09 Agosto 2014
Em Roma, Papa Francisco se encontra com Mark Vincent Healy. Foto: L’Osservatore Romano.
Houve uma sensação de enorme importância observada em relação ao primeiro encontro do Papa Francisco com seis sobreviventes de abusos sexuais infantis cometidos pelo clero, ocorrido no último dia 7 de julho. Os sobreviventes vieram da Irlanda, Inglaterra e Alemanha.
O depoimento é de Mark Vincent Healy, publicado pelo jornal The Irish Times, 05-08-2014. A tradução é de Isaque Gomes Correa.
Histórias de décadas envolvendo abusos sexuais infantis e acobertamentos estiveram representadas neste encontro. Tive a oportunidade de me encontrar com os sobreviventes da Inglaterra e Alemanha. Houve uma afinidade imediata entre nós, que espero aproveitar para, um dia, constituir um conselho de sobreviventes que dará voz a muitas questões de outras vítimas ao redor do mundo.
A minha experiência de abuso por membros da Congregação do Espírito Santo, ou padres espiritanos, constituiu minha mensagem ao papa. Estou pressionando o Estado e a Igreja Católica para pesquisar sobre o autoflagelo e suicídio bem como sobre a provisão de serviços de socorro e espaços seguros.
Marie Kane e eu não nos teríamos ido a Roma senão pelos sobreviventes irlandeses que desbravaram o caminho, apoiados por pessoas tais como a falecida Mary Raftery e a também falecida Christine Buckley.
Menção especial deve ser feita a Andrew Madden, quem, em 1995, foi o primeiro a ir a público na Irlanda, enfrentando obstáculos jurídicos, religiosos e sociais de críticas, rebaixamento e negação que caracterizou a defesa da Igreja e do Estado em resposta ao escândalo.
De modo coletivo, os sobreviventes irlandeses forçaram um mundo relutante a entender o que estava acontecendo na vida de algumas crianças na Irlanda e em missões no exterior há décadas nas mãos de religiosos.
Indiferença estatal
Aqui, tudo isso ocorreu num Estado em grande parte indiferente em nome do qual o então chefe de governo Bertie Ahern pediu desculpas em 1999 pelo “nosso erro coletivo em não intervir, detectar suas dores, vir em seu socorro”. Um pedido de esculpas semelhante foi feito em 2009.
A forma que o Estado vai verdadeiramente responder a este escândalo reside na resposta que ele dará a Louise O’Keeffe, na sequência da decisão de janeiro deste ano feita pelo Tribunal Europeu de Direitos Humanos, segundo a qual o Estado era responsável pelo bem-estar de todas as crianças irlandesas em idade escolar.
Alastraram-se batalhas travadas por sobreviventes no sentido de se fazerem ouvir e garantir uma prestação de contas por parte da hierarquia católica de que se sabia sobre os crimes cometidos e que se permitiu com que se espalhassem pelo país.
Menção especial deve ser reservada ao primaz católico, o cardeal Sean Brady, cuja liderança pode ser melhor descrita através da admissão de suas “falhas”, ainda que tenha se recusado a apresentar uma proposta de renúncia.
Ao fazer assim, Sean Brady trouxe desgraça para um escritório que deve ser irrepreensível, caso este deveria ter algum significado ou um conjunto de normas que em que os católicos pudessem confiar. Concordo com Marie Kane e outros: ele deveria ter se afastado com um pedido de desculpas pelas infrações graves causadas.
Alguns iriam responsabilizá-lo por crimes cometidos contra crianças e que eram evitáveis.
Ilusões perdidas
Foi contra este cenário que dois sobreviventes irlandeses se encontraram com o papa no mês passado. O que aconteceu em Roma constituiu uma mudança monumental. Em seu reconhecimento, o papa descontruiu todas as ilusões deixadas sobre a realidade terrível e intergeracional enfrentada pelos sobreviventes.
A minha mensagem, no entanto, não teve sucesso devido a um erro em não me auxiliar no sentido de ter acesso à mídia mundial reunida em Roma naquele dia. Isso acabou não me dando a cura reconhecida de ser visto e ouvido na ocasião. Mas, pelo contrário, fui ocultado e silenciado.
Analisar a homilia do papa dada na manhã deste mesmo dia, na Casa Santa Marta, antes de nos encontrarmos é ver ilustrada uma grande mudança na perspectiva em resposta aos abusos sexuais clericais. Realmente, os assessores jurídicos da Igreja ao redor do mundo devem ter entrado em choque quando ouviram suas palavras.
O papa derrubou muitos dos argumentos jurídicos usados para insultar e magoar sobreviventes e seus familiares, apresentando um claro reconhecimento de suas dores e sofrimento. Nas palavras do arcebispo de Dublin, Dom Diarmuid Martin: o Papa Francisco está disposto a deixar o conforto dos 99 e ir ao encontro daquele que se perdeu.
O papa está desarmando o engano do falso argumento e reconhecendo a verdade terrível dos efeitos do abuso sexual infantil cometido pelo clero contra a dignidade humana, contra a dignidade de alguém feito à imagem do Deus vivo.
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“Mudança monumental” em Roma sobre a questão dos abusos sexuais - Instituto Humanitas Unisinos - IHU