07 Agosto 2017
O Brasil voltou a ficar em estado de choque com sua Câmara de Deputados, que votou pelo arquivamento da denúncia contra o presidente Michel Temer, que já fora absolvido em sua chapa com Dilma no TSE. A este respeito, e sobre a suposta recuperação econômica do país anunciada pelo governo, entrevistamos o economista Reinaldo Gonçalves, autor de A Economia Política no Governo Lula.
“Os estrategistas do governo Temer parecem marcados por imbecilidade esférica já que, sob qualquer ângulo (trabalhadores-capitalistas, governo-povo, esquerda-direita etc.) as medidas (teto de gastos, projetos de reformas frágeis, ações inconsistentes etc.) só complicam o péssimo quadro de expectativas”, sintetizou.
A entrevista é de Gabriel Brito, publicada por Correio da Cidadania, 03-08-2017.
No entanto, para os que conhecem o professor da UFRJ, também autor de Globalização e Desnacionalização, Desenvolvimento às avessas: verdade, má-fé e situação no atual modelo brasileiro de desenvolvimento, dentre outros trabalhos, trata-se de um dos mais implacáveis críticos dos desígnios do PT e seus dirigentes. Em suma, é daqueles que ainda imputa tudo que de mal acontece agora aos que pavonearam um país que haveria decolado.
“Estamos diante da total perda de credibilidade da maior parte das centrais cuja capacidade de mobilização despencou dramaticamente a partir do governo Lula (...) A equipe econômica é particularmente fraca. No geral, há incompatibilidade entre as ações e a capacidade, legitimidade, popularidade e credibilidade do presidente e do conjunto do governo. Agora fica mais claro porque Lula escolheu o casal Dilma-Temer”, respondeu.
Morador de um Rio de Janeiro que testemunha de perto o tsunami da crise generalizada, após a euforia compartilhada por todos os grupos políticos dominantes, não vê sequer chance de se discutir outra política econômica no momento e elenca prioridades que passam ao largo dos debates da esquerda brasileira, a qual considera mergulhada na pusilanimidade e estupidez.
“Prioridade número 1: transição para os eventos político-eleitorais de 2018, com um mínimo de turbulência político-institucional (isso não exclui a destituição de Temer). Precisamos sair da crise institucional aguda. A esperança é que o povo faça escolhas corretas, inclusive, uma extraordinária maioria de votos nulos caso as alternativas sejam ruins”, afirmou.
Dentro de toda a crise que vivemos, como analisa a votação que permite o arquivamento da denúncia de corrupção de Michel Temer, que já vinha da absolvição de sua chapa com Dilma no TSE, além da postura do PT, tida como dúplice por muitos analistas em ambos os casos?
É a aberração esperada que resulta da androginia política dos principais dirigentes dos partidos dominantes. Quanto a este jogo duplo do PT, não é de hoje que vemos condutas que aproximam o partido da direita. O fato é que o PT apodreceu em oceanos de traição, pusilanimidade, inépcia, farsa e corrupção. Portanto, ambiguidade é o menor dos defeitos já que é a menor cicatriz no corpo em putrefação do PT. Ambiguidade e falta de autocrítica resultam da pusilanimidade e da androginia política de boa parte dos seus dirigentes.
O que comenta do decreto de Temer dias antes, que aumentou a gasolina, a fim de ampliar a arrecadação, no mesmo instante em que concedeu bilhões em emendas parlamentares à sua base?
Duas são as reformas prioritárias no Brasil atualmente. A reforma número 1 é derivada do PL 4850/2016 das dez medidas contra a corrupção, que tem origem no Ministério Público Federal e conta com o apoio direto (assinaturas) de mais de 2 milhões de cidadãos. A reforma número 2 é a tributária, focada no aumento da arrecadação, progressividade, racionalidade e moralização do sistema tributário brasileiro.
O aumento da gasolina, por si só, não é um problema, inclusive, há o benefício da redução dos caóticos engarrafamentos nas cidades. Ademais, há a questão grave de natureza fiscal, ou seja, a péssima alocação dos recursos públicos. Essa má alocação envolve não somente emendas como também o serviço da dívida, financiamento de empresas, gastos com educação, subsídios, incentivos etc. Portanto, a prioridade 3 é a reforma fiscal com os vetores de racionalização, moralização e distribuição.
O que comenta das afirmações do governo sobre uma dita recuperação econômica nos meses recentes? Seria sustentável no médio prazo?
A experiência internacional mostra que o cenário positivo de reequilíbrio macroeconômico após a interrupção da presidência ocorre em aproximadamente dois terços dos casos. Entretanto, demos azar e parece que estamos na mesma situação de um terço dos casos de fracasso. Na escassez de virtudes, passamos a depender da roda da fortuna. Talvez tenha diminuído a velocidade de queda. Qualquer prognóstico entra no campo do “chute”. O que poderíamos esperar de uma liderança política (Temer) que foi escolhida por Lula e Dilma? Seleção adversa cumulativa e trajetória aleatória!
Como a Reforma Trabalhista recém-aprovada incidirá na economia? Haverá alguma recuperação do emprego e da renda, como alegam os setores empresariais?
Não sou especialista em Reforma Trabalhista e, portanto, dependo das avaliações de especialistas. O entendimento é que essa reforma implica a combinação de modernização, enfraquecimento dos sindicatos, flexibilização das relações trabalhistas, menor poder da classe trabalhadora etc. O esperado é a maior fragilização da classe trabalhadora. Não creio que a reforma tenha impacto na geração de investimento, emprego e renda no horizonte de curto e médio prazo.
Ainda nesse sentido, e também em relação ao governo mais desaprovado da história, como avalia a greve de 30 de junho e as tímidas manifestações contra a Reforma Trabalhista, praticamente abandonadas pelas centrais sindicais?
O sindicalismo brasileiro se deteriorou. A maior parte das centrais sindicais se fragilizou ao longo do governo Lula já que dirigentes sindicais foram cooptados e surgiu o neopeleguismo. Isso faz parte do lulismo e da herança trágica do PT. A classe trabalhadora e o conjunto da sociedade têm razões objetivas para desconfiar das entidades e lideranças sindicais. Estamos diante da total perda de credibilidade da maior parte das centrais cuja capacidade de mobilização despencou dramaticamente a partir do governo Lula. Isso ocorreu com outras organizações da sociedade civil organizada como a UNE e o MST que também foram instrumentalizadas. É a sociedade invertebrada!
Aliado às disposições finais do último congresso do partido, nas quais a tão falada autocrítica foi descartada, como afinal devemos encarar essa agremiação política?
Repito, o PT apodreceu e precisa ser extinto, incinerado e suas cinzas jogadas aos Zéfiros. O destino do PT é a estrumeira da história do Brasil. No que se refere às suas lideranças responsáveis direta ou indiretamente (cúmplices) pela tragédia brasileira atual, além da estrumeira da história, há o complemento da desmoralização e da prisão.
Você vive no Rio, onde o contexto da crise econômica tem contornos talvez mais dramáticos, diante da euforia da “cidade-negócio” dos anos anteriores seguida de impressionante desolação e barbárie sociais. Considerando o contexto político e econômico aqui debatido, o que vislumbra para a vida do trabalhador brasileiro nos próximos tempos?
Sofrimento, sofrimento, sofrimento. O povo brasileiro fez as suas escolhas e, portanto, fez o seu caminho. É covardia responsabilizar somente os dirigentes empresariais e os agentes públicos. O cheiro de algo de podre no balneário bárbaro e decadente do Rio de Janeiro já era percebido há muitos anos. A sociedade fluminense, com raras exceções, apoiou agentes públicos e projetos e, portanto, foi cúmplice da tragédia e da barbárie.
Os circos da Copa e da Olimpíada, as obras de embelezamento, o samba e a cachaça no boulevard Olímpico etc. divertiram o povo. É verdade que houve movimentos de resistência expressos por uma minúscula minoria, contrária aos circos, inclusive, com boicote. Porém, a resistência não recebeu apoio da grande maioria da sociedade fluminense.
É a anomia e o invertebramento. Quer benefício e não quer custo? Isso não existe. A conta chegou. Faça suas escolhas, faça seu caminho.
Concorda com a ideia do economista José Luiz Martins de que “ao aprofundar seu programa as burguesias brasileiras aprofundam a própria ingovernabilidade do país”?
Gostei da entrevista de 24 de maio de 2017 do Martins e tendo a concordar, na essência, com os argumentos dele. É erro estratégico do governo Temer procurar aprovar reformas controversas e fragilizantes nesse período de transição. Isso é ruim para todas as classes e grupos sociais e políticos. Essa ânsia por reformas só gera instabilidade, impopularidade e perda de governabilidade, além de não ter impacto no curto prazo.
Os estrategistas do governo Temer parecem marcados por imbecilidade esférica já que, sob qualquer ângulo (trabalhadores-capitalistas, governo-povo, esquerda-direita etc.) as medidas (teto de gastos, projetos de reformas frágeis, ações inconsistentes etc.) só complicam o péssimo quadro de expectativas.
Como já disse, a equipe econômica é particularmente fraca. No geral, há incompatibilidade entre as ações e a capacidade, legitimidade, popularidade e credibilidade do presidente e do conjunto do governo. Agora fica mais claro porque Lula escolheu o casal Dilma-Temer. Temer conseguiu o impensável: avaliação pior que a de Dilma. Par perfeito, em todos os (maus) sentidos! Mediocridade esférica!
É possível debater outras saídas para essa crise toda no atual contexto político que vivemos? Quais poderiam ser medidas econômicas razoáveis para um próximo momento?
Penso que não faz muito sentido discutir propostas específicas de política econômica no momento. No curto prazo, o Brasil tem duas prioridades. Prioridade número 1: transição para os eventos político-eleitorais de 2018, com um mínimo de turbulência político-institucional (isso não exclui a destituição de Temer). Precisamos sair da crise institucional aguda. A esperança é que o povo faça escolhas corretas, inclusive, uma extraordinária maioria de votos nulos caso as alternativas sejam ruins.
Prioridade número 2: avanço da Operação Lava Jato no sentido da punição efetiva e severa de todos os agentes públicos e privados envolvidos em atos ilícitos. Temos um momento histórico único e auspicioso para abalar a estrutura medular do patrimonialismo brasileiro, marcado por clientelismo, nepotismo, corrupção e impunidade. A operação Lava Jato é o evento histórico mais importante no Brasil depois do processo de redemocratização na primeira metade dos anos 1980. É fundamental quebrarmos o que chamo de pacto PCC: Plutocracia, Cleptocracia e Canalhocracia.
Como fazer com que esse pacto entre “plutocratas, cleptocratas e canalhocratas” seja extinto?
A ferramenta disponível no momento é a operação Lava Jato, já que a sociedade continua invertebrada e na anomia (desorganização, paralisia etc.). O patrimonialismo e o PCC são restrições ao desenvolvimento econômico, social, político, ético e institucional do país já que geram déficit democrático e nanismo republicano. No patrimonialismo, a sociedade e o Estado são sistemicamente “vítimas de assaltos particularistas”. Ser contra a Lava Jato é ser a favor da manutenção do patrimonialismo (clientelismo, corrupção, impunidade etc.), do pacto entre a plutocracia, a cleptocracia e a canalhocracia, do atraso e do déficit civilizatório.
O Pacto PCC não envolve somente segmentos dos capitalistas, políticos, burocratas e intelectuais. O Pacto PCC abarca inúmeros agrupamentos, inclusive representantes da sociedade civil nos campos estudantil, sindical, corporativo, midiático etc. É necessário todo o apoio popular à Operação Lava Jato e ao PL 4850/2016 que trata das dez medidas contra a corrupção.
Como imagina que evoluirá a economia até 2018, considerando que sejam feitas eleições em condições normais?
Caminho aleatório. É o país se arrastando na crise, instabilidade e barbárie. Se, de um lado, o avanço da Lava Jato (com condenações efetivas) reduz a velocidade e a força dessa trajetória, de outro, o lulismo agrava essa trajetória. A prisão de grandes empresários reduz a corrupção sistêmica, ao mesmo tempo em que a punição e prisão de agentes públicos com poder, influência e projeção reduzem as incertezas institucionais. É decisivo enterrarmos, de vez, o lulismo, que é a versão 2.1 do Pacto PCC (Plutocracia + Cleptocracia + Canalhocracia).
Lula já foi condenado como corrupto e, muito provavelmente, será condenado por outros crimes: tráfico de influência, corrupção passiva, lavagem de dinheiro e participação em organização criminosa. Só um registro para doutores e pós-doutores brasileiros que apoiam o lulismo e, no meio tempo, ficam desesperados à procura de consultorias a R$ 250/hora. Para poupar o valor líquido equivalente ao “dinheirinho” de Lula em somente dois fundos de pensão (algo como R$ 9 ou R$10 milhões, congelados pela Justiça), os nossos doutores e pós-doutores teriam que fazer 40 horas de consultorias por mês durante 25 anos! E, ademais, teriam que ter outras rendas para pagar as despesas. Atenção: secaram os mananciais da Petrobras, BNDES, Grupo X, Odebrecht, OAS etc.
Quais seriam as prioridades para as forças populares e progressistas até as eleições de 2018?
A direita brasileira está perdida. No entanto, o maior problema é o estado atual da maior parte da esquerda que, além de perdida, revela alto nível de ignorância, pusilanimidade e venalidade. Parte da esquerda brasileira avança cada vez mais no campo da ignomínia. A esquerda brasileira precisa de um consenso: a punição efetiva e severa (terrena e/ou divina) de Lula é condição necessária para enterrarmos, de vez, o lulismo. Precisamos eliminar para sempre o espectro que pode atormentar a vida social, política e institucional brasileira no futuro próximo e distante.
Imaginem, daqui a 5, 10, 20, 30 anos, o Brasil mergulhado em disputas patéticas sobre o pós-Lulismo, entre o Lulismo de Direita e o Lulismo de Esquerda, entre o Lulismo Liberal e o Lulismo Socialista. No Brasil, no século 21 teríamos a versão “macaquitos” do peronismo argentino. A comédia dentro da tragédia. O lulismo é uma das principais causas da tragicomédia brasileira. A sobrevida de Lula só interessa à direita. Lula está fragilizado legal, moral, política, física e mentalmente.
Observem como as falas de Lula estão cada vez mais parecidas com as pérolas de deficiência cognitiva de Dilma. Mefistófeles voltou para cobrar a conta. Qualquer candidato da direita quer combater um espantalho, um espectro ou uma alma penada nas eleições presidenciais de 2018. No segundo turno, qualquer candidato da direita (Bolsonaro, Doria, Ciro Gomes e quejandos) derrotará Lula. A extinção do lulismo é a prioridade das prioridades para as forças populares, progressistas e de esquerda!
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Fica Temer: “direita está perdida e esquerda avança cada vez mais para a ignorância e pusilanimidade" - Instituto Humanitas Unisinos - IHU