13 Julho 2023
No Ocidente, há aqueles que desejam o pior para garantir que o conflito com Moscou nunca volte. Uma análise do ex-embaixador Marco Carnelos.
Publicamos a análise do ex-embaixador no Iraque e enviado especial para o Oriente Médio, Marco Carnelos, sobre a guerra em curso na Ucrânia, a partir de entrevista de Alessandro Cipolla para o site Money.it.
A entrevista é reproduzida por Chiesa di tutti, Chiesa dei poveri, 12-07-2023.
A guerra já dura 500 dias e ainda não conseguimos descobrir como sair desse pântano. Com base na sua experiência, poderia ser feito mais do ponto de vista diplomático?
Ao responder, eu faria uma distinção entre a fase pré-conflito e aquela após o início das hostilidades. No primeiro caso, praticamente nada foi feito para evitar a guerra. Vinte e cinco anos de advertências russas às potências ocidentais contra a expansão oriental da OTAN foram ignorados. As tentativas feitas após os eventos de Maidan em Kiev no inverno de 2014 – sobre os quais um dia algum historiador sério finalmente lançará plena luz, ou seja, os acordos de Minsk – foram usadas de acordo com as mesmas confissões de dois dos protagonistas desses acordos, a ex-chanceler alemã Merkel e o ex-presidente francês Hollande, para dar tempo à Ucrânia para se rearmar. As intenções, portanto, eram aparentemente muito diferentes de uma solução negociada.
Após o imperdoável início das hostilidades do lado russo há 500 dias, a única tentativa de negociação de que temos algum conhecimento foi a descrita pelo ex-primeiro-ministro israelense Naftali Bennet. Normalmente, nas democracias ocidentais, qualquer coisa que um primeiro-ministro israelense diga é sempre considerada altamente confiável, não me pergunte de onde vem essa tendência, quase pelo valor de face, eu diria. Bem, se tivermos que seguir a conta de Bennet, uma trégua foi essencialmente alcançada na primavera de 2022, assim, aparentemente, o então primeiro-ministro britânico Boris Johnson teria corrido para Kiev para uma viagem improvisada na qual teria convencido Zelensky a recuar. Talvez um dia saibamos se Johnson agiu por conta própria, o que eu estaria inclinado a descartar, ou se o fez por ordem de Washington.
Fala-se muito da possível "solução ao estilo coreano", com a guerra congelada deixando os territórios conquistados para a Rússia e dando certas garantias de segurança à Ucrânia. Na sua opinião, este é um epílogo plausível para o conflito?
É uma solução que parece cada vez mais plausível devido ao aparente desgaste dos dois contendores. Neste caso, porém, deixaria em aberto um delicado problema no coração da Europa, uma espécie de Espada de Dâmocles, até porque desconfio que nenhum dos dois contendores aderirá plenamente a qualquer trégua/cessar-fogo. Portanto, vamos esquecer a tranquilidade substancial que caracterizou o paralelo 38 na península coreana por décadas. No entanto, será uma benção para os complexos militares-industriais opostos que alimentam o conflito e um banho de sangue financeiro para as nações que os financiarão.
Até agora, a Itália tem desempenhado um papel coadjuvante, muitas vezes afastada dos principais líderes que contam, sem mencionar o fracasso da conferência de reconstrução que se transformou em um acordo bilateral com a Ucrânia. É esta a nossa nova dimensão internacional?
No momento, infelizmente, esse parece ser o caso. Eu esperava ingenuamente que com um governo amplamente autoproclamado soberano como o atual, o espaço de manobra do nosso país teria aumentado, mas até agora não foi o caso, pelo contrário... A extensão do nosso compromisso com a Ucrânia não nos faz estar na primeira fila e, por isso, continua a haver uma tendência para nos ignorar (veja-se a falta de envolvimento do Palazzo Chigi nas restritas consultas atlânticas nos tempos do falso golpe de estado operado pelo grupo Wagner).
A situação é agravada pela nossa tendência – gravada no DNA de quase todas as nossas forças políticas – de nos achatarmos em vez de aderirmos crítica e/ou construtivamente às linhas ditadas por Washington e Bruxelas. Quem exagera acaba sendo dado como certo e, como tal, não é consultado. Em resumo, se alguém na Casa Branca pode economizar um telefonema para um presidente em aparente deterioração senil e capacidade de trabalho reduzida como é o caso de Joe Biden, certamente aproveita a oportunidade. A nossa é uma atitude que, como também pude verificar pessoalmente, distinguiu, com algumas exceções, quase todos os governos italianos nas últimas décadas, independentemente da cor política. Se ao menos a Itália conseguisse operar com pelo menos 10% da autonomia demonstrada pela Turquia, que ainda é membro da OTAN, seríamos realmente protagonistas.
Acredita que este conflito pode evoluir para uma guerra nuclear ou mundial?
Até algum tempo atrás eu não acreditava, agora estou começando a mudar de ideia. Minha principal preocupação é a crescente frustração russa. Moscou invadiu a Ucrânia também porque durante décadas todos os seus avisos não foram atendidos. Agora, com o conflito em curso, toda uma série de novos avisos russos ao Ocidente sobre o envio de certos tipos de armas (foguetes, mísseis, tanques e aviões) também foram ignorados, sendo o último em ordem cronológica o anunciado e lamentável envio de bombas de fragmentação. Eu não gostaria que a frustração e a raiva dos russos produzissem outro erro flagrante e criminoso: o uso de uma minibomba nuclear para fins de demonstração no oeste da Ucrânia.
O que mais me deixa perplexo não é apenas a potencial imprudência russa, mas a sensação arrepiante de que há alguns no Ocidente que não apenas desejam tal cenário, mas que estão realmente trabalhando para que isso aconteça e marquem outro ponto na batalha de propaganda das narrativas opostas e garantir que com a Rússia nunca haverá um retrocesso. Em suma, nas chancelarias opostas vejo um longo, muito longo sono da razão. É como se todos eles tivessem entrado, quanto às suas opções políticas, num nefasto piloto automático rumo a um ponto sem volta.
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A crescente frustração russa aumenta o risco de guerra nuclear ou mundial. Entrevista com Marco Carnelos, diplomata italiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU