19 Novembro 2024
Os planos que o presidente eleito, Donald Trump, tem em relação à imigração não assustam apenas os migrantes indocumentados e os defensores de seus direitos; empresários e economistas temem o dano econômico que uma drástica deportação em massa de trabalhadores, que são parte fundamental da força de trabalho do país, possa causar. Líderes empresariais, republicanos e democratas se uniram para pedir que Trump não leve adiante suas promessas de expulsão, pois causariam uma profunda crise na economia, especialmente em setores como o agrícola e os serviços.
A reportagem é de Patrícia Caro, publicada por El País, 18-11-2024.
“Os dados mostram que mais de 54% dos nossos empregados são indocumentados. Se vão deportar todos, esses restaurantes terão uma perda massiva de receitas e vão falir. Isso é insustentável. Acho que o presidente Trump, como empresário, entende isso”, afirma Sam Sánchez. Mexicano-americano, casado com uma mexicana, ele é proprietário de vários negócios de restauração em Illinois e faz parte do conselho da Associação Nacional de Restaurantes. Sánchez foi um dos latinos que mudou de lado no último dia 5 de novembro. Democrata registrado por 40 anos, nesta eleição ele votou em Trump: “Nos sentimos traídos e abandonados”.
Essa é uma das razões que levou muitos hispânicos a votar no republicano, depois que a Administração de Joe Biden descumpriu suas promessas de regularizar os migrantes indocumentados. O último revés, no entanto, não veio do Governo, mas dos tribunais, quando o juiz J. Campbell Barker, nomeado por Trump em seu primeiro mandato, anulou o programa Mantendo as Famílias Unidas, que concedia residência legal aos cônjuges de cidadãos americanos.
Mas, se a economia e o custo de vida foram as principais razões que levaram os latinos a se inclinarem por Trump, a ideia de uma deportação em massa trará efeitos devastadores, segundo alertam até seus eleitores. “Sou a favor de construir o muro e de deportar os criminosos”, afirma Sánchez, mas com a expulsão de trabalhadores “o país sofrerá”. Após a pandemia, muitos empregados de restaurantes pediram o seguro-desemprego, explica, e os que ficaram são indocumentados, que não podem acessar as ajudas.
Segundo o American Immigration Council, os lares de imigrantes indocumentados pagaram 46,8 bilhões de dólares em impostos federais e 29,3 bilhões em impostos estaduais e locais. Além disso, contribuíram com 22,6 bilhões de dólares para a Segurança Social e com 5,7 bilhões para o Medicare, programas para os quais não são elegíveis.
“Neste novo panorama, é vital que empregadores como nós interajam e eduquem esta nova Administração e o Congresso sobre a urgência de adotar políticas que estabilizem a força de trabalho”, diz Bob Worsley. Ex-senador republicano no Estado do Arizona e empresário, Worsley co-preside a American Business Immigration Coalition (ABIC), que reúne mais de 1.400 líderes empresariais de 17 estados, vermelhos e azuis, cujo trabalho é promover reformas migratórias que melhorem a força de trabalho e a competitividade nos negócios.
Como empresário do setor de construção no Arizona, ele lembra o dano que a política “Muéstrame los papeles” causou à economia, o que fez com que 40% dos imigrantes indocumentados deixassem o estado entre 2007 e 2016, segundo dados do Pew Research. A saída deles reduziu o PIB do Arizona em uma média de 2% ao ano, e o emprego foi 2,5% menor do que teria sido sem a expulsão, segundo um estudo da Moody’s para o The Wall Street Journal. “Isso afetará o crescimento do PIB nos Estados Unidos, as empresas e todos os americanos, que serão impactados por uma hiperinflação no mercado de trabalho e por atrasos para conseguir qualquer emprego rotineiro”, opina Worsley, cuja organização promove uma solução bipartidária.
Os economistas estimam que a deportação causaria uma queda do Produto Interno Bruto (PIB) de entre 2,6% e 6%. Nos níveis de 2023, isso representaria uma perda entre 711 bilhões e 1,6 trilhões de dólares por ano.
No setor de serviços, as empresas que oferecem cuidados seriam algumas das mais afetadas, já que boa parte de seus empregados são indocumentados. Adam Lampert, diretor executivo da empresa texana Cambridge Caregivers, explica as vantagens de legalizar os trabalhadores indocumentados: “Nossa indústria é um exemplo claro de como a modernização das políticas de imigração pode beneficiar todos os americanos, reduzindo potencialmente o custo da atenção em todas as áreas”. Sem mudar a legislação para atender às necessidades da força de trabalho, “os americanos correm o risco de perder o acesso à atenção de que precisam à medida que envelhecem, porque o custo da atenção continua a aumentar”, garante. Sua empresa emprega mais de 300 pessoas, das quais 80% nasceram no exterior.
Lampert explica que a indústria de serviços de assistência sofreu muito durante a pandemia, quando 410.000 enfermeiros deixaram seus empregos por esgotamento. Os hospitais recorreram aos cuidadores e os salários aumentaram 30%, repercutindo no preço cobrado aos clientes. A previsão da indústria é que a demanda por cuidadores aumente à medida que os baby boomers envelheçam, uma necessidade que não poderá ser atendida se os indocumentados que ocupam milhões de vagas forem expulsos.
Outro setor que mais sentirá o impacto será o agrícola. “Se os agricultores como eu perderem a força de trabalho de imigrantes, a produção agrícola cairia entre 30 bilhões e 60 bilhões de dólares”, estima Jenni Tilton-Flood, proprietária de uma fazenda familiar em Maine. Ela defende um plano migratório que legalize os trabalhadores do setor, sem os quais a segurança alimentar do país estará em risco. Dois terços dos empregados de sua empresa são estrangeiros, e ela é testemunha do temor que está se espalhando pela comunidade. “Falo em nome de fazendas como a minha, que estão sob o controle da CBP (Oficina de Aduanas e Proteção de Fronteiras) devido à nossa proximidade com uma fronteira internacional. É muito possível que separem as famílias. Grande parte da minha equipe está criando americanos em casa. Há muita preocupação e muito pânico. E ouço isso de pessoas em todo o país, não importa em quem votem”, garante.
A esmagadora vitória de Donald Trump no dia 5 de novembro alertou as 6,3 milhões de famílias que têm migrantes indocumentados. Esses lares representam 4,8% dos 130 milhões de lares americanos. As nomeações anunciadas esta semana pelo republicano só aumentaram os temores; os arquitetos das deportações que separaram famílias no primeiro mandato de Trump assumirão o comando de sua política migratória a partir de 20 de janeiro.
“Todos os dias, minha família se pergunta: E se for forçado a ir embora? E se todos formos forçados a sair? E se nos tirarem tudo o que temos?”, conta Óscar Silva, um dos dreamers que chegou criança aos Estados Unidos. Casado com uma americana, ele iria se inscrever no programa DACA quando um juiz o paralisou, e estava no processo de legalizar sua situação com o programa Mantendo as Famílias Unidas, quando outra decisão judicial o anulou. Agora ele teme o pior, embora não encontre uma resposta razoável para justificar o que está por vir.
“É difícil entender por que alguém faria isso conosco, sabendo o impacto que teria não só em nossa família, mas em toda nossa comunidade. São políticas como essas que prejudicam o potencial dos Estados Unidos para crescer e inovar. Os imigrantes sempre foram contribuintes chave para a economia, a cultura e a inovação deste país”, sustenta.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
Empresários, republicanos e democratas, alertam Trump sobre o desastre econômico da deportação em massa - Instituto Humanitas Unisinos - IHU