29 Janeiro 2024
"Já que a salvação prometida por Jesus Cristo tem início neste nosso mundo, o cristianismo deve ser o de promover a vida, a paz e a justiça. Dai sua pertinência no mundo atual...", escreve Eliseu Wisniewski, presbítero da Congregação da Missão (padres vicentinos) Província do Sul, mestre em Teologia pela Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR).
Numa sociedade secularizada entra em crise a linguagem tradicional para se falar de Deus. Este fato se deve, por um lado, ao progresso das ciências e, por outro lado, à maior consciência atual da transcendência de Deus, ou de seu mistério.
Assim, este livro: O Deus escondido: a pertinência do cristianismo no mundo atual (Vozes, 2023, 104 p.), escrito pelo veterano teólogo jesuíta e renomado professor da PUC-Rio - Mario de França Miranda. Seu autor procura mostrar Deus presente e ativo na própria realidade em contínua evolução. Igualmente busca realçar a importância do cristianismo para a humanidade ao lhe indicar um Absoluto que relativiza as construções humanas ao longo da historia, como também ao lhe oferecer o amor fraterno como fator essencial para o convívio social e para o futuro da humanidade.
MIRANDA, Mário de França. O Deus escondido: A pertinência do cristianismo no mundo atual. Editora Vozes, 2023 (Foto: Divulgação)
No primeiro capítulo intitulado “Deus ausente do mundo secularizado?” (p. 21-49) Miranda salienta que enquanto o cristianismo se apresenta como o sentido último da realidade, da humanidade, da história, sua presença - evanescente em algumas regiões do planeta – representa sem dúvida uma perda para o desempenho de sua missão. Num passado ainda recente não se podia imaginar uma sociedade ocidental sem uma referência explícita a Deus, ou sem respeito a comportamentos provindos da fé cristã. Desaparece Deus da sociedade ou apenas se abandona uma representação de Deus, forjada no “passado” e rejeitada pela cultura atual? É possível mostrar Deus realmente presente, embora de outro modo, na atual e futura sociedade humana? Ressalta, por isso, que a crise de Deus não é propriamente de Deus, mas de sua representação, que, por ser humana e histórica, pode ser antiquada, incompreensível e problemática para gerações posteriores.
Em seguida, no segundo capítulo “Um só Deus” (p. 51-73), observa que por outro lado, os desafios enfrentados hoje pela humanidade atingem todo o planeta devido à mútua dependência de recursos naturais, de alimentos, de conquistas científicas e técnicas, ou mesmo devido à repercussão mundial de guerras, de catástrofes naturais ou de mudanças climáticas locais. Nunca o planeta este tão interconectado, como nunca antes na história se viu uma consciência planetária como a que temos hoje. Todos os habitantes da Terra devem estar empenhados na conservação e na salvação da Casa Comum, já que não se tem um plano B em caso de fracasso. Neste novo cenário da história humana nos perguntamos pelo papel do cristianismo como força motivadora e transformadora em vista de uma humanidade mais unidade e fraterna. E não só do cristianismo, mas também das demais religiões. Haveria nele componentes essenciais também encontrados nas demais, portanto elementos universais, que justificariam um empenho de todos por um melhor futuro do planeta?
Miranda destaca que existem dois componentes fundamentais que possibilitam uma resposta a esta questão. O primeiro deles é a crença, a invocação, a obediência e o culto de uma realidade transcendente, não produto humano, caracterizada em muitas delas como Deus ou mesmo com outras denominações – tratando-se da mesma realidade presente nas várias religiões mais invocada e representada com diferentes nomes.
Outro elemento comum, objeto da reflexão do terceiro capítulo: “Um amor fraterno universal?” (p. 75-97), presente nos seguidores das diversas religiões, diz respeito ao comportamento do ser humano decorrente de sua fé num transcendente, que se manifesta no culto, mas principalmente numa ética que estrutura a própria existência pessoal do indivíduo. Diante disso, Miranda busca responder nestas páginas a seguinte pergunta: Haveria nesta modalidade de vida algum componente básico, encontrado nas diversas religiões, que também pudesse ser caracterizado como de valor universal?
Refletir sobre a pertinência do cristianismo no mundo atual, é, portanto, o intento desta obra -, esclarecendo que o cristianismo enquanto realidade social e histórica é a configuração histórica que assume a fé cristã em consonância com o quadro sociocultural no qual se encontra, pois a fé cristã é professada e vivida em cada época com a linguagem disponível e a organização institucional respectiva, entrevendo a distinção entre a fé cristã como opção livre e consciente no Deus revelado por Jesus Cristo – opção professada e vivida pelo fiel – e as expressões visíveis desta fé nos enunciados doutrinais, nas celebrações de culto, sobretudo sacramentais e nas próprias comunidades dos que creem.
Na leitura desta obra, diante da tentação de engessamento e mumificação com justificações de fidelidade à tradição, o leitor se dará conta que como toda a realidade humana presente na história, também o cristianismo adotará uma linguagem e organização institucional condizente com a sua época. E o faz para que a fé cristã, a mensagem evangélica, possa ser compreendida e acolhida por seus contemporâneos. Assim, seu rico passado apresenta expressões, devoções, celebrações e práticas igualmente imortalizadas nas pinturas, nas esculturas e nas construções sagradas. Contudo, pertinentes em seu tempo podem se tronar não mais significantes, ou seja, herméticas e inócuas para indiferentes gerações posteriores.
As reflexões deste livro se situam no âmbito da fé cristã e como estudo teológico responde didaticamente como pode o cristianismo contribuir para uma maior convivência pacífica de todos os povos. Oxalá que o leitor possa chegar às mesmas conclusões do autor quando diz que o cristianismo não só pode dar sua contribuição, mas deve fazê-lo. Isso porque a mensagem de Jesus Cristo sobre o Reino de Deus já traz em si própria um início de realização no interior da história. O Reino de Deus acontece já neste mundo, embora tenha sua realização perfeita e definitiva na outra vida. Não se trata de um sonho utópico, pois é uma realidade já experimentada na própria história humana. Já que a salvação prometida por Jesus Cristo tem início neste nosso mundo, o cristianismo deve ser o de promover a vida, a paz e a justiça. Dai sua pertinência no mundo atual...
MIRANDA, Mario de França. O Deus escondido: a pertinência do cristianismo no mundo atual. Petrópolis: Vozes, 2023
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
O Deus escondido: a pertinência do cristianismo no mundo atual. Artigo de Eliseu Wisniewski - Instituto Humanitas Unisinos - IHU