Por: Cesar Sanson | 11 Abril 2012
Se não houver fiscalização, em 30 anos a floresta será completamente destruída. Brasileiros estão entre os grandes desmatadores.
A reportagem é do The New York Times e reproduzida pelo jornal Gazeta do Povo, 11-04-2012.
A floresta espinhosa do Chaco, um território com temperaturas de 49 graus e tão inóspito que paraguaios chamam a região de “inferno verde”, cobre uma extensão do tamanho da Polônia. Tribos de caçadores-coletores ainda vivem entre os vastos labirintos de quebrachos.
Mas, embora o Chaco tenha permanecido hostil à maioria dos empreendimentos humanos durante séculos; e onças, lobos-guará e nuvens de insetos ainda habitem suas matas, a natureza desafiadora da região pode estar finalmente sendo derrotada.
Enormes trechos do Chaco estão sendo devastados em uma invasão de um dos recantos mais remotos da América do Sul por pecuaristas do Brasil, o gigantesco vizinho do Paraguai, e por menonitas de língua alemã, descendentes de colonizadores que chegaram na região há quase um século e trabalham como agricultores e fazendeiros.
Segundo o antropólogo americano Lucas Bessire, que trabalha na região, há tanta terra sendo devastada por tratores e tantas árvores sendo queimadas que o céu às vezes ganha um tom “cinza crepuscular” no meio do dia. “Acordamos com gosto de cinzas na boca e com uma fina camada branca na língua”, disse.
No mínimo 485 mil hectares do Chaco foram desmatados nos últimos dois anos, de acordo com análises por satélite do Guyra, um grupo ambiental de Assunção, a capital do país. Ainda segundo o grupo, fazendeiros abrindo caminho para suas enormes criações de gado já devastaram cerca de 10% das florestas do Chaco nos últimos dez anos. Isso se reflete no crescimento da exportação de carne.
“O Paraguai, infelizmente, já está entre os campeões de desmatamento”, afirmou o promotor e ex-ministro do Meio Ambiente Jose Luis Casaccia, sobre o enorme desmatamento que vem ocorrendo nas florestas atlânticas do leste do Paraguai nas últimas décadas, causado pelo cultivo de soja. Restam pouco mais de 10% das florestas originais. “Se insistirmos nessa loucura”, disse Casaccia, “quase todo o Chaco poderá ser destruído nos próximos 30 anos.”
Motivações
A corrida por terra já está transformando pequenos assentamentos na fronteira do Chaco em centros em expansão. Os menonitas, cuja fé protestante anabatista foi formada na Europa do século 16, fundaram assentamentos no local nos anos 1920. O local é repleto de pequenas cidades com nomes como Neuland, Friedensfeld e Neu-Halbstadt.
Impulsionadas por sua nova prosperidade, essas comunidades de menonitas são diferentes de outras na América Latina, como os assentamentos na Bolívia, onde muitos menonitas ainda usam carroças e roupas tradicionais.
Em Filadélfia, os jovens menonitas atravessam as estradas nos limites da cidade em caminhonetes Nissan. Bancos anunciam empréstimos para comerciantes de gado. Postos de gasolina vendem tabaco e cervejas como a Coors Light. Um rodeio anual atrai visitantes de todo o Paraguai.
O gerente de comunicação de uma cooperativa menonita em Filadélfia, Patrick Friesen disse que o preço das propriedades aumentou cinco vezes nos últimos anos. “Um terreno na cidade custa mais do que no centro de Assunção”, disse Friesen, atribuindo o crescimento repentino, em parte, ao aumento da demanda global de carne.
“Oitenta e cinco por cento da nossa carne é exportada para lugares como África do Sul, Rússia e Gabão”, comentou. Ao falar da preocupação de alguns países em relação à febre aftosa, que o Paraguai detectou em seu gado em 2011, ele disse: “atualmente, estamos focados em mercados menos exigentes.”
Exploradores dizem cumprir legislação
Criticadas por seu papel no desmatamento, as comunidades menonitas admitem que grandes trechos de floresta da região foram removidos. Mas eles negam a culpa, afirmando que operam dentro da lei paraguaia, que exige que proprietários preservem um quarto de suas terras no Chaco. “O que os brasileiros fazem, comprando terras com a sua moeda forte, é algo completamente diferente”, disse Franklin Klassen, membro da câmara municipal de Loma Plata, uma cidade menonita.
Por todo o Paraguai, é impossível ignorar a influência econômica do Brasil, simbolizada nos cerca de 300 mil brasiguaios que são conhecidos por ajudar na expansão industrial e pecuária no país.
Já existe muita tensão em relação ao aumento no número de propriedades de brasileiros. Tranquilo Favero, um produtor de soja e pecuarista brasileiro que é um dos homens mais ricos do Paraguai, provocou a ira de muitos paraguaios quando disse que os camponeses sem terra deveriam ser tratados “como mulher de malandro, que só obedece quando leva pau.”
O promotor Jose Luis Casaccia afirmou que Favero, sozinho, controla cerca de 250 mil hectares de terra no Chaco. Outros fazendeiros confirmaram terem aumentado suas posses de terra ali. Nelson Cintra, do Mato Grosso do Sul, disse que ele e seu irmão estão entre os primeiros brasileiros a explorar o Chaco, em 1997. “Hoje em dia, há um milhão de cabeças de gado no Alto Paraguai, onde, há 15 anos, havia apenas 50 mil”, destacou.
Nos arredores de Filadélfia, a transformação do Chaco, de uma indomada floresta em um bastião da pecuária, parece irreversível. Cerca de 80 ayoreos vivem em situações precárias à beira de uma estrada. Às vezes, os homens ayoreos trabalham como peões, ao preço de US$ 10 por dia. “Nunca mais viveremos na floresta”, disse Arturo Chiquenoi, um ayoreo de 28 anos que trabalha ocasionalmente como peão de fazenda. “Aquela vida não existe mais.”
Índios estão em situação miserável
A questão mais preocupante é que a corrida por terra tem aumentado o impacto sobre os povos indígenas do Chaco. Um grupo de caçadores-coletores, os ayoreos, está sendo especialmente afetado pelas mudanças. Em 2004, 17 falantes da língua ayoreo entraram em contato com o mundo exterior pela primeira vez.
Em Chaidi, um vilarejo perto de Filadélfia, eles disseram que, há anos, têm sido atormentados por escavadeiras que vêm cercando as suas terras. A palavra em ayoreo para escavadeira é “eapajocacade”, que significa “agressor do mundo.”
“Eles estavam destruindo nossas florestas e gerando problemas para nós”, afirmou, por meio de intérprete, o indígena Esoi Chiquenoi que acredita estar na casa dos 40 anos. Como resultado disso, ele e outros de seu grupo, que até 2004 vestiam tangas, abandonaram abruptamente o seu meio de vida. Chiquenoi e outros índios em Chaidi mencionaram parentes que ainda vivem na floresta, seguindo um estilo de vida tradicional, o que talvez faça deles a última tribo (cerca de 20 índios) isolada da América do Sul fora da Amazônia. Alguns pesquisadores questionam se eles são realmente isolados, ou meramente escondidos, já que vivem em meio a enormes fazendas de gado criadas ao seu redor.
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Pecuaristas brasileiros estariam ameaçando o Chaco, o “inferno verde” paraguaio - Instituto Humanitas Unisinos - IHU