica: a ‘opção Bento' - Instituto Humanitas Unisinos - IHU