02 Setembro 2016
Donald Trump pisou na terra que mais ofendeu. Em uma visita relâmpago ao México, o vociferante candidato republicano, que durante meses humilhou os mexicanos, reuniu-se com o presidente Enrique Peña Nieto e voltou a demonstrar sua capacidade para roubar a cena. Depois de uma hora de conversas, não pediu desculpas pelos seus insultos, deixou de lado os assuntos mais espinhosos e, brincando de estadista, ofereceu-se a inaugurar um “diálogo construtivo” com o país que pisoteou. A bola de curva do magnata, imerso no último trecho da sua campanha eleitoral, será de difícil digestão no México, onde, sem desculpas públicas, muitos consideraram a reunião um fracasso.
A reportagem é de Marc Bassets, publicada por El País, 01-09-2016.
Ele não perdeu a oportunidade. Trump, aproveitando o surpreendente convite do presidente mexicano, voltou a tomar as rédeas da situação. Por um momento, a democrata Hillary Clinton deixou de existir e ele pode concentrar todas suas energias em recuperar terreno nas pesquisas, que marcam uma deterioração inexorável. Ciente disso, protagonizou, nas últimas semanas, uma pequena mudança no seu estilo e tentou conciliar-se com aqueles que insultou. Ou, no mínimo, apelar aos eleitores republicanos tradicionais espantados pela sua retórica incendiária. Com essa ideia em mente, horas antes de seu esperado discurso sobre imigração em Phoenix (Arizona), pisou em uma terra hostil e se viu frente a frente com o representante de um povo sobre o qual lançou seus discursos mais inflamados.
“Tenho muita afeição pelo México, compartilhamos interesses comuns, mas quero proteger o povo dos Estados Unidos”, afirmou. Em suas palavras, indicou seu esforço para amenizar sua imagem e aparar as arestas. “Um México próspero é o maior interesse dos Estados Unidos”, disse. Mas, em nenhum momento, retratou-se por ter chamado os imigrantes de estupradores e assassinos, nem por querer obrigar o vizinho do sul a pagar por um gigante muro. “Falamos do muro, mas não de quem vai pagá-lo”, chegou a dizer [informação que Peña Nieto desmentiu posteriormente no Twitter: “No começo da conversa com Donald Trump, deixei claro que o México não pagará pelo muro”]. No espinhoso assunto sobre a fronteira que os dois países compartilham, reclamou o direito “de qualquer nação” de construir um muro físico e simplesmente ofereceu aumentar a colaboração em inteligência. Mostrou-se mais dócil ao tratar de outros demônios, como o avariado tratado de livre comércio ou a defesa à indústria manufatureira. Nesses pontos, como se já fosse presidente, abriu-se a uma colaboração “hemisférica” e ofereceu um olhar no futuro.
A intervenção de Peña Nieto tentou percorrer essa última estrada. Não fez recriminações diretas, nem exigiu um pedido público de desculpas. Buscou a conciliação e, onde houve discordâncias no passado, plantou a cooperação. “Podemos ou não concordar, mas sua presença mostra um ponto em comum: que nossos países são muito importantes um para o outro”, afirmou. Seguindo essa linha, enfatizou a construção de um clima de respeito em relação ao México. “A comunidade mexicana contribui para a prosperidade dos Estados Unidos; são pessoas de bem, que respeitam a família e a lei. Merecem o respeito de todos”, frisou o presidente.
Talvez tenha sido um avanço, mas foi pouco diante da magnitude do terremoto causado no México pelo republicano. Em uma iniciativa que muitos consideraram suicida, o presidente mexicano convidou Hillary Clinton e o magnata, na última sexta-feira. O objetivo era demonstrar que sua administração é neutra nas eleições e que o vencedor, independente de quem seja, terá o seu apoio. Uma posição que deriva do sentimento da administração mexicana de que um enfrentamento com Trump pode resultar em um incêndio com consequências incalculáveis.
O republicano representa um desafio histórico para a diplomacia de Peña Nieto. Uma bomba política. Suas propostas de construir um muro, cortar as remessas ou levar a cabo expulsões maciças de imigrantes não o transformaram apenas em um dos personagens mais impopulares do México, mas mostraram um abismo ainda maior: o risco de ruptura entre dois países que compartilham 3.185 quilômetros de fronteira. Diante dessa perspectiva, a reunião, segundo fontes diplomáticas, buscou evitar esse perigo e diminuir as tensões.
Mas a reunião com Trump, um encontro privado habilmente magnificado pelo republicano, foi mais do que isso e se tornou uma faca de dois gumes. Dar a mão a Trump foi entendido pela oposição como uma hesitação. Um cumprimento destinado a afundar um presidente que, com a economia estagnada e a violência desenfreada, atravessa mínimos históricos de popularidade.
Ciente dessa ruptura, Peña Nieto reconheceu que houve desencontros no passado, mas, em vez de insistir neles e adotar a linha dura, preferiu içar a bandeira do interesse público. “Creio no diálogo para promover os interesses do México. Minha prioridade é proteger os mexicanos, onde quer que eles estejam”, justificou.
Em meio a tanta pressão, o resultado da reunião será visto com clareza nos próximos dias, quando aparecerem as suas conclusões e a opinião pública mexicana tiver feito a digestão. Mas, sem uma desculpa clara de Trump, o presidente mexicano dificilmente alcançará seu objetivo. No fim das contas, para milhões de cidadãos, o encontro cara a cara não era com o candidato, mas com eles, um povo lutador que foi humilhado pela xenofobia e prepotência do americano.
O republicano, em troca, brincou de estadista e, apesar de muitos poucos dos seus compatriotas conseguirem imaginá-lo tratando com outros líderes internacionais e ganhando seu respeito, passou uma imagem de moderação e conciliação. Os elementos que precisa para alcançar seu objetivo: a Casa Branca.
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Trump não pede desculpas a Peña Nieto por insultar o México - Instituto Humanitas Unisinos - IHU