03 Fevereiro 2025
“A saída dos Estados Unidos da Organização Mundial da Saúde (OMS) representaria um duro golpe para a saúde global. Quem pagaria as consequências seriam tanto os países mais pobres, que precisam de ajuda, quanto os países industrializados, devido à inevitável perda de poder na identificação e no controle de agentes patógenos emergentes que poderiam dar origem a novas pandemias”. Giovanni Rezza, professor de Higiene e Saúde Pública da Universidade Vita-Salute San Raffaele, em Milão, e ex-diretor geral de Prevenção em saúde do Ministério da Saúde, fala sobre esse tema.
A entrevista é de Valentina Arcovio, publicada por La Stampa, 24-01-2025. A tradução é de Luisa Rabolini.
Professor, acredita que Donald Trump está falando sério?
Trump nunca escondeu sua aversão à OMS e, em alguns aspectos, eu entendo e compartilho algumas de suas críticas. Mas também é verdade que, mesmo no passado, os EUA estiveram prestes a deixar a organização, mas depois houve um repensamento...
Acredita que a decisão de Trump é uma jogada de poder?
Obviamente não podemos ter certeza. Mas não se pode descartar a possibilidade de que essa manobra faça parte de uma estratégia que visa aumentar, de forma totalmente legítima, o peso que os Estados Unidos têm dentro da OMS. Portanto, espero que seja uma espécie de cabo de guerra, e é razoável que um país doador reivindique papel decisivo. Mas, ao mesmo tempo, não descarto a possibilidade de que os EUA tenham realmente chegado a um ponto sem retorno. Certamente, as consequências para a OMS e seus países membros serão bem fortes. Não podemos esquecer que os EUA são os principais financiadores da OMS e isso deve significar alguma coisa.
Quais poderiam ser as consequências da saída dos EUA?
A perda de poder da OMS afetaria principalmente os países mais fracos, onde a pesquisa e os sistemas de saúde são particularmente sustentados justamente pela organização. Graças à OMS, importantes programas humanitários foram criados nos países mais pobres, em guerra e vítimas de desastres naturais.
Estamos falando de programas de nutrição, prevenção e assim por diante. Interrupções ou desacelerações também poderiam inviabilizar os esforços para erradicar algumas doenças infecciosas com efeitos negativos em outros países do mundo.
Sem os EUA na OMS, a gestão de uma possível futura pandemia seria mais difícil?
A redução de poder da OMS não beneficiaria nem a prevenção nem a gestão de uma pandemia. Mesmo que a OMS tenha cometido muitos erros no passado, continua sendo um ponto de referência importante para os países do mundo. É provável que a cooperação da OMS com as principais agências dos EUA, como os CDC, continuaria por meio de acordos bilaterais. É impensável imaginar que os CDC fiquem de fora do monitoramento das infecções emergentes, mas há o risco de que essa cooperação seja reduzida. E a pandemia do Covid-19 deveria nos lembrar que os esforços globais devem ser intensificados e não reduzidos.
Mas a importância dos EUA é puramente uma questão econômica?
A questão econômica tem seu peso, mas não se trata apenas de dinheiro. Se os planos de Trump viessem a se concretizar nesse sentido, o principal investidor na OMS provavelmente passaria a ser a China. Isso significa que a OMS não apenas terá que enfrentar uma redução substancial de fundos, mas também que um país como a China ganhará mais influência. E a China, embora esteja mudando profundamente e melhorando seu desempenho, no passado foi muito criticada pelos estadunidenses pela falta de transparência em algumas de suas operações.
As críticas de Trump à OMS são infundadas ou tem algum fundamento?
Acredito que não são totalmente infundadas. Por exemplo, é verdade que, nas decisões da OMS e na alocação de cargos, não é apenas o mérito pessoal que entra em jogo, mas também os equilíbrios geopolíticos.
Não é nenhum mistério o fato de que o peso de vários lobbies poderosos paira sobre a OMS. E também é verdade que a gestão de certas crises sanitárias ao longo do tempo não viram brilhar a organização, principalmente por causa do temor das consequências econômicas de determinadas escolhas. Além disso, há o nó do ‘tratado pandêmico’ e o temor compartilhado por muitos países de que possa minar a soberania nacional. Portanto, concordo que é necessária uma reforma da OMS, que continua sendo um órgão do qual precisamos. Certas crises sanitárias são de âmbito global e é necessária a coordenação de um órgão supranacional que possa indicar uma estratégia comum.
Basta pensar na recente gestão no Congo do que parecia ser uma doença de origem desconhecida. Naquele caso, a OMS desempenhou um papel importante na coordenação dos esforços dos vários órgãos envolvidos.
Portanto, é bom esperar que a OMS se acerte com Trump de uma vez por todas? “Certamente, a esperança é que se chegue a um acordo e que algo de bom resulte de todo essa discussão, como uma reforma da OMS capaz de melhorar a transparência e a capacidade de ação da organização. Pode e deve ser melhorada, e é melhor que isso aconteça em um contexto de pacífica cooperação internacional, que inclua os Estados Unidos.