17 Julho 2023
Francisco entende agora que “o pessoal é política”. Muitos de nós – especialmente nos Estados Unidos e na Cúria – gostaríamos que ele tivesse se concentrado nisso desde o início de seu papado. Francisco, no entanto, prefere ir devagar e gradualmente quando se trata de mudanças na política ou no pessoal.
O comentário é do jesuíta estadunidense Thomas J. Reese, ex-editor-chefe da revista America, dos jesuítas dos Estados Unidos, de 1998 a 2005, e autor de “O Vaticano por dentro” (Ed. Edusc, 1998), em artigo publicado por National Catholic Reporter, 14-07-2023. A tradução é de Moisés Sbardelotto.
Ultimamente, o Papa Francisco tem estado ocupado nomeando homens e mulheres que apoiam sua visão de uma Igreja sinodal para cargos importantes. Isso é evidente em suas recentes nomeações para o Colégio dos Cardeais, o Sínodo, a Cúria Romana e as arquidioceses.
Essas nomeações são importantes porque, como todo consultor administrativo lhe dirá, “o pessoal é política”. Uma organização pode ter políticas maravilhosas, mas, se as pessoas responsáveis por implementá-las não estiverem a bordo, essas políticas falharão.
No domingo (9 de julho), Francisco nomeou 21 novos cardeais, 18 dos quais têm menos de 80 anos e, portanto, podem votar em um novo papa em um conclave. Depois que esses novos cardeais forem criados em um consistório no dia 30 de setembro, haverá 137 cardeais eleitores, três a mais do que o recorde anterior em 2001 sob João Paulo II.
Setenta e dois por cento dos cardeais eleitores, que elegerão o próximo papa, foram nomeados por Francisco, o que torna mais provável que o próximo papa continue a direção que Francisco traçou para a Igreja.
Para o Sínodo sobre a Sinodalidade, que começará em 4 de outubro, o Papa Francisco nomeou quatro cardeais e um arcebispo estadunidenses que são próximos a ele no pensamento.
Os quatro cardeais estadunidenses são: Sean O’Malley, arcebispo de Boston; Wilton Gregory, arcebispo de Washington; Blase Cupich, arcebispo de Chicago; e Robert McElroy, bispo de San Diego. A outra nomeação episcopal é o arcebispo Paul Etienne, de Seattle.
Também participam do Sínodo o cardeal Joseph Tobin, arcebispo de Newark, que é membro do conselho vaticano que vem planejando o Sínodo, e o cardeal Kevin Farrell, estadunidense que trabalha na Cúria vaticana.
Todos esses prelados são leais apoiadores de Francisco e de suas políticas.
Por outro lado, os bispos estadunidenses escolhidos para o Sínodo pela Conferência dos Bispos dos Estados Unidos são menos entusiásticos em seu apoio, embora nenhum deles se oponha publicamente a Francisco.
Não surpreendeu a escolha do presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, Timothy Broglio, arcebispo dos serviços militares. Os presidentes são sempre eleitos para ir aos sínodos. O bispo Daniel Flores, de Brownsville, Texas, foi outra escolha óbvia, porque tem sido o homem de referência dos bispos no Sínodo.
Também foram escolhidos o presidente da Comissão de Doutrina dos bispos dos Estados Unidos, bispo Kevin Rhoades, de Fort Wayne-South Bend, Indiana, assim como o bispo especialista em mídias Robert Barron, de Winona-Rochester, Minnesota, e o cardeal favorito da Conferência, Timothy Dolan, de Nova Iorque.
As eleições ocorreram em sigilo, então não sabemos quem queria ir, mas não foi escolhido. Vale ressaltar que o vice-presidente da Conferência dos Bispos dos Estados Unidos, o arcebispo William Lori, de Baltimore, não foi escolhido pela Conferência pois provavelmente assumirá o cargo de presidente dos bispos em novembro de 2024, logo após a conclusão do Sínodo sobre a Sinodalidade. Ajudaria no cumprimento de suas responsabilidades como presidente da Conferência se ele experimentasse o Sínodo. Se o Sínodo for um grande sucesso, os bispos podem querer eleger como presidente alguém que esteve lá.
Embora os bispos estadunidenses nomeados para o Sínodo por Francisco tenham sido inabaláveis em seu apoio ao papa, Francisco também nomeou bispos conservadores, por exemplo, para contrabalançar os prelados mais liberais escolhidos pelos bispos alemães. Uma nomeação digna de nota é a do ex-prefeito da Congregação para a Doutrina da Fé, o cardeal Gerhard Ludwig Müller, que criticou duramente o processo sinodal.
Müller tem estado insatisfeito com Francisco desde que o papa não o renomeou como prefeito quando seu mandato expirou. Se Francisco quisesse um Sínodo meramente “carimbador”, Müller teria sido sua última escolha.
Por outro lado, Müller foi fundamental para se chegar a um acordo sobre os católicos divorciados com o cardeal Walter Kasper, que salvou o Sínodo sobre a Família de 2015 de terminar em caos.
Francisco foi sábio o suficiente para convidar os conservadores para a tenda, na esperança de que vivenciar o processo sinodal tenha um impacto transformador. Melhor tê-los no Sínodo do que condená-lo de fora. Se, na conclusão do Sínodo sobre a Sinodalidade, prelados como Müller apoiarem suas recomendações, será muito difícil para outros conservadores se oporem.
Entre os delegados não episcopais no Sínodo – padres, leigos e leigas – está o padre jesuíta James Martin, colunista da America Magazine e fundador do Outreach, um ministério para católicos LGBTQ. Martin tem sido alvo frequente de ativistas católicos conservadores, mas tem o apoio de Francisco em seu ministério.
Martin pode desempenhar um papel crucial no Sínodo nas discussões sobre os católicos LGBTQ. Ele também conhece muito bem o discernimento inaciano, um processo de oração que será a chave para o sucesso do Sínodo.
Mais de 50 mulheres estarão incluídas nos cerca de 360 membros votantes de diferentes países, culturas e gerações, todos eles para garantir que o Sínodo tenha ampla diversidade. Trinta participantes adicionais sem direito a voto, incluindo 12 delegados fraternos de outras denominações cristãs, também comparecerão.
Esse será o maior sínodo desde que eles foram instituídos por Paulo VI após o Concílio Vaticano II. Também pode ser o sínodo mais importante desde o Concílio.
Além de nomear pessoas para o Sínodo, o papa esteve ocupado com outras nomeações.
Para chefiar o Dicastério para a Doutrina da Fé, Francisco nomeou o arcebispo argentino Víctor Manuel Fernández, que foi bem recebido pelos estudiosos da teologia, mas contestado pelos conservadores.
Fernández é um colaborador próximo de Francisco, mas tem sido criticado pelo seu livro “Cura-me com tua boca: a arte de beijar”, que ele escreveu para adolescentes e pediu à editora para descontinuar.
Ele também tem sido criticado por sua abertura para abençoar casais gays. Ele esclareceu sua posição sobre isso afirmando que os casamentos gays não devem ser confundidos com o matrimônio sacramental entre um homem e uma mulher. Bênçãos que não criem tal confusão deveriam ser “analisadas e confirmadas”.
Quando era arcebispo de Buenos Aires, Francisco nomeou Fernández como reitor da Pontifícia Universidade Católica da Argentina. Essa nomeação foi sustentada pela então Congregação para a Doutrina da Fé, o mesmo escritório que ele vai dirigir agora. Depois de cerca de dois anos, ele acabou sendo liberado para o cargo.
Fernández também tem sido criticado por não ter reprimido mais rapidamente um padre abusador sexual, o que é importante, já que ele será o chefe do escritório que lida com os padres abusadores. “Hoje eu certamente agiria de forma muito diferente, e certamente o meu desempenho foi insuficiente”, admitiu ele à Associated Press.
Francisco, no entanto, pediu que ele se concentrasse nas questões doutrinais e deixasse as questões em torno do abuso para a equipe competente do dicastério.
Historicamente, o dicastério tem lidado com a laicização de padres abusadores, porque seu ex-chefe, Joseph Ratzinger, foi o único cardeal da Cúria que levou a questão a sério sob João Paulo II. Não há nenhuma razão lógica para que os padres abusadores sejam tratados pelo Dicastério para a Doutrina da Fé. Faria mais sentido criar um escritório separado, talvez um departamento de justiça, para lidar com os padres abusadores e outras atividades criminosas na Igreja.
Em sua carta de nomeação, Francisco pediu a Fernández que se foque em “promover o conhecimento teológico” e em encorajar “o carisma dos teólogos e seus esforços acadêmicos”, em vez de perseguir possíveis erros doutrinários. Tendo sido investigado pelo Vaticano, Fernández é a escolha perfeita para reorientar o dicastério, transformando-o de policial em promotor.
Francisco também nomeou alguns jovens bispos para cargos-chave, nos quais terão um impacto muito depois que ele mesmo for embora. Por “jovens”, eu me refiro a bispos na casa dos 50 anos que podem permanecer no cargo por 20 anos ou mais. Essas nomeações incluem as arquidioceses de Mechelen-Bruxelas, Toronto, Buenos Aires e Madri.
Essas nomeações recentes mostram que Francisco entende agora que “o pessoal é política”. Muitos de nós – especialmente nos Estados Unidos e na Cúria – gostaríamos que ele tivesse se concentrado nisso desde o início de seu papado.
Francisco, no entanto, prefere ir devagar e gradualmente quando se trata de mudanças na política ou no pessoal. Aqueles de nós que desejam mudanças podem ficar desapontados com essa maneira incremental de proceder, mas mudanças mais rápidas nas Igrejas protestantes geralmente resultam em cismas, algo que os papas querem evitar a todo o custo.
Essa abordagem incremental em relação à mudança sem dúvida também surgirá no Sínodo, à medida que Francisco tenta equilibrar a impaciência dos católicos progressistas e os temores dos conservadores.
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Papa Francisco nomeia homens e mulheres para construir uma Igreja sinodal. Artigo de Thomas Reese - Instituto Humanitas Unisinos - IHU