12 Abril 2012
O novo texto do Código Florestal irá “agravar a vulnerabilidade das populações tradicionais frente os agentes econômicos interessados em suas terras e recursos”, adverte o pesquisador da USP.
Confira a entrevista.
“Na região oeste do Pará – e comumente em quase toda a Amazônia – o poder político se funde como poder econômico”. É por causa dessa união que os crimes ambientais ocorrem e não são fiscalizados, assegura Maurício Torres, que desenvolve pesquisa em Altamira, junto dos povos ribeirinhos e tradicionais da Amazônia. “Muitas prefeituras da região oeste paraense ilustram isso. Rurópolis teve recentemente seu vice-prefeito, Vilson Gonçalves, preso em decorrência de acusação por assassinato e por roubo de madeireiras em áreas de unidades de conservação”, relata.
A partir dessa realidade detectada no norte do estado, o pesquisador critica o novo texto do Código Florestal, especialmente seu artigo 62, que delega aos estados a responsabilidade de analisar a recomposição nas margens dos rios. “Conferir ao poder político local a competência de decidir e agir em relação à questão ambiental pode significar algo como empoderar o madeireiro ou o desmatador para que ele próprio decida sobre seus limites e suas punições”, assegura. E dispara: “Caso o Ibama fosse vinculado ao estado do Pará, ou se o órgão encarregado da fiscalização fosse estadual, teríamos razão para crer que desmatadores e ladrões de madeira agiriam na maior tranquilidade”.
Torres também critica a anistia aos desmatadores proposta pelo novo texto do Código Florestal, pois “se a sensação de impunidade ainda deixava qualquer dúvida, agora fica bem explicado que toda violência contra o meio ambiente ou seus defensores será sempre perdoada”.
Na entrevista a seguir, concedida por e-mail para a IHU On-Line, o pesquisador também comenta a Lei de Gestão de Florestas Públicas e enfatiza que ela é “um novo marco regulatório para a continuidade da pilhagem histórica da Amazônia, criado sob o discurso da preservação ambiental e do axioma do ‘desenvolvimento sustentável’. Ela estabelece um aparato político e jurídico para ordenar o território de modo a novamente viabilizar o acesso a recursos florestais para grandes grupos econômicos”.
Maurício Torres é mestre em Geografia Humana pela Universidade de São Paulo – USP e pesquisador da instituição.
Confira a entrevista.
IHU On-Line – Como ficam as competências dos governos estaduais e federal no novo Código Florestal? Com base em sua experiência de pesquisa no oeste do Pará, percebe alguma relação direta entre o poder político local e o poder econômico no cumprimento ou descumprimento da legislação ambiental?
Maurício Torres – Na região do oeste do Pará – e comumente em quase toda a Amazônia – o poder político se funde com o poder econômico. Esse último, por sua vez, muito comumente se associa a (ou mesmo decorre de) crimes ambientais. Conferir ao poder político local a competência de decidir e agir em relação à questão ambiental pode significar algo como empoderar o madeireiro ou o desmatador para que ele próprio decida sobre seus limites e suas punições.
Muitas prefeituras da região oeste do Pará ilustram isso. Rurópolis teve recentemente seu vice-prefeito, Vilson Gonçalves, preso em decorrência de acusação por assassinato e por roubo de madeireiras em áreas de unidades de conservação.
O atual prefeito de Itaituba coleciona autuações milionárias por desmatamento e extração ilegal de madeira.
As prefeituras de Aveiro e Trairão já tiveram máquinas apreendidas pelo Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis – Ibama por terem sido flagradas cometendo crimes ambientais no interior de unidades de conservação.
A menção honrosa no envolvimento de políticos locais com crimes ambientais talvez caiba ao vice-prefeito de Anapu, Laudelino Délio Fernandes Neto, suspeito de envolvimento no assassinato de Dorothy Stang, em 2005. Ele é dono de uma das maiores madeireiras da região e acusado de roubo de madeira em área de assentamento de reforma agrária, entre várias outras coisas.
Poder político e econômico
A proporção de madeira ilegal no todo comercializado é assustadora, fruto de uma verdadeira organização criminosa da madeira. E essa rede criminosa tem a dimensão que tem porque, quando não está instalada nos seus cargos administrativos, é altamente infiltrada e influente na administração pública local. Além do que, é claro, sempre financia as campanhas eleitorais.
A situação chega a extremos de um gerente do Ibama em Santarém-PA já ter enfrentado pressão da então governadora Ana Júlia Carepa para que fossem interrompidas as ações de fiscalização contra madeireiros ilegais em período de campanha eleitoral. Caso o Ibama fosse vinculado ao estado do Pará, ou se o órgão encarregado da fiscalização fosse estadual, teríamos razão para crer que desmatadores e ladrões de madeira agiriam na maior tranquilidade.
É claro que o governo federal também tem seus comprometimentos (e como os tem!). Belo Monte está aí para quem quiser ver como o governo Dilma está disposto a romper com qualquer princípio de legalidade e, mesmo, de razoabilidade para levar adiante seus interesses políticos. Entretanto, ao menos sob a competência do governo federal, o polo de decisões ficaria um pouco mais distante dos domínios de poder dos interessados locais na degradação ambiental.
IHU On-Line – Qual o atual cenário da região oeste do Pará e, especialmente, de Altamira no que se refere ao cumprimento da legislação ambiental?
Maurício Torres – Grandes obras como a de Belo Monte, em Altamira, aumentam (e aumentarão muito mais) a demanda de materiais como madeira na região. Não há qualquer perspectiva de haver a suficiente quantidade de produto legal para a necessidade criada. Então, potencializa-se – e muito – o mercado negro calcado no crime ambiental.
Além disso, peculiaridades do empreendimento em relação aos atropelos para seu licenciamento a qualquer custo (emissão de licenças inventadas, desconsideração a mais de uma dezena de ações judiciais movidas pelo Ministério Público Federal – MPF, etc.) acabam por imprimir o tom de que quem manda é o interesse do capital, independentemente de ser legal ou não.
A isso veio se somar a alteração do Código Florestal, em que a prepotência do agronegócio mostra seu poder e o deixa bem claro com a proposta de anistia aos desmatadores. Se a sensação de impunidade ainda deixava qualquer dúvida, agora fica bem explicado que toda violência contra o meio ambiente ou seus defensores será sempre perdoada.
Não é coincidência que os já terríveis índices de violência no campo tenham piorado após os sucessos da bancada ruralista na alteração do Código. Assim também como não é coincidência que tenham começado enfrentamentos e emboscadas a agentes do Ibama e do ICMBio, como o ocorrido em Castelos dos Sonhos (Distrito de Altamira) no início de deste mês. Essa é uma das consequências mais evidentes da política ambiental do governo Dilma.
IHU On-Line – Quais os desafios de cumprir uma legislação ambiental como o Código Florestal em regiões como a da floresta amazônica, onde há inúmeros conflitos entre produtores rurais, camponeses e povos da floresta na disputa pela terra?
Maurício Torres – Não há como pensar em conservação ambiental na Amazônia sem os povos da floresta: indígenas, ribeirinhos, quilombolas, varjeiros, beiradeiros e mais um sem-número de autoidentificações que são tratadas pela lei como “povos e comunidades tradicionais”.
É sempre muito ingênuo acreditar na eficácia de ações de fiscalização e de monitoramento que não contem com a participação das comunidades locais. E a discussão do novo Código Florestal aponta o sentido contrário: vem agravar a vulnerabilidade das populações tradicionais frente os agentes econômicos interessados em suas terras e recursos.
Os conflitos são quase sempre polarizados entre expropriados e expropriadores. São raras as disputas entre pequenos, entre colonos e ribeirinhos, por exemplo. No mais das vezes, esses grupos se alinham frente ao inimigo comum, vindo das classes dominantes e que lhes ameaça de expropriação.
A delineação que o novo Código Florestal vem tomando, apesar de se apoiar num discurso do favorecimento do pequeno, fragiliza-o sensivelmente em relação ao grande.
IHU On-Line – Em que consiste a Lei de Gestão de Florestas Públicas e quais são as suas implicações? Alguns ambientalistas dizem que, para as áreas florestais, ela é mais danosa do que o Código Florestal.
Maurício Torres – A Lei de Gestão de Florestas Públicas é um novo marco regulatório para a continuidade da pilhagem histórica da Amazônia, criado sob o discurso da preservação ambiental e do axioma do “desenvolvimento sustentável”. Ela estabelece um aparato político e jurídico para ordenar o território de modo a novamente viabilizar o acesso a recursos florestais para grandes grupos econômicos.
Seus formuladores partiram da míope crença de que as florestas públicas eram “subutilizadas” e de que teriam de impulsionar a economia e gerar renda. “É a economia da floresta que vai salvar a floresta”, diziam.
Apoiados em uma pseudorracionalidade técnica, mas, na verdade, sem outra orientação que não a do lucro, eles tentam justificar a importância das matas pelo quanto elas podem ser úteis ao “homem moderno”. Como se as populações que as ocupam fossem “atrasadas”. Como se a ponderação ética sobre a diversidade social e biológica não fosse suficiente para motivar a vida da floresta e de seus povos, embasa-se a importância da natureza como “recurso”, matéria-prima à espera de seu destino inequívoco: mercadoria.
A partir dessa lei, permite-se a concessão de florestas públicas para a exploração privada de recursos madeireiros e serviços florestais. As concessões florestais não privatizam a terra; privatizam, isto sim, a floresta e abrem um novo caminho preocupante: o acesso e o controle da terra por meio de seus recursos florestais. Trata-se de algo como o que acontece com as danosas concessões minerais. Primeiramente foi o controle do subsolo, agora é por meio do acesso ao recurso florestal que se entregam as florestas ao capital. E, mesmo sendo concessão, não deixa de ser controle territorial privatizado. E controlar terra é poder, é controlar a vida e a morte das pessoas que vivem nela. Nesse sentido, nunca é demais lembrar: a Amazônia é ocupada. Ela não é um deserto humano.
IHU On-Line – Como você se manifesta diante do novo Código Florestal? Concorda com o texto aprovado pelo Senado?
Maurício Torres – Sem dúvida que não. A proposta já era péssima quando saiu da Câmara e conseguiu ficar pior. Porém, ninguém pode dizer que seja incoerente. Tudo vai em consonância com os retrocessos da agenda socioambiental capitaneados pelo governo Dilma. Tudo está em consonância com um governo que entende a floresta e seus povos como um obstáculo a ser transposto. Algo como uma concepção bandeirante de desenvolvimento.
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Código Florestal: Uma ''concepção bandeirante de desenvolvimento''. Entrevista especial com Maurício Torres - Instituto Humanitas Unisinos - IHU