Por: André | 21 Janeiro 2015
Com lágrimas nos olhos, descreveu os gestos dos filipinos, que nestes dias o surpreenderam. A quem lhe perguntou o que queria dizer quando falou de “colonização ideológica” da família, respondeu com um exemplo concreto que viveu na Argentina, quando lhe propuseram que a condição para contar com determinados financiamentos para as escolas era a introdução de livros de texto com a teoria de gênero.
Durante a conversa com os jornalistas no voo de retorno de Manila para Roma, Francisco falou novamente sobre a liberdade de expressão e sobre as provocações, indicando que a violência é injusta, mas convidando a usar a virtude humana da prudência. Ao responder sobre o tema da corrupção, recordou um episódio que viveu em primeira pessoa. Anunciou viagens à América Latina e à África nos próximos meses. Falou sobre os anticoncepcionais e sobre a paternidade responsável, denunciando o novo malthusianismo, que quer o controle da natalidade, mas sobre o número de filhos nas famílias disse: “Há quem acredita que para ser bom católico devemos ser como coelhos”.
Ao final da entrevista coletiva, que durou mais de uma hora, Francisco felicitou por seu aniversário a vaticanista mexicana da Televisa, Valentina Alazraki, a quem deu um presente. Além disso, teve um bolo para todos os jornalistas festejarem.
Fonte: http://bit.ly/1BuBYBT |
A reportagem é de Andrea Tornielli e publicada no sítio Vatican Insider, 19-01-2015. A tradução é de André Langer.
O que aprendi com os filipinos
“Os gestos me comoveram, não foram gestos protocolares, mas sentidos: gestos do coração. Quase fazem chorar (o Papa tinha os olhos cheios de lágrimas, ndr.). A fé, o amor, a família, o futuro, nesse gesto dos pais quando levantavam os filhos para que o Papa os abençoasse. Levantavam os filhos, um gesto que não se vê em outros lugares. É como se dissessem: ‘Este é meu tesouro, este é meu futuro, por isso vale a pena trabalhar e sofrer’. Um gesto original, que brotou do coração. A segunda coisa que me surpreendeu muito: um entusiasmo não falso: a alegria, a felicidade, a capacidade de fazer festa. Inclusive debaixo d’água... As mães que carregavam os seus filhos doentes... Muitas crianças deficientes, com deficiências que podem impressionar; não escondiam os seus filhos, levantavam-nos para que o papa os abençoasse: ‘Este é meu filho, é desse jeito, mas é meu’. Todas as mães fazem isso, mas é a forma de fazê-lo que me surpreendeu... Um gesto de maternidade e de paternidade. Um povo que sabe sofrer, que é capaz de levantar-se novamente e de seguir em frente.”
A pobreza em Manila e Colombo
“Os pobres são as vítimas desta cultura do descarte. Hoje, descartam-se as pessoas; vém-me à mente a imagem das castas... Na minha diocese de Buenos Aires, havia uma zona nova que se chama Portomadero, e imediatamente depois começaram as favelas. Na primeira parte há 26 restaurantes de luxo, deste lado há fome. Uma parte colada à outra. Nós teríamos a tendência de nos acostumar a isso... Aqui estamos nós, lá estão os descartados. Essa é a pobreza e a Igreja deve dar cada vez mais o exemplo ao rechaçar qualquer mundanismo. Para nós, os consagrados, os bispos, os sacerdotes, as freiras, os leigos, o pecado mais grave é o mundanismo. É muito feio ver um consagrado, um homem de Igreja, uma freira mundanos. Este não é o caminho de Jesus, a Igreja de Jesus. É uma ONG que se chama Igreja, é outra coisa. A Igreja é Cristo morto e ressuscitado por nossa salvação, e o testemunho dos cristãos que seguem a Cristo. Às vezes, nós, sacerdotes ou leigos, escandalizamos; o caminho de Jesus é difícil. É verdade, a Igreja deve despojar-se. Quanto ao terrorismo de Estado, não pensei, mas você me fez pensar que também este descarte pode ser um terrorismo de Estado. Verdadeiramente, não são carícias: é como dizer: ‘Não, tu não, fora...’. Aqui, em Roma, um vagabundo tinha dor de estômago e quando ia ao hospital davam-lhe uma aspirina. Ele foi encontrar um sacerdote, que o viu, comoveu-se e disse: ‘Eu te levo ao hospital, mas quando eu começar a explicar o que você tem, faz de conta que vai desmaiar’. E assim, caiu, um artista, o fez bem... Tinha uma peritonite. E este, caso estivesse sozinho, iriam descartá-lo e morreria. Esse pároco estava disposto e ajudou, estava longe do mundanismo. Pode-se pensar que isto é um terrorismo? Pode-se pensar...”
A colonização ideológica da família
“Darei apenas um exemplo do que vi. Há 20 anos, em 1995, uma ministra da Educação havia pedido um significativo empréstimo para construir escolas para os pobres (nas zonas rurais, ndr.). Concederam-lhe o empréstimo sob a condição de que nas escolas houvesse um bom livro para as crianças de determinado nível. Um livro escolar, didaticamente preparado bem, no qual se ensinava a teoria de gênero. Esta mulher precisava do dinheiro e essa era a condição... Ela, imediatamente, disse que sim, e mandou fazer outro livro (o segundo com uma orientação teórica diferente, e os dois textos foram distribuídos juntos, ndr.). Esta é a colonização ideológica: entram num povoado sem ter nada a ver com essa população, ou só com grupos dessa população, mas não com a população, e a colonizam com uma ideia que quer mudar uma mentalidade ou uma estrutura.”
“Durante o Sínodo, os bispos africanos se queixavam do fato de que determinados empréstimos são concedidos sob determinadas condições. Aproveitam-se das necessidades de um povo como oportunidade para entrar e fortalecer-se com as crianças. Mas não é nenhuma novidade. As ditaduras do século passado fizeram a mesma coisa; entraram com suas doutrinas: pensem na juventude hitlerista... O povo não deve perder sua liberdade, cada povo tem sua cultura, sua história. Quando os impérios colonizadores impõem ideias, tratam de fazer com que os povos percam sua identidade... Cada povo deve conservar a própria identidade sem ser colonizado ideologicamente. Há um livro, escrito em Londres em 1903, é O Senhor do Mundo, o autor é (Robert H.) Benson: aconselho sua leitura e entenderão bem o que quero dizer.”
Abertura à vida
“A abertura à vida é condição para o sacramento do matrimônio. Paulo VI estudou isso: como fazer para ajudar, muitos casos, muitos problemas... muitos problemas que tocam o amor da família. Mas havia algo mais, a recusa de Paulo VI (na encíclica Humanae Vitae, que dizia não aos anticoncepcionais, ndr.) não se relacionava apenas com casos pessoais: disse aos confessores que fossem compreensivos e misericordiosos. Ele via o neomalthusianismo universal que buscava um controle de natalidade por parte das potências: menos de 1% dos nascimentos na Itália, o mesmo na Espanha. Isso não significa que o cristão deva ter filhos em série. Repreendi uma mulher que se encontrava na oitava gravidez e que fez sete cesarianas: ‘Quer deixar os seus filhos órfãos? Não se deve tentar a Deus...’. Mas queria dizer que Paulo VI era um profeta.”
Sobre os anticoncepcionais
“Eu penso que o número de três filhos por família, de acordo com o que dizem os técnicos, é o número importante para manter a população. A palavra chave para responder é a paternidade responsável, e cada pessoa, no diálogo com seu pastor, busca a forma de realizar essa paternidade... Perdoem-me, mas há alguns que acreditam que para sermos bons católicos devemos ser como coelhos, não? Paternidade responsável: por isso, na Igreja há grupos matrimoniais, os especialistas nestas questões, e há pastores. Eu conheço muitos caminhos lícitos, que ajudaram nisto. E outra coisa: para os mais pobres, o filho é um tesouro; é verdade que devemos ser prudentes, mas o filho é um tesouro. Paternidade responsável, mas também considerar a generosidade desse pai ou dessa mãe que vê no filho ou na filha um tesouro.”
Liberdade de expressão e reações diante dos insultos
“Na teoria, podemos dizer que uma reação violenta diante de uma ofensa, uma provocação, não se deve fazer, não é boa. Podemos dizer o que o Evangelho diz, devemos oferecer a outra face. Em teoria, podemos dizer que nós compreendemos a liberdade de expressão. Em teoria estamos de acordo. Mas somos humanos e existe a prudência, que é uma virtude humana da convivência humana. Eu não posso provocar, insultar constantemente uma pessoa, porque corro o risco de irritá-la, corro o risco de receber uma reação injusta. Mas é humano. Digo que a liberdade de expressão deve levar em conta a realidade humana, e por isso deve ser prudente; uma forma de dizer que deve ser educada. A prudência é a virtude humana que regula as nossas relações. Uma reação violenta é sempre má. Mas, paremos um pouco, porque somos humanos, corremos o risco de provocar os outros. Por isso, a liberdade deve vir acompanhada da prudência.”
Próximas viagens à África, à América Latina e aos Estados Unidos
“África: o plano é ir à República Centro-Africana e a Uganda. Creio que será no final do ano. Esta viagem tem um pequeno atraso, porque houve o problema do ébola. É uma grande responsabilidade promover grandes encontros de massa por causa do risco do contágio. Mas nestes dois países não há problema. Estados Unidos: as três cidades são Filadélfia, para o Encontro com as Famílias, Nova York, para a visita à ONU, e Washington. Gostaria de ir à Califórnia, para a canonização de Junípero Serra, mas penso que será um problema de tempo, seriam necessários mais dois dias. Penso que vou fazer a canonização em Washington; é uma figura nacional. Entrar nos Estados Unidos pela fronteira do México seria uma coisa bonita, como sinal de fraternidade, para ir ao México sem visitar a Nossa Senhora (de Guadalupe, ndr.) seria um drama... Creio que serão estas três cidades estadunidenses. Os países latino-americanos previstos para este ano são: Equador, Bolívia e Paraguai. No ano que vem, se Deus quiser, irei ao Chile, Argentina e Uruguai.”
A corrupção política...
“A corrupção, hoje, no mundo, está na ordem do dia, e a atitude corrupta aninha-se facilmente nas instituições, porque uma instituição tem muitos papéis, chefes e vice-chefes... a corrupção é tirar do povo. A pessoa corrupta que faz negócios corruptos ou governa corruptamente ou que se associa a outros para fazer um negócio corrupto, rouba do povo. As vítimas são aqueles que vivem na pobreza... A corrupção não está fechada em si mesma: vai e mata. Hoje, a corrupção é um problema mundial. Em 2001, perguntei ao chefe do gabinete do presidente daquele momento: ‘Diga-me, da ajuda que vocês enviam ao interior do país (tanto contêineres como ajuda alimentar e as roupas), quanto chega ao seu destino?’ Imediatamente, este homem, que era limpo, me disse: ‘35%’. Era 2001, na minha pátria.”
E a corrupção na Igreja...
“Quando falo da Igreja, gosto de falar de batizados, de fiéis, e todos somos pecadores. Mas quando falamos de corrupção, falamos de pessoas corruptas ou de instituições da Igreja que caem na corrupção. E há casos, sim. Recordo uma vez, em 1994, recém nomeado bispo no bairro de Flores, vieram dois funcionários de um ministério visitar-me. E me disseram: ‘Você tem muitas necessidades com estes pobres... Nós podemos ajudar; se quiser, podemos dar-lhe 400 mil pesos (cerca de 400 mil dólares)...’. Eu os escutava, porque quando a oferta é tão grande até o santo desconfia. E depois me disseram: ‘Para fazer esta doação, nós fazemos o depósito e depois você dá a metade do dinheiro para nós’. Nesse momento eu pensei no que fazer: ou os insulto ou lhes dou um chute onde o sol não pega, ou me faço de bobo. Fiz-me de bobo. Respondi-lhes: ‘Mas, vocês sabem que o vicariato não tem conta? Você vai ter que depositá-lo na conta da arquidiocese, com recibo’. E foram embora. Pensei: ‘Se estes dois aterrissaram diretamente sem pedir pista (e este é um mau pensamento) é porque algum outro disse que sim...’. Recordemos isso: pecadores, sim, corruptos, nunca! Devemos pedir perdão por esses católicos, esses cristãos que escandalizam por suas corruptelas. Mas há muitos santos e santos pecadores, não corruptos. Vejamos a Igreja santa.”
As mulheres na Igreja
“Quando digo que é importante que as mulheres sejam mais consideradas na Igreja não é apenas para dar-lhes uma função, a secretaria de um dicastério... não, mas para que nos digam como sentem e veem a realidade, porque veem a partir de uma riqueza diferente, maior.”
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“Assim tentaram me corromper”. Entrevista com o Papa Francisco - Instituto Humanitas Unisinos - IHU