Por: André | 24 Fevereiro 2014
Loris Capovilla (foto) foi testemunha de momentos decisivos da história da Igreja católica. Foi o secretário do Papa João XXIII e seu principal colaborador desde a época em que Angelo Roncalli era patriarca de Veneza. Está com 98 anos e a esta altura da vida, a última coisa que esperava é que Francisco o incluísse entre os 19 novos cardeais criados no sábado.
Fonte: http://bit.ly/1hIlUDt |
Está convencido de que Francisco o elegeu para recordar os sacerdotes anciãos que serviram e continuam servindo. Algo que ele está disposto a continuar fazendo durante muito tempo.
Pede-me para fazer a entrevista por escrito, mas depois a comentamos pessoalmente. Quando lhe pergunto como está, sorri e responde com outra pergunta: “Por dentro ou por fora?” Não tinha previsão de viajar a Roma para receber o barrete púrpura. Os achaques o obrigaram a acompanhar a cerimônia pela televisão. Estava em sua casa de Sotto il Monte, a cidade natal do Papa bom, para onde se transferiu há décadas.
A entrevista é de Javier Martínez-Brocal e publicada no jornal espanhol ABC, 22-02-2014. A tradução é de André Langer.
Eis a entrevista.
Em outubro completou 98 anos. Como está?
Olha, me atrevo a dizer que estou feliz. Ou quase.
Como soube que Francisco o faria cardeal?
Estava acompanhando pela televisão o Angelus do Papa, e ouvi a lista dos novos cardeais. Imagina a surpresa...
Como terá reagido João XXIII à notícia?
Não sei como é a vida no além... Mas olha, ele acreditava na beleza de cada dia, no nosso tempo. E eu acredito que os anjos e os santos participam das alegrias da gente.
E você, como se sente?
Com o passar do tempo tentei colocar em prática o que João XXIII ensinava: “Descreve o dia de hoje com calma e confiança; lê e julga o passado com prudência e benevolência; pressagia o futuro sem carregá-lo de estranhas fantasias”. Não me custa nada reconhecer que poucas vezes vivi assim. Peço perdão a Deus e aos meus companheiros de viagem.
Como está se preparando nestes dias?
Estou recordando e meditando com a ajuda da Bíblia meus deveres como batizado, como sacerdote e como testemunha. São três flores que aceito e coloco no umbral da Casa Santa Marta, no Vaticano.
Como era João XXIII?
Gosto de descrevê-lo com a epígrafe composta por mons. Amleto Tondini para seu funeral: “Bondade feita pessoa: amou com inefável ternura a todos, a cada pessoa, como se fossem filhos”. E em vida, durante sua agonia e após sua morte, correspondemos ao seu amor de um modo maravilhoso.
Recorda algum episódio especial do seu Pontificado?
Pense que em 25 de novembro passado, Vladimir Putin foi recebido pelo Papa Francisco. Nesse mesmo dia, 52 anos antes, o presidente da URSS, Nikita Kruschev enviou uma mensagem respeitosa e quase cordial a João XXIII.
Por que era uma novidade?
Imagina... Era em 1961, em plena Guerra Fria. Lembro disso perfeitamente. Às 13h30 estava o Papa almoçando e tocou o telefone. Era o secretário de Estado, o cardeal Cicognani. Disse-me: “Por favor, desça um momento. Tenho uma mensagem para o Santo Padre”. “Eminência, como o Papa está aqui, você não quer subir?”, respondi. O cardeal entrou no refeitório visivelmente emocionado, e entregou ao Papa um envelope que havia chegado à Nunciatura da Santa Sé na Itália.
O que era?
Uma mensagem da Embaixada russa. Dizia: “Por favor, em nome de Nikita Sergeyevich Kruschev, comunicar à Sua Santidade o Papa João XXIII, por ocasião do seu 80º aniversário, felicitações e sinceros desejos de boa saúde e de sucesso na sua nobre aspiração de contribuir para o reforço e a consolidação da paz na terra, e a solução dos problemas internacionais através de negociações francas. Peço-lhe que aceite minha mais alta consideração”.
Como o Papa reagiu?
Ficou em silêncio. Depois disse: “Senhor cardeal, melhor receber um afago do que uma bofetada... Esta mensagem poderia ser um engano, uma ilusão, uma instrumentalização. Mas também um fio que a Providência me envia. E nesse caso não tenho direito de cortá-lo”.
Respondeu ao telegrama?
Sim, no dia seguinte, a Secretaria de Estado respondeu ao Kremlin a partir de notas do Papa: “Resposta às felicitações do Senhor Kruschev: Sua Santidade o Papa João XXIII agradece as felicitações e manifesta, por sua vez, também a todo o Povo russo, cordiais desejos de aumento e consolidação da paz universal, através de felizes acordos de fraternidade humana. E eleva orações para obtê-lo”.
Naquele momento, ninguém teria imaginado que em poucas décadas o presidente russo teria visitado várias vezes o Papa no Vaticano.
Estamos vivendo verdadeiramente a aurora anunciada por João XXIII no dia 11 de outubro de 1962: nenhum medo. Coração generoso com todo mundo. Portas e janelas abertas de dia e de noite para todos.
Uma mensagem que lembra a do Papa Francisco...
Eu rezo para que em nossos dias ninguém se atreva a romper as oportunidades, a cortar os fios que a Providência nos envia, embora pareçam insignificantes e inúteis. Trata-se da glória de Deus e do bem da família humana.
Que conselho nos daria hoje o Papa João XXIII?
Não me atreveria... Mas creio que é válido para todos os tempos o conselho que ele recebeu do seu bispo: Para ser cristão é preciso pensar grande e olhar longe e para o alto.
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“Agora vivemos verdadeiramente a aurora anunciada por João XXIII”, disse Loris Capovilla - Instituto Humanitas Unisinos - IHU