05 Junho 2017
“Trump, o tuitador compulsivo, é um produto e um explorador da sobrecarga digital que gera, nas palavras do papa, “um novo tipo de emoções artificiais, que têm a ver mais com dispositivos e monitores do que com as pessoas e a natureza”, que também “nos impedem de tomar contato direto com a angústia, a trepidação, a alegria do outro”, escreve James Carroll, autor de onze romances e oito obras não ficcionais, incluindo a recém-publicada “Christ Actually: Reimagining Faith in the Modern Age”, em artigo publicado por The New Yorker, 02-06-2017. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
O mais novo romance de James Carrol, “The Cloister”, será lançado em 2018 por Nan A. Talese/Doubleday.
Quando o presidente Donald J. Trump se encontrou com o Papa Francisco no Vaticano semana passada, era como se os dois pertencessem a espécies diferentes, tão distantes nos valores e no estilo que o conteúdo real que os separava revelou-se intangível. No entanto, Francisco deu a Trump um presente que – a partir de agora – define as posições de ambos como absolutas. O presente era uma cópia de sua encíclica sobre as mudanças climáticas, intitulada Laudato Si’. Educadamente, Trump prometeu que iria ler.
Ao se retirar do acordo climático de Paris, o presidente derrubou tudo o que o documento papal de 2015 representa. Hoje, depois da decisão de Trump, Laudato Si passou a ser mais importante do que nunca. Acusação dura do fracasso humano em cuidar da Terra, ela é também uma descrição pungente de uma escolha importante que, hoje, desafia os governos, as corporações e indivíduos no planeta. Trump pode não a ter lido, mas todos aqueles que buscam entender, em termos explícitos, a profundidade do perigo que ele presenta devem se apropriar de seu conteúdo. Laudato Si’ é um manifesto. Se você já a leu dois anos atrás, leia-a novamente hoje.
Esta encíclica é uma consideração clara da crise climática multifacetada. Francisco descreve a Terra como um “imenso depósito de lixo” e lamenta o desaparecimento de “milhares de espécies vegetais e animais (...) pedidas para sempre”; considera o acesso a água potável de um “um direito humano essencial, fundamental e universal” e observa a ligação entre o “modelo atual de desenvolvimento e da cultura do descarte sobre a vida das pessoa”; reconhece o “consenso científico muito consistente” de que o aquecimento global possui causas humanas e a “dívida ecológica” que o norte global, após séculos de poluição, tem com o sul menos industrializado. Isso tudo, declara o Papa Francisco, provoca “gemidos da irmã terra, que se unem aos gemidos dos abandonados do mundo, com um lamento que reclama de nós outro rumo”.
Mas o planeta perigosamente degradado, para Francisco, é a expressão de um problema mais profundo, pois “não podemos iludir-nos de sanar a nossa relação com a natureza e o meio ambiente, sem curar todas as relações humanas fundamentais”. Embora Francisco não diria com estas palavras, Trump é a encarnação da poluição moral que gera a poluição atmosférica, um sinal de que algo muito errado aconteceu no modo como nós, humanos, nos relacionamos uns com os outros.
Trump, o tuitador compulsivo, é um produto e um explorador da sobrecarga digital que gera, nas palavras do papa, “um novo tipo de emoções artificiais, que têm a ver mais com dispositivos e monitores do que com as pessoas e a natureza”, que também “nos impedem de tomar contato direto com a angústia, a trepidação, a alegria do outro”.
A desordem é generalizada; quando o presidente divide o mundo entre ganhadores e perdedores, muitos concordam com ele. O Acordo de Paris, que sustenta o ideal da solidariedade humana, rejeitou este paradigma, motivo por que, em última instância, o presidente agiu dessa forma. Mas o modo de organizar a vida usando a fórmula da soma zero – pessoal e internacionalmente – nada traz, exceto a morte; e o planeta assim nos tem dito.
Diferentemente da maioria dos ambientalistas, Francisco identifica o cerne da degradação climática na degradação econômica e social dos seres humanos. Como inversor das hierarquias, enxerga os problemas através das lentes dos que estão na base. Não basta salvar a Terra.
Francisco critica os “os economistas, os teóricos da finança e da tecnologia” que, usando uma retórica ecológica, promovem o ecocapitalismo e a tecnociência que podem limpar as águas e o ar, ou resolver a questão do aumento do nível nos mares, porém ainda preservariam o culto do crescimento ilimitado, promoveriam o consumo sem fim, reforçariam uma distribuição não equitativa dos bens e protegeriam a economia de mercado que continua a prejudicar os pobres – abordagem que “leva a ‘espremê-lo’ [o planeta] até ao limite e para além do mesmo”.
Imaginemos Donald Trump usando a frase: “amor civil e político”. Este dizer resume a prescrição que Francisco apresenta depois de seu diagnóstico rígido e inflexível. “É necessário voltar a sentir que precisamos uns dos outros, que temos uma responsabilidade para com os outros e o mundo, que vale a pena ser bons e honestos”, escreve. “Vivemos já muito tempo na degradação moral, baldando-nos à ética, à bondade, à fé, à honestidade; chegou o momento de reconhecer que esta alegre superficialidade de pouco nos serviu”.
Para Francisco, na qualidade de líder religioso, o amor ao próximo é o sinal mais seguro da presença de Deus. Porém este seu convite é profundamente secular, pois a sua crítica aos círculos retraídos de amor que reduzem a família, a tribo e a nação a meros abrigos diante da comunidade humana mais ampla tem tudo a ver com este mundo, não com o próximo. O valor do mundo é absoluto. Se o resgate do nosso único paraíso requer revoluções econômicas, psicológicas, políticas e espirituais – ou, melhor, uma revolução que combine todas estas –, então que assim seja. Eis a mensagem desta sua encíclica.
O que Trump traz à nação e ao mundo é apenas um receio. Mesmo aqueles que entendem a urgência da crise climática podem ficar tentados a ver este momento já como uma causa perdida e, nele, um mortal erradicador da esperança. Podem até mesmo se juntarem a Trump nesta sua retirada flagrante. Mas, para Francisco, a resignação antes da obliteração da esperança é em si mortal. Embora o papa, em Laudato Si’, sustente que devemos aceitar a responsabilidade humana por aquilo que ameaça a nossa sobrevivência, ele ainda insiste que “nem tudo está perdido, porque os seres humanos, capazes de tocar o fundo da degradação, podem também superar-se, voltar a escolher o bem e regenerar-se”. Confrontados com um meio ambiente ameaçado, podemos fazer isto. Confrontados com um niilista tolo como o presidente dos EUA, podemos fazer isto também.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A importância renovada da encíclica de Francisco sobre mudanças climáticas - Instituto Humanitas Unisinos - IHU