30 Mai 2023
"Basta tentarmos fazer o outro acreditar no que não acreditamos ou manipular quem estiver à nossa frente; basta que nos falte a coragem de dizer o que pensamos: eis aí a mentira", escreve Enzo Bianchi, fundador da Comunidade de Bose, em artigo publicado por La Repubblica, 29-05-2023. A tradução é de Luisa Rabolini.
Segundo ele, 'a palavra mentirosa, de fato, mata'.
Um provérbio árabe diz: “Toda palavra, antes de ser pronunciada, deveria passar por três portas. Na primeira está escrito: é verdadeira? Na segunda: é necessária? Na terceira: é gentil?”.
Há muita sabedoria nesse ditado.
De fato, da palavra depende a comunicação e da comunicação a possibilidade da comunhão, portanto a qualidade da vida humana, porque quanto melhor alguém se comunica, mais se humaniza. Mas a palavra não é fácil, é preciso gerá-la recebendo uma semente de palavra de outros, permitindo uma gestação em nós, na qual a palavra toma forma, e depois é preciso pari-la na dor, porque não há palavra sem uma gravidez que a precede. Não há palavra nossa que não nasça da palavra de outros. É um longo ofício aquele de aprender a falar.
Nas relações, quando nos debruçamos sobre a vida, surge um impulso de falar tão premente que nos leva a viver sem os outros, contra os outros: devemos viver, custe o que custar. Esse impulso pode levar à violência e ao que só aparentemente é o contrário da violência: não se mata o outro negando-o, mas com uma regressão ao aspecto fusional do incesto. Jogados do ventre materno ao mundo, não se tomam as distâncias da mãe, da família, do contexto civil. Assim chega-se a recusar o encontro com o outro, o estrangeiro, o diferente. Além disso, uma vez que estamos no mundo, entre os outros, existe a possibilidade da mentira, da má comunicação, da falsidade: tudo isso por falta de confiança no outro. Quando existe a mentira, nenhuma comunicação é possível, a confiança é perdida.
Não é por acaso que na Bíblia o demônio é chamado de "homicida desde o princípio... mentiroso e pai da mentira" (Jo 8,44), porque o incesto impede a si mesmos e ao outro de ser outro, o homicídio abole o outro, a mentira não reconhece o outro. Devemos confessá-lo: sentimos o desejo de não reconhecer os outros e quando falamos somos tentados a sermos mentirosos.
Basta tentarmos fazer o outro acreditar no que não acreditamos ou manipular quem estiver à nossa frente; basta que nos falte a coragem de dizer o que pensamos: eis aí a mentira. A mentira, na forma de fingimento, mata a confiança e enfraquece qualquer relação. Os monges sabem que na vida comum a mentira começa com mexericos inúteis. Essa atitude resvala depois para a murmuração, vício detestável típico de covardes e pusilânimes.
Estes últimos podem ser distinguidos entre aqueles que aproveitam a murmuração para criar consenso em torno de si, alimentando a estima por si mesmos ao mostrar que compartilham as críticas dos outros, e aqueles que, por outro lado, têm um eu mínimo e não conseguem não acusar os outros porque são diferentes deles. Da murmuração se passa facilmente à calúnia, à exageração dos fatos, a uma interpretação desviante ou manipuladora. A essa altura o homicídio já aconteceu: a palavra mentirosa, de fato, mata.
FECHAR
Comunique à redação erros de português, de informação ou técnicos encontrados nesta página:
A mentira e a confiança. Artigo de Enzo Bianchi - Instituto Humanitas Unisinos - IHU