29 Fevereiro 2024
Em meio à enxurrada de denúncias que relacionam atividades da companhia com desmatamento na Amazônia, executivos buscam ganhar mais tempo e vão à Flórida para buscar mais abertura com empreendedores americanos e apresentar ‘diversificação de investimentos’.
A reportagem é de Fábio Bispo, publicada por InfoAmazonia, 27-02-2024.
A JBS, maior produtora de proteína animal do mundo, adiou o pedido de listagem das suas ações na bolsa de valores dos Estados Unidos para o segundo semestre deste ano. A informação foi confirmada pelo diretor financeiro da companhia, Guilherme Cavalcanti, em entrevista à Bloomberg logo após uma conferência em Boca Raton, na Flórida, onde a companhia apresentou seu plano para entrar no mercado norte-americano em meio a denúncias de relação com crimes ambientais na Amazônia.
O evento, uma das principais feiras de alimentos dos EUA, contou com a presença de Wesley Batista Filho e executivos da empresa. Eles buscaram desconstruir a imagem de que a JBS comanda somente frigoríficos, segundo relataram os empresários à Revista Exame, e mostrar que a companhia pode superar sazonalidades dos mercados e voltar a fazer novas aquisições com a entrada na bolsa norte-americana.
A listagem em Nova York é vista pela JBS como uma oportunidade de financiar sua expansão nos segmentos de alimentos de marca e processados, que oferecem margens de lucro superiores às de suas operações tradicionais de carnes, e, consequentemente, aumentar o valor das ações da empresa.
A aparição dos executivos da JBS ocorre em meio a uma série de denúncias e reclamações contra a entrada da companhia no mercado de capitais dos EUA. Pelo menos cinco reclamações já foram apresentadas à Securities and Exchange Commission (SEC, em inglês), a comissão de valores mobiliários norte-americana, apontando envolvimento da JBS com o desmatamento da Amazônia e com práticas de greenwashing, além do histórico dos empresários da família Batista em casos de corrupção no Brasil e nos Estados Unidos.
A promessa de lançamento das ações da JBS no mercado norte-americano está em curso desde julho do ano passado, mas a avaliação do órgão econômico dos EUA tem demorado mais que o previsto. Agora, os empresários prometem apresentar uma nova proposta, que só deve ser divulgada após saírem os resultados financeiros de 2023, esperados para 26 de março. Além disso, a JBS precisará que a maioria dos seus acionistas aprovem a listagem das ações em Nova York, o que deve ocorrer por votação em até 45 dias após um eventual aceite da SEC.
A entrada da companhia no mercado de capitais depende de uma aprovação da SEC, que terá que analisar as reclamações contra a empresa, uma delas assinada por 15 senadores norte-americanos e encaminhada ao órgão em janeiro deste ano. No documento, políticos Republicanos e Democratas apontam “histórico de corrupção, abusos de direitos humanos, monopolização do mercado de frigoríficos, bem como riscos ambientais” para pedir anulação da proposta apresentada pela empresa brasileira.
Um trecho do documento assinado pelos senadores aponta que “a JBS está ligada a mais destruição de florestas e outros ecossistemas do que qualquer outra empresa no Brasil” e que, apesar das promessas de eliminar o desmatamento em sua cadeia de abastecimento, “não tomou medidas significativas para fazê-lo, apesar de seu conhecimento direto do extenso desmatamento em sua cadeia de suprimentos”.
Os senadores também acusam a companhia de tentar uma reestruturação para consolidar o poder decisório nas mãos dos irmãos Batista, o que limitaria significativamente as opções legais dos investidores americanos.
No contexto de reorganização e abertura de capital, a JBS planeja uma reestruturação que ampliará o controle da família Batista sobre a empresa. Por meio da J&F Investimentos, que atualmente possui 48% dos direitos de voto na JBS, os irmãos Batista irão abrir uma nova empresa, a LuxCO, e então terão poder para emitir 100% das ações classe B, que garantem 10 votos por ação, em contraste com as ações classe A, que oferecem um voto por ação e são acessíveis ao público investidor. Essa manobra garante à família Batista um poder decisório potencialmente ampliado que pode variar entre 75% a 85% sobre a JBS.
No entanto, os executivos da empresa tentarão convencer os investidores de que a mudança garante um comprometimento de longo prazo por acionistas que entendem do negócio. Esse modelo já é adotado por grandes empresas listadas nos EUA e que demandam altos investimentos em tecnologia, como Facebook e Alphabet (dona do Google), e também da originalmente brasileira XP, que acabou optando por abrir o capital na Nasdaq. Com a dupla listagem, as ações da JBS serão negociadas em Nova York e em São Paulo, sendo que as ações adquiridas no Brasil serão lastreadas nas ações Classe A listadas na bolsa de valores de Nova York, a NYSE (abreviação do inglês, New York Stock Exchange).
Estrutura da JBS, se confirmada a reestruturação apresentada à SEC. Apesar de deter apenas 48% das ações, as ações dos irmãos Batista terão mais votos no conselho da empresa. (Imagem: Reprodução | SEC)
Em entrevistas à Bloomberg, ao Neofeed e à Exame, por conta do evento na Flórida, os executivos da JBS minimizaram a questão ambiental e apostam no que chamam de “poder de diversificação” da companhia com a produção de frango, suínos e alimentos preparados.
Sobre o adiamento e a demora na análise da SEC, os empresários afirmam que a JBS não precisa de dinheiro imediato e que isso dará chance de a empresa apresentar aos investidores “melhores resultados a cada trimestre”.
Apesar de não ter como competência avaliar modelos de negócios ou o impacto social das atividades das companhias, a SEC tem implantado regras que obrigam a divulgação das emissões de gases de efeito estufa e os riscos climáticos que as atividades das empresas listadas enfrentam.
Este definitivamente parece ser o calcanhar de aquiles da JBS. A questão ambiental relacionada às atividades da empresa é citada em todas as representações encaminhadas à SEC. A Oferta Pública Inicial (IPO, na sigla em inglês) já foi classificada como a de maior consequência climática da história da bolsa norte-americana, enquanto organizações ambientais apontam riscos de aumento potencial de crimes ambientais caso a proposta da JBS seja aceita.
As denúncias enviadas à SEC listam uma série de casos envolvendo fornecedores da companhia em crimes ambientais, incluindo desmatamento de terras indígenas da Amazônia para abertura de pastagens.
A Mighty Earth, uma das organizações que se posicionou contra a listagem da JBS, identificou 68 casos de desmatamento na Amazônia relacionados à cadeia de fornecimento da companhia e que teriam resultado na devastação de 125 mil hectares de floresta —uma área equivalente ao tamanho da cidade de São Paulo.
O relatório com as evidências de cada um dos casos foi enviado à JBS para tomada de providências, mas os resultados nunca foram conhecidos. Um dos fornecedores identificados pela organização é o Grupo Miranda, dono da Fazenda Muralha, que aparece como proprietário da área com o maior desmatamento registrado na Amazônia em 2022. A Fazenda Muralha é fornecedora direta da JBS em Rondônia.
Fornecedor da JBS, Grupo Miranda, dono da Fazenda Muralha, aparece como proprietário da área que registrou o maior desmatamento na Amazônia em 2022. (Imagem: Reprodução | site JBS)
O fornecimento de gado criado ilegalmente em áreas protegidas ou fruto de desmatamento para frigoríficos da JBS envolve, principalmente, os fornecedores indiretos. A manobra conhecida como “lavagem de gado” ocorre com a transferência de animais criados em áreas ilegais para fazendas regularizadas que abastecem os frigoríficos da rede.
Em 2023, a reportagem da InfoAmazonia identificou que animais com origem na Terra Indígena Uru-Eu-Wau-Wau foram parar na cadeia de abastecimento do grupo Casino Guichard-Perrachon, que controla Pão de Açúcar, Assaí e Extra Hiper. O grupo francês foi denunciado na Justiça da França por manter em suas prateleiras carne de fornecedores ligados diretamente ao desmatamento ilegal na Amazônia. Na época, a JBS alegou à reportagem que não tem controle sobre seus fornecedores indiretos, mas que desligaria esses casos identificados.
Arte: Reprodução | InfoAmazonia
As reportagens da InfoAmazonia foram citadas nas denúncias à SEC apresentadas pelas organizações Mighty Earth e Rainforest Action Network (RAN) como exemplo das violações da companhia em terras indígenas. Os documentos também incluem ilegalidades registradas na compra de gado das terras indígenas Apyterewa e TI Naruvôtu Pequizal, além de uma série de outros casos relacionados ao desmatamento na Amazônia.
A RAN destaca que “o histórico de vínculos da cadeia de suprimentos da JBS com o desmatamento ilegal e violações de direitos humanos expõe os investidores a um alto risco de a empresa se tornar parte em processos de responsabilidade”.
Após o anúncio de adiamento do IPO, o CEO da Mighty Earth, Glenn Hurowitz, divulgou nota declarando que “quanto mais tempo os investidores e os órgãos reguladores tiverem para aprender sobre o histórico de lavagem verde, corrupção e poluição da JBS, mais difícil será para a SEC permitir que essa IPO siga adiante”.
Em janeiro deste ano, a Mighty Earth apresentou uma denúncia contra a companhia por suspeita de fraude na venda de Títulos Verdes, também conhecido como “Green Bonds”. Em 2021, a JBS emitiu 3,2 bilhões desses títulos no mercado vinculados a metas de sustentabilidade que, segundo a organização, não estão sendo cumpridas, além de a empresa ignorar o desmatamento na sua cadeia de fornecedores.
Um pedido semelhante para barrar a JBS na Bolsa dos EUA também foi anunciado por parlamentares do Reino Unido, sob alegação de que “as práticas da empresa representam uma ameaça significativa ao ecossistema para a regulação climática global e à conservação da biodiversidade”.
A JBS tem buscado a abertura de capital na Bolsa de NY há mais de uma década, impulsionada por uma expansão agressiva que incluiu mais de 40 aquisições, totalizando um investimento de US$ 16,8 bilhões. Essa expansão foi parcialmente financiada pelo Banco Nacional de Desenvolvimento Social (BNDES), que se tornou o maior investidor na companhia após os irmãos Batista, detendo 20% das ações.
No entanto, esforços anteriores para entrar na bolsa de NY, especificamente em 2016 e 2017, foram barrados por veto do próprio BNDES e escândalos de corrupção envolvendo Wesley e Joesley Batista.
Desde o anúncio da nova tentativa de abertura de capital no ano passado, o BNDES não expressou publicamente sua posição sobre o plano da JBS. A entidade também se manteve silenciosa em relação às críticas que ligam a companhia ao desmatamento na Amazônia, citando limitações decorrentes de sua posição de acionista minoritário.
Desde 2016, o BNDES tem uma política de investimentos que prevê que o banco público deveria investir e financiar negócios com rebanhos “rastreados de forma ininterrupta, desde o nascimento”, uma norma que a JBS não atende. Ainda assim, o governo federal mantém R$ 8,1 bilhões em ações da JBS e provê mais R$ 9,5 bilhões em linhas de crédito, totalizando R$ 32,5 bilhões em recursos federais investidos na empresa.
O foco estratégico da JBS nos últimos anos tem sido o mercado norte-americano, para onde direcionou aproximadamente 44% de seus investimentos e de onde atualmente provém 51% de sua receita. Nos Estados Unidos, a JBS possui marcas bem conhecidas, como Pilgrim’s (frango) e Swift (carne bovina). Apesar desses esforços estratégicos e das tentativas dos executivos da empresa de ganhar a confiança do mercado, incluindo a ida à Flórida para promover a empresa, as ações da JBS listadas na Bolsa de São Paulo estão em queda desde janeiro, com uma baixa acumulada de 12,4% no valor de mercado até 26 de fevereiro.
A InfoAmazonia tentou contato com a assessoria de imprensa da JBS para esclarecer mais detalhes sobre o adiamento do pedido de entrada na bolsa de Nova York, mas não recebeu retorno até o fechamento desta reportagem. O BNDES também não respondeu aos nossos questionamentos.
Reprodução | Ibovespa
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Pressionada por políticos e ambientalistas, JBS adia entrada na bolsa de Nova York - Instituto Humanitas Unisinos - IHU