11 Abril 2024
"O que estamos assistindo só mostra, uma vez mais, que precisamos de um órgão regulador para acompanhar o funcionamento, receber denúncias, propor medidas de contenção de discursos criminosos. É um órgão público, com participação social, que deve garantir o exercício de direitos e deveres na rede."
O comentário é de Helena Martins, integrante do Diracom, jornalista e professora da Universidade Federal do Ceará (UFC), em artigo publicado por Brasil de Fato, 09-04-2024.
O Brasil está sob ataque. As manifestações de Elon Musk ameaçando não seguir ordens judiciais mostram a falta de respeito à nossa democracia, ameaçam nossa soberania e mostram a necessidade de avançarmos na regulação das plataformas, com a aprovação do Projeto de Lei (PL) 2630. O cumprimento de decisões judiciais é uma obrigação para indivíduos e empresas, e uma possível violação não tem amparo legal nenhum. Não se justifica também pela empresa estar sediada em outro pais, especialmente considerando que ela tem representação no Brasil.
Na União Europeia, por exemplo, um amplo conjunto de regras sobre plataformas foi aprovado e nenhuma saiu dos países que adotaram a legislação. O próprio Musk reconhece a soberania nacional no caso da Índia, onde, possivelmente por afinidade com o governo de extrema direita daquele país, tem se comprometido a seguir as regras estabelecidas. No Brasil, a ameaça de descumprir decisões judiciais, acompanhada do discurso de deslegitimação das eleições de 2022, caracteriza-se como um movimento do proprietário da X de partir em defesa dos golpistas de 8 de janeiro de 2023. Trata-se, portanto, de um ataque à soberania popular depositada nas urnas.
Musk é dono também da Starlink, que está envolvida em planos de conexão de escolas. Até que ponto ele poderia usar a Starlink para afetar a política brasileira ou mesmo driblar decisões judiciais? Importante ressaltar que, embora seja o X a protagonizar a polêmica atual, não é a única plataforma que se move por interesses próprios e por afinidades com a direita. O Facebook e o Telegram também já foram questionados por suas condutas permissivas ou mesmo promotoras da desinformação. Todo esse quadro mostra que precisamos desenvolver plataformas nacionais soberanas, especialmente no caso de serviços estruturais, que garantem acesso a aplicações diversas.
O Diracom entende que o debate político é sobre soberania. A ideia de liberdade de expressão tem sido usada pela direita, mas liberdade não se confunde com crimes. Se há questionamento de decisão judicial, a empresa pode recorrer, mas não descumprir, pois atua em território regido por leis próprias, não pela lei da empresa. Ao contrário do que defendem as corporações, é preciso avançar na regulação das plataformas. Defendemos a aprovação do PL 2630, que pode estabelecer regras claras, estrutura participativa e democrática de órgãos fiscalizadores e reguladores e sanções que orientem a atuação do Judiciário. A regulação é um primeiro passo fundamental e deve ser complementada por políticas que fomentem a existência de outras plataformas.
A regulação pode também afastar problemas jurídicos. O Supremo Tribunal Federal (STF), na ausência de definição por parte do Legislativo sobre regulação das plataformas, tem avançado sobre o lugar do legislador por meio de seus atos. Recentemente, decisões do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) sobre eleições estabeleceram medidas que modificam o que está definido na lei principal sobre internet no Brasil, o Marco Civil da Internet. Esse não é o caminho ideal. O espaço para formulação de condutas é o Legislativo. Cabe ao Judiciário acompanhar seu cumprimento. Por isso, mais uma vez, é fundamental que o Brasil avance no debate sobre o PL 2630.
O projeto tem como eixo central a transparência. Ele dispõe, entre outras medidas, sobre informações que devem ser apresentadas pelas plataformas e da guarda dessas informações. Também trata de acesso por parte de pesquisadores, o que Musk tem inviabilizado recentemente, aliás. As informações, pelo texto do projeto, devem ser apresentadas em relatórios e avaliadas por órgão competente, um processo muito mais transparente e democrático.
Podemos avançar para melhorar o projeto, tendo em vista a situação atual. Um ponto controverso é a forma de responsabilização das plataformas. Consideramos pertinente atualizar o Marco Civil da Internet para que as plataformas sejam responsabilizadas em determinados casos, especialmente quando recebem dinheiro e agenciam a circulação de conteúdos, no processo chamado monetização. Mas não consideramos adequado exigir o "dever de cuidado" das plataformas. O que estamos assistindo só mostra, uma vez mais, que precisamos de um órgão regulador para acompanhar o funcionamento, receber denúncias, propor medidas de contenção de discursos criminosos. É um órgão público, com participação social, que deve garantir o exercício de direitos e deveres na rede.
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Ataque de Musk expõe necessidade de regulação das plataformas digitais. Artigo de Helena Martins - Instituto Humanitas Unisinos - IHU