13 Setembro 2023
Noam Chomsky, linguista e filósofo estadunidense, presidente de honra do CTXT, foi convidado para o podcast do jornalista Ezra Klein para o jornal The New York Times. Durante uma hora, conversou com o jornalista sobre sua concepção de anarquismo e como imagina uma sociedade livre, mas também abordou temas como a crise ecossocial e o Green New Deal, as políticas trabalhistas de Joe Biden, a ascensão da China e a possibilidade de uma guerra nuclear. Compartilhamos suas reflexões de maior destaque.
A reportagem é publicada por CTXT, 07-09-2023. A tradução é do Cepat.
O que é o anarquismo para Chomsky? Algo “óbvio”, diz. Parte do princípio de que nenhuma autoridade ou estrutura de dominação se justifica. Precisam ter uma justificativa para serem legítimas. E algumas têm, segundo Chomsky, mas a maioria não. Então, “as autoridades ilegítimas devem ser desmascaradas, desafiadas e superadas”.
A indústria da publicidade e das relações públicas, que dedica “um esforço extraordinário para criar necessidades, moldar a opinião pública e garantir que as doutrinas desta ordem social não sejam questionadas”, com maior ou menor êxito, é um exemplo de poder ilegítimo.
Diante da ideia de que a autoridade é útil para organizar e fazer avançar determinados projetos, Chomsky explica que “uma sociedade livre pode selecionar pessoas que tenham autoridade administrativa e de outro tipo para se encarregarem de partes do trabalho em prol do bem comum. (...) Mas, estão sob controle popular e podem ser destituídas. Não estão aí porque seu avô construiu ferrovias ou porque conseguiram manipular o mercado para ficar com um montão de dinheiro”.
Como exemplos, cita a cooperativa Mondragón, no País Basco, e “quase qualquer laboratório de pesquisa que funcione decentemente em uma universidade”.
Admite que uma sociedade livre teria que enfrentar conflitos, por exemplo, quando alguns de seus membros se negam a tomar uma vacina e a respeitar as regras de trânsito, mas considera que isso é inevitável.
“Nem mesmo desejaríamos um mundo em que não houvesse conflitos. Seria muito enfadonho viver nele. Existem opiniões diferentes, atitudes diferentes, ideias diferentes. É assim que as mudanças acontecem. A vida deve ser estruturada de modo que seja possível atuar de modo civilizado”, como acontece em uma família feliz ou em uma cooperativa harmoniosa”, explica.
Chomsky considera que a liberdade oferecida pelo capitalismo é “uma piada”, pois o contrato de trabalho sempre é estabelecido em situações de desigualdade. Defende que este deveria ser eliminado em uma sociedade livre. E acredita que a ideia fundamental do capitalismo “libertário” de Von Mises e Buchanan, ou seja, que a aspiração máxima de qualquer pessoa é “ser senhor em um mundo de escravos”, não está certa.
Quando Klein aborda que a competição pelo dinheiro e o status, no capitalismo, pode estimular a inovação e o progresso, Chomsky lhe recomenda “ir a um laboratório de pesquisa”. Considera que no MIT, onde trabalhou por anos, os cientistas não eram movidos principalmente pelo desejo de ganhar dinheiro ou poder, mas pelo “desafio de resolver problemas”. Um impulso que também percebe na curiosidade das crianças. “A maior parte dos que contribuíram para o desenvolvimento da Internet é desconhecida e não ganhou dinheiro com isso”, acrescenta.
De qualquer modo, o linguista se define como “conservador” no que diz respeito à mudança social, no sentido de que acredita não ser correto mudar os sistemas existentes até que uma maioria social compreenda que não são justos. Em sua opinião, se a mudança for forçada antes disso, desembocará em um autoritarismo. No entanto, avalia que o sistema é frágil, que as pessoas o aceitam por inércia e que uma alternativa bem planejada pode rapidamente conquistar apoio.
Questionado sobre como avalia a gestão de Joe Biden, Chomsky diz ter sentimentos contraditórios, mas admite que, a nível interno, as coisas estão indo “melhor do que eu esperava”. “Biden é o primeiro presidente, provavelmente desde Franklin D. Roosevelt, que adota uma posição firme a favor da sindicalização”, afirma.
Considera que o programa Build Back Better de Biden para investir milhares de milhões em auxílio pela pandemia, infraestruturas e políticas sociais é “muito bom” e que a política climática do presidente “está longe de ser perfeita, mas é muito melhor do que a de qualquer um de seus antecessores”.
Chomsky recorda que Biden sempre foi “um democrata conservador, clintoniano”, mas que agora está sob “uma pressão popular muito substancial”. “O ativismo popular que o tem pressionado e pressionado em cada tema, incluindo o mais importante: a destruição do ambiente”, forçou-o a adoptar estas políticas progressistas, em sua opinião.
Em relação ao movimento pelo decrescimento, Chomsky avalia que “há algo de correto” em suas ideias, mas, na sequência, afirma que “resolver a crise climática requer crescimento” e uma enorme quantidade de trabalho.
“Precisamos dos tipos corretos de crescimento”, pondera. “Desenvolvimento de energias alternativas, reconstrução de cidades, transportes em massa eficientes…”. Ao mesmo tempo, é preciso abandonar “o crescimento do consumo esbanjador e os processos agrícolas destrutivos”.
A respeito dos desenvolvimentos tecnológicos que prometem reduzir o nível de carbono na atmosfera, embora se mostre prudente por considerar não ter conhecimentos suficientes acerca desse campo, Chomsky destaca que os especialistas têm dúvidas e que “esses avanços, mesmo que sejam factíveis, mesmo que sejam a coisa certa, não ocorrerão em um período de tempo significativo”. Só temos “uma ou duas décadas” de margem antes que sejam desencadeados processos “irreversíveis” que passarão a deteriorar a situação da humanidade.
“É como as pessoas que dizem, na esquerda, que não vamos resolver a crise climática enquanto não nos desfizermos do capitalismo”, continua. “Não existe qualquer possibilidade concebível de que ocorra o tipo de mudança social do qual falam no prazo necessário para resolver este problema urgente”.
Chomsky celebra a automação: “Qualquer trabalho enfadonho, destrutivo e perigoso, na medida do possível, deveria ser automatizado. Isso libera as pessoas para que possam fazer um trabalho melhor, mais criativo, mais satisfatório e mais seguro. Então, é uma coisa boa”.
No entanto, alerta que a automação pode ser implementada de diversas formas nos centros de trabalho e que a classe dominante sempre escolhe aquela que a permite “transformar as pessoas em sujeitos subordinados, não em agentes e atores independentes”.
Chomsky desconfia dos discursos sobre a ameaça representada pelo crescimento da China. “Quando todo mundo diz a mesma coisa sobre algum tema complexo, deve vir à mente: espere um momento, não pode ser tão simples”, argumenta. “Qual é a ameaça chinesa?”, pergunta.
Klein lhe diz que a China está se tornando mais autoritária e cita como exemplos a repressão aos uigures e o expansionismo no Mar da China Meridional. Segundo o argumento dado ao entrevistador em outras ocasiões, esses conflitos indicam que um mundo dominado pela China seria aterrador.
Sobre a repressão aos uigures, Chomsky considera que “não deveria estar acontecendo” e que é preciso denunciá-la, mas não acredita que faça sentido apresentá-la como “uma ameaça para nós” [os estadunidenses]. Destaca que, “lamentavelmente, não há muito o que possamos fazer a esse respeito”. No entanto, recorda que a situação dos palestinos em Gaza é “muito pior” e que, nesse caso, sim, os Estados Unidos têm capacidade para intervir.
Quanto ao expansionismo no Mar da China Meridional, uma área crucial para o comércio mundial onde a China mantém conflitos com outros Estados pelo controle de uma série de ilhotas, Chomsky, sim, considera um sério problema geopolítico, que deve ser resolvido “por meio da diplomacia”.
Klein comenta que ele, como estadunidense, prefere um mundo dominado pelos valores expressos pelos governos estadunidenses, indagando se não há razões para defender um mundo assim. A isto, Chomsky responde que é necessário questionar quais são os valores estadunidenses de verdade, para além da retórica. “Que valores americanos demonstramos na América Latina? Crimes e atrocidades horríveis, esses são os nossos valores. O que acabei de mencionar sobre Gaza são os nossos valores”, diz.
Chomsky, como sempre, é claro sobre a questão do conflito nuclear: deve ser evitado a todo custo. “Não há como travar uma guerra nuclear, seja qual for o adversário. (...) A destruição seria tão grande que você nem sequer iria desejar viver no mundo. O simples fato de estarmos falando dessas coisas é alucinante”. Por isso, acredita que a política do governo Trump, que pôs fim a uma série de acordos de não proliferação nuclear, como o INF [sigla em inglês para Tratado de Forças Nucleares de Alcance Intermediário], assinado por Reagan e Gorbachev, é própria de “pessoas que estão malucas”.
O que deveria ser feito? Em sua opinião, aceitar o Tratado sobre a Proibição de Armas Nucleares proposto pela Assembleia Geral da ONU, rejeitado por todos os países com armas nucleares. Apoiar a proibição “não é uma posição extrema”, afirma Chomsky. “Foi defendido por pessoas como Henry Kissinger e George Shultz, o falecido secretário de Estado de Reagan, pessoas que estiveram justamente no coração do sistema de armas nucleares”. Outra opção, que não acabaria com o problema, mas teria “peso simbólico”, é “estabelecer zonas livres de armas nucleares no mundo”.
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Noam Chomsky: “É preciso desmascarar os poderes ilegítimos” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU