05 Outubro 2023
O recém-criado cardeal francês discute a crise da Igreja Católica e enfatiza o retorno aos valores do Evangelho, abordando questões sociais e construindo relações fora dos ambientes tradicionais da Igreja.
A reportagem é de Loup Besmond de Senneville e Céline Hoyeau, publicada em La Croix International, 03-10-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Aos 54 anos, François Bustillo, bispo de Ajaccio, na Córsega, foi criado cardeal pelo Papa Francisco durante o consistório realizado no último fim de semana. Ele foi notado pelo papa devido a seu trabalho, que encoraja homens e mulheres religiosos a redescobrirem a dimensão profética de seu compromisso, dando testemunho do amor intenso e transbordante no ministério no mundo de hoje em constante mudança.
O Papa Francisco pediu que o livro de Bustillo, intitulado “Testemunhas, não funcionários”, que oferece ideias para o ministério pastoral e chama a atenção para velhos e novos desafios, fosse distribuído a todos os padres da Diocese de Roma.
Imagem: Divulgação
Para o cardeal franciscano conventual Bustillo, o caminho para restaurar a credibilidade da Igreja passa por um retorno “ao essencial”. “Estou preocupado com a violência na nossa sociedade”, diz ele nesta entrevista ao La Croix. “Acredito que a Igreja pode fornecer uma resposta.”
O cardeal Bustillo também sublinha a importância de estar presente na vida da sociedade contemporânea. Ele compartilha seu compromisso pessoal de se conectar com pessoas que talvez não vão à missa.
Muitas pessoas dizem que a Igreja Católica está em crise. Uma crise interna, com abusos, vocações em declínio e perda de credibilidade. Compartilha essa avaliação?
Concordo em relação à crise. Mas a vida é crise, e isso não deveria nos paralisar. Desde seu início, a Igreja foi perseguida e sempre sobreviveu. Do Império Romano até maio de 1968, passando pela crise modernista, as crises nos lembram a dimensão pascal da nossa espiritualidade: passamos pela morte para chegar à luz. Não se trata de ser ingênuo nem de negar os problemas, mas temos no mínimo um grande potencial humano e espiritual. O que fazemos com isso? Precisamos tentar ser criativos e ousados.
Como a Igreja pode recuperar sua credibilidade?
Voltando ao essencial. Quando perguntamos a alguns católicos o que a Igreja significa para eles, eles poderão se queixar das vocações, da diminuição da prática ou da cobertura midiática negativa. Mas quem hoje vê a alma da Igreja Católica? Em outras palavras, quem conhece o Evangelho hoje?
Estou inquieto com a violência na nossa sociedade. Acredito que a Igreja pode dar uma resposta. Se os nossos políticos são tão duros e intransigentes entre si, como podem pedir calma? A Igreja pode oferecer respostas do Evangelho que já não são mais conhecidas.
Essa é a sua maneira de evangelizar?
Depende da perspectiva que temos sobre o mundo. O fato de termos uma sociedade distante da religião, até mesmo indiferente, é uma oportunidade a aproveitar. Não conquistaremos a sociedade com novas táticas de comunicação ou de sedução, mas com aquilo que nos é próprio. Os jovens estão se fazendo perguntas existenciais sobre a morte, sobre o além, sobre o amor. Cada vez mais pessoas distantes da Igreja irão nos interpelar sobre os nossos valores, os nossos princípios e a espinha dorsal da Igreja. Como respondemos a isso?
Nos batizados, casamentos ou funerais, as igrejas são frequentadas por pessoas que não são católicas, mas que mesmo assim optaram por estar lá, por amizade a seus entes queridos. Nesses momentos existenciais, temos uma oportunidade única, mas devemos ser muito bons nisso. Seria irresponsável ter 400 pessoas à nossa frente e transmitir-lhes um discurso leviano, clichê e açucarado. Sem tentar seduzir, é aqui que precisamos dizer a mensagem que temos a transmitir sobre a vida, o além e a esperança... E talvez, na assembleia, cinco em cada 400 pessoas se questionem sobre suas vidas, e possamos despertar sua consciência.
E fora das igrejas?
A questão toda é como saber como podemos estar presentes na vida dos nossos contemporâneos. Quando vou a eventos esportivos, não é somente porque eu gosto, mas também porque é uma forma de me reencontrar com pessoas que eu jamais veria na missa dominical. Estou ali para criar uma relação, um vínculo, e para dar visibilidade à Igreja.
Mas você evita falar de Jesus?
Se eu aparecer nas arquibancadas de um estádio vestido com o hábito franciscano, logo sou notado. Mas meu objetivo não é culpabilizar as pessoas, dizendo que elas deveriam ir à missa. Vou me concentrar na qualidade das relações. Estou interessado nas pessoas e no que elas estão vivendo. E talvez elas se interessem por mim.
Vivemos em uma sociedade em que há tanta distância entre as pessoas que, antes de passarmos a um anúncio direto, precisamos criar, como diziam os romanos, a captatio benevolentiae, um campo de confiança. E, quando esse campo estiver estabelecido, poderemos ir mais longe.
Hoje, os católicos são uma minoria. Isso é grave?
Existe algum lugar que diz que temos que ser poderosos? Em lugar nenhum. Ao mesmo tempo, temos um patrimônio poderoso e significativo para o nosso mundo. É esse patrimônio esquecido que devemos oferecer, sem complexos nem arrogâncias.
Você acha que a Igreja deveria ser menos moralista?
É importante redescobrir uma espiritualidade da encarnação que não seja suave nem vaga, que fale ao ser humano moderno. Falamos muito sobre ter, poder, saber e fazer na nossa sociedade ocidental, mas quem fala do ser? Talvez os psicólogos e os coaches, mas em uma lógica comercial também. Quem cuida das pessoas de forma gratuita na nossa sociedade? Precisamos oferecer uma qualidade de ser ao ser humano ocidental que perdeu seu GPS interior, cujo ser profundo não tem densidade e é infeliz.
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“A Igreja pode oferecer respostas evangélicas que já não são conhecidas.” Entrevista com o cardeal François Bustillo - Instituto Humanitas Unisinos - IHU