Por que a Igreja não quer e não pode abolir a lei do celibato? Artigo de Leonardo Boff

Foto: Gabriel Manjarres/Pexels

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10 Outubro 2025

"A partir daí, enfrentaremos de forma diferente a questão do celibato e do estilo de Igreja que seria mais adequado à sua mensagem libertadora", escreve Leonardo Boff, teólogo, filósofo e escritor, autor, entre outros livros, de Sustentabilidade: o que é – o que não é (Vozes), em artigo publicado por Redes Cristianas, 07-10-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.

Eis o artigo.

O surgimento de casos de padres pedófilos em quase todos os países católicos continua e revela a extensão desse crime que tanto dano causou às suas vítimas. Não basta dizer que a pedofilia desonra a Igreja ou pedir desculpas e rezar. É pior. Representa uma dívida impagável para com aqueles menores que foram abusados sob o manto de credibilidade e confiança que o ofício sacerdotal encarna.

A Igreja talvez deveria ser um pequeno mundo reconciliado que representa os outros e a humanidade toda? Acontece que dentro desse pequeno rebanho existem pecadores criminosos, e é tudo menos um mundo reconciliado. O escândalo da pedofilia é um sinal dos nossos tempos. Do Concílio Vaticano II (1962-1965), aprendemos que devemos descobrir nos sinais o pedido que Deus nos deseja transmitir. Parece-me que o pedido segue esta linha: é hora de a Igreja Católica Romana fazer o que todas as outras Igrejas já fizeram: abolir o celibato imposto por uma lei eclesiástica e torná-lo livre para aqueles que veem nele um sentido e conseguem vivê-lo com alegria e frescor de espírito.

Mas essa decisão não está sendo tomada pelas autoridades romanas. Pelo contrário, apesar dos escândalos, estão reafirmando o celibato com ainda mais força. Sabemos quão inadequada é a educação para a integração da sexualidade no processo de formação sacerdotal. Acontece longe do contato normal com as mulheres, o que produz uma certa atrofia na construção da identidade. As ciências psicológicas afirmaram claramente que o homem amadurece somente sob o olhar da mulher, e a mulher sob o olhar do homem. Homem e mulher são recíprocos e complementares.

O sexo genético-celular demonstrou que a diferença entre um homem e uma mulher, em termos de cromossomos, se reduz a um único cromossomo. Essa integração é dificultada pela ausência de uma das partes, a da mulher, substituída pela imaginação e por fantasmas, que, se não disciplinados, podem gerar distorções. O que se ensinava nos seminários não é desprovido de sabedoria: quem controla a imaginação, controla a sexualidade. Em grande medida, isso é verdade. Mas a sexualidade possui uma força vulcânica. Paul Ricoeur, que refletiu filosoficamente por muito tempo sobre a teoria psicanalítica de Freud, reconhece que a sexualidade escapa ao controle da razão, das normas morais e das leis. Vive entre a lei do dia, onde valem regras e comportamentos estabelecidos, e a lei da noite, onde operam a pulsão, a força da vitalidade espontânea. Somente um projeto de vida ético e humanista (o que queremos ser) pode orientar a sexualidade e transformá-la em uma força de humanização e de relações frutíferas.

O celibato não está excluído desse processo. É uma das opções possíveis, que eu apoio. Mas o celibato não pode nascer de uma falta de amor; pelo contrário, deve derivar de uma superabundância de amor a Deus que se derrama sobre aqueles que nos rodeiam. Por que a Igreja Católica Romana não dá um passo à frente e abole a lei do celibato? Porque ela contradiz sua própria estrutura. É uma instituição total, autoritária, patriarcal, altamente hierárquica, e um dos últimos bastiões do conservadorismo no mundo. Diz respeito à pessoa do nascimento à morte. O Cânon 331 é claro: se trata de um poder ordinário, supremo, pleno, imediato e universal. Uma Igreja que coloca o poder no centro fecha suas portas e janelas ao amor, à ternura e à compaixão.

O celibatário é funcional para esse tipo de Igreja, pois nega ao celibatário aquilo que o torna mais profundamente humano: o amor, a ternura e o encontro afetivo com as pessoas, que seriam mais facilmente favorecidos se os padres fossem casados. Tornam-se completamente disponíveis à instituição, que pode enviá-los a Paris ou à Coreia do Sul.

O celibato implica a completa cooptação do padre para o serviço não da humanidade, mas desse tipo de Igreja. Ele deverá amar apenas a Igreja. Quando descobre que esta não é apenas a Santa Madre Igreja, mas também pode ser uma madrasta que usa seus ministros em nome do poder, ele se desilude, abandona o ministério com o celibato obrigatório e se casa.

Enquanto essa lógica de poder absolutista e centralizador persistir, não podemos esperar que a lei do celibato venha a ser abolida, não importa quantos escândalos ocorram. O celibato é conveniente demais e útil para a instituição eclesiástica.

Mas o que resta do sonho de Jesus de uma comunidade fraterna e igualitária? Bem, esse é outro problema, talvez o principal. A partir daí, enfrentaremos de forma diferente a questão do celibato e do estilo de Igreja que seria mais adequado à sua mensagem libertadora.

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