23 Mai 2017
Peter Wohlleben não é do tipo que conversa com as flores do jardim ou abraça árvores –mas não por achar que elas sejam seres insensíveis ou burros.
A reportagem é de Reinaldo José Lopes, publicada por Folha de S. Paulo, 21-05-2017.
"O problema é que as informações sensoriais demoram muito para viajar pelo organismo delas, a um ritmo de apenas um centímetro por minuto", explica o engenheiro florestal alemão. "Você teria de abraçar árvores por horas e horas para obter um efeito significativo", brinca.
Em seu best-seller "A Vida Secreta das Árvores", que chegou recentemente ao Brasil, Wohlleben conta o que aprendeu em seus anos cuidando das matas que pertencem ao município de Hümmel, no oeste da Alemanha, e acompanhando o que cientistas têm descoberto sobre a fisiologia e o comportamento das espécies vegetais de grande porte de florestas temperadas.
Resumo da ópera, segundo ele: árvores são seres de vida social complexa, que trocam nutrientes e informações entre si, cuidam de seus "bebês", combatem invasores de forma coordenada e parecem ser capazes de aprender, mesmo não possuindo cérebros como os dos animais. Para usar a expressão memorável cunhada por ele, as árvores seriam "elefantes vegetais".
"Para nós, é difícil acreditar em coisas desse tipo, em parte por causa da nossa tendência de avaliar outros seres vivos com base no nosso próprio organismo. É claro que ainda precisamos elucidar muitos dos mecanismos do que poderíamos chamar de inteligência das árvores, mas isso também é verdade no que diz respeito à nossa própria consciência", argumentou ele em entrevista à Folha.
Como o engenheiro florestal explica em seu livro, a vida social intensa (ainda que lerda) das árvores de uma mata bem preservada só é possível graças ao que muitos pesquisadores têm apelidado de "wood wide web" (algo como "rede de toda a floresta", um trocadilho com o célebre "www" –"world wide web" ou "rede mundial").
Essa "internet das árvores" se estabelece por meio de uma densa trama de conexões entre as raízes de diferentes indivíduos vegetais, que estão interligadas graças à aliança entre as árvores e certos fungos, os quais espalham seus finíssimos filamentos pelo solo. A parceria é benéfica para ambos os lados: os fungos ganham acesso aos açúcares produzidos pela árvore durante o processo de fotossíntese (capacidade que eles não têm), enquanto as raízes das plantas adquirem maior capacidade de absorver água e minerais do solo.
Além disso, os filamentos fúngicos se espalham em direção a outras árvores e se ligam às raízes delas. Isso permite que os nutrientes sejam transferidos de uma planta para outra –não é incomum que uma árvore que esteja fazendo fotossíntese com mais eficiência transfira o excedente dessa "poupança" para companheiros de espécie doentes, num sistema de seguridade social, digamos.
O próprio Wohlleben relata como achou um aparente caso extremo desse fenômeno. Pareciam pedras cobertas de musgo na floresta, mas, ao cutucá-las, ele descobriu que eram pedaços do tronco de uma grande árvore que tinha caído havia séculos –mas ainda havia tecido vivo e verdejante neles, indicando que ainda recebiam nutrientes das árvores vizinhas pelas raízes, mesmo sem realizar fotossíntese sozinhos.
Informações bioquímicas também podem viajar pelos ares entre uma árvore e outra. Nas savanas da África, quando as girafas se põem a mastigar as folhas das acácias, essas árvores começam a liberar o gás etileno, que é captado pelas acácias vizinhas. Elas, por sua vez, percebem que está na hora de bombear mais toxinas para suas folhas, para desencorajar o apetite das girafas.
Apesar de trabalhar com florestas nas quais a diversidade de espécies é muito menor do que a de biomas como a Amazônia e a mata atlântica, Wohlleben diz que o sistema de conexões entre os espécimes é mais ou menos o mesmo. "As árvores aí podem crescer bem mais rápido que as nossas, mas também precisam de bastante tempo, talvez cem ou 200 anos, para alcançar um estágio maduro", diz.
Chegar a esse estágio, aliás, é muito difícil em plantações comerciais cujo objetivo é conseguir madeira relativamente rápido. Além de terem poucas conexões via raízes, as árvores dos plantios comerciais crescem rápido demais, graças ao excesso de luz solar.
Isso também explica por que árvores urbanas às vezes dão tanto trabalho por causa de chuvas, ventos e doenças: o crescimento acelerado faz com que sua madeira seja menos resistente a parasitas, e a falta de elos com outras árvores as deixa mais vulneráveis a problemas de saúde.
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A vida secreta das árvores
Autor: Peter Wohlleben
Editora: Sextante
Quanto: R$ 29,90 (224 págs.)
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Árvores se comunicam entre si e têm até uma 'internet' própria - Instituto Humanitas Unisinos - IHU