03 Junho 2017
Firmar o Acordo de Paris custou anos e vários fracassos. Reabri-lo seria quase impensável. A esperança entre as nações que o continuam apoiando e entre os ativistas é que, quando Trump sair da Casa Branca, os EUA voltem a envolver-se na luta contra as mudanças climáticas.
A reportagem é de Manuel Planelles e publicada por El País, 03-06-2017.
O Acordo de Paris, firmado em dezembro de 2015 e que começa a ser aplicado em 2020, não precisava de líderes desconfiados ou céticos agora. Na realidade, o oposto é que era necessário. O pacto tinha o grande mérito de ter envolvido todos os países, diferentemente do Protocolo de Kyoto, que, após a saída dos Estados Unidos, no início do século, só cobriu com metas de redução pouco mais do que 10% das emissões mundiais de gases de efeito estufa. Mas os cortes de gás carbônico contemplados no novo Acordo de Paris não bastavam. Por isso, o tratado previa seu aumento progressivo. Donald Trump não só não está disposto a intensificar os compromissos: ele não quer sequer cumprir com o que foi estabelecido em 2015.
Os esforços apresentados voluntariamente por cada um dos quase 200 países signatários não eram suficientes para atingir o objetivo do Acordo de Paris: impedir que o aumento médio da temperatura do planeta supere um nível entre 1,5 e 2 graus no fim deste século, em relação aos níveis pré-industriais. A humanidade já consumiu metade dessa margem: em 2016, esse incremento já era de mais de 1 grau em relação ao fim do século XIX. E como se não bastassem os planos de redução de gases de efeito-estufa que cada país apresentou, o próprio acordo determina que esses esforços devem ser revisados para cima periodicamente.
Esse era o plano de voo. Mas, para ir aumentando esses cortes periodicamente, era necessário que os líderes mundiais se envolvessem. E, quando em novembro de 2016 Donald Trump ganhou as eleições, a inquietação se apoderou dos negociadores climáticos, que estavam reunidos na cúpula mundial do clima em Marrakech, no Marrocos, no momento em que se soube da vitória do republicano. Esses temores se confirmaram na quinta-feira: os Estados Unidos não só estão dispostos a aumentar seus esforços para reduzir emissões, como pretendem sair do Acordo de Paris.
Do ponto de vista político, o Acordo de Paris dissipa as dúvidas sobre a relação entre o aumento da temperatura e o incremento da concentração de gases de efeito estufa na atmosfera. Até o início da era industrial, existia um equilíbrio nessa concentração de gases. Mas o avanço dos países desenvolvidos, fundamentalmente baseado na queima de combustíveis fósseis, acabou com a situação. Por isso, o tratado climático estabelece como fórmula para lutar contra o aquecimento global o corte das emissões de gases de efeito-estufa – principalmente o gás carbônico (CO2) – através dos planos voluntários apresentados por cada país. Só a China, os Estados Unidos e a Europa são responsáveis por metade das emissões de todo o planeta.
No entanto, os planos de redução voluntária apresentados não são suficientes. Isso é reconhecido no próprio acordo – na chamada “decisão”. Para obter a meta de ficar “bem abaixo” dos 2 graus, a humanidade deveria emitir, em 2030, algo em torno de 40 gigatoneladas anuais de gases (ou 40 bilhões de toneladas). Mas a projeção dos esforços apresentados quando o pacto foi assinado, em 2015, apontava que em 2030 as emissões globais seriam de 55 gigatoneladas, 15 gigatoneladas a mais do que o necessário para estar no caminho certo.Um relatório da ONU do fim de 2016 insistia nessa linha, ao recordar que é necessário um esforço adicional de 25%. E recordava que, com a aplicação dos compromissos atuais, no fim deste século o aumento da temperatura média poderá chegar até os 3,4 graus – muito acima dos 2 graus estabelecidos por cientistas como a barreira para que os efeitos do aquecimento global sejam administráveis.
Os Governos signatários do acordo estavam cientes do déficit quando firmaram o pacto, em dezembro de 2015, na capital francesa. Por esse motivo, no documento foram incluídas cláusulas de revisão (para cima) dos planos nacionais de redução de emissões. A maneira de apresentá-los e o resto da implementação do Acordo de Paris terão que ser estabelecidos de agora até 2020, quando as medidas começam a ser aplicadas.
No início de maio, foi realizada em Bonn, na Alemanha, uma reunião preparatória para a próxima cúpula anual do clima, que será realizada ali em novembro. Essas reuniões, assim como as cúpulas anuais, servem para que se desenvolva e implemente o Acordo de Paris. O pacto já está em vigor, mas só começa a ser aplicado em 2020. Até então, os países signatários devem formular as letras miúdas do acordo e os instrumentos para que ele funcione. E também a maneira como cada Estado deve se comprometer com mais esforços.
A saída dos EUA ocorre nesse momento crítico de desenvolvimento do pacto. E não está claro como isso se dará. Se Trump opta por sair sem mais nem menos do Acordo de Paris, isso não seria consumado até um prazo de três anos, já que é assim que estipula o próprio tratado em suas diretrizes. E a Administração Trump continuará presente nas negociações do detalhamento do acordo. Se os Estados Unidos optarem por sair da convenção que é referência das mudanças climáticas, de 1992, sobre a qual se sustenta o pacto de Paris, o prazo se reduziria a um ano.
De qualquer modo, parece que o Governo dos EUA estará presente nas próximas negociações sobre a elaboração do Acordo de Paris. E alguns negociadores temem que mantenha uma atitude de bloqueio. Fontes presentes à reunião de Bonn realizada no início de maio dizem que a delegação dos EUA adotou uma atitude “cautelosa e de baixo perfil” e que seus membros admitiram que seu Governo estava agora em pleno processo de revisão da política climática. Essa atitude contrasta com a mantida pelos EUA na cúpula de Paris de 2015, onde foram muito ativos para conseguir que o acordo fosse firmado.
Em seu discurso de quinta-feira, no qual anunciou a saída do país do Acordo de Paris, Trump argumentou que sua intenção é renegociar o pacto. A secretaria da convenção marco das Nações Unidas sobre as mudanças climáticas, que dirige as negociações sobre o clima, se mostrou disposta a sentar-se para conversar com os EUA. Mas lembrou que o acordo “não pode ser renegociado”, entre outras coisas porque foi assinado por 194 países e quase 150 já o ratificaram.
Firmar o Acordo de Paris custou anos e vários fracassos. Reabri-lo seria quase impensável. A esperança entre as nações que o continuam apoiando e entre os ativistas é que, quando Trump sair da Casa Branca, os EUA voltem a envolver-se na luta contra as mudanças climáticas.
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Saída dos EUA do acordo climático é um golpe em um pacto que já era insuficiente - Instituto Humanitas Unisinos - IHU