20 Mai 2023
"Quem quiser se inteirar das patacoadas que censores impuseram a publicações em jornais nos anos de chumbo do regime cívico-militar, e descobrir pérolas, está convidado a fazê-lo pelo livro de Paolo Marconi, A censura política na imprensa brasileira (1968-1978), editado pela Global Editora", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Pesquisa realizada pelo Ipec (Inteligência, Pesquisa e Consultoria) em março passado, entrevistando 2 mil pessoas em 128 cidades brasileiras, constatou que 44% da população vê o presidente Lula como uma ameaça comunista. O dado é um indicativo da polarização ideológica que persiste no país depois do fim das eleições, concluiu o instituto. A margem de erro é de 2 pontos percentuais para mais ou para menos, para um nível de confiança de 95%.
Parlamentares contribuem para esse quadro surreal. Da tribuna da Câmara, o deputado federal Coronel Chrisostomo (PL-RO), sem ter argumentos plausíveis, chamou o ministro da Justiça e da Segurança Pública, Flávio Dino, de “sobrepeso” ao atacar o PL das Fake News. O ministro frisou a necessidade de regulamentação das plataformas digitais e que, se necessário, seria aprovada “na marra”.
Dino “não está em Cuba”. Se o ministro “gostar de comunista deve vazar do Brasil”, recomendou o parlamentar, como se regulamentar plataformas digitais fosse coisa de comunista. O deputado agrega mais um bestialógico, registrado ao longo de anos, de “combate ao comunismo”. Na revolução cívico-militar de 64, os jornalões acompanharam o golpe, aplaudindo-o. Anotavam tudo o que militares diziam na época, o que foi ótimo para o registro histórico, ao indicarem o que o comunismo era capaz de destruir no país, e que, em pleno 2018, ainda foi usado para angariar votos.
Já presidente do Brasil, o capitão participou de um treinamento de tiro ao alvo. Apontou o alvo para a cor vermelha, anotou Wanderley Parizotto no portal Plena Gente+, e disparou: “É muita vontade de dar liberdade a esse povo e acabar com o comunismo”. Qual comunismo, cara pálida?
Na edição de 19 de novembro de 1975, o Jornal do Brasil publicou opinião do tenente-coronel Carlos de Oliveira. E o que foi que o militar revelou? Que “o movimento hippie foi criado em Moscou” e que “se os pais não orientarem cuidadosamente a juventude, o comunismo acabará dominando o Brasil”.
Disse mais, o tenente-coronel: “Através da atuação dos psicopolíticos – especialistas comunistas na obtenção do domínio do pensamento e das convicções dos homens – a Rússia tem conseguido alterar a literatura democrática dos Estados Unidos e tem introduzido naquela nação os princípios de Marx e os dados do materialismo dialético nos textos estudantis de psicologia, até o ponto em que qualquer um que estude a fundo a psicologia se converterá em candidato a comunista militante. Quase todas as cátedras de psicologia dos EUA estão na mão de comunistas”.
Nem mesmo as “boas intenções” do Ministério da Educação do governo militar escapou de críticas, pois o tiro teria saído pela culatra. Ele introduziu nos currículos do Ensino Médio, em 1977, a disciplina de Educação Moral e Cívica, que, no ensino superior era denominada de Estudos Brasileiros. Essas atividades foram “apropriadas” por comunistas, segundo denúncia do então líder do governo na Câmara Federal, José Bonifácio:
- Todas as cadeiras de moral e cívica, em quase todos os colégios, são preenchidos por homens de esquerda, ou comunistas. Eles têm preferência por essas cadeiras porque, por essas, eles podem introduzir na cabeça dos rapazes as teorias comunistas sem serem punidos”, registrava o Jornal do Brasil na edição de 1º de abril de 1978.
O deputado José Bonifácio tinha uma percepção própria que isentava a cara dos empresários da imprensa. “Os jornais brasileiros não são comunistas, comunistas são os repórteres que colocam a linha comunista nos jornais. E esse problema é insolúvel, pois os diretores dos jornais não se importam com o que os jornais estão dizendo”, informava o Jornal do Brasil em 26 de fevereiro de 1977. Mais de ano e meio depois, o deputado acusava também: “Na TV existem certas novelas e representações notoriamente realizadas para levar o cidadão a embarcar nas ideias comunistas” (Jornal do Brasil, em 11 de dezembro de 1978).
Aliás, Bonifácio tinha um olhar definidor infalível: “Quase todos os jornalistas que cobrem a Câmara dos Deputados são criptocomunistas, especialmente os bigodudos. Repórter comunista eu conheço pelo jargão que usa”. Essa pérola ficou registrada no Folhetim da Folha de S. Paulo em 22 de maio de 1977.
Em 27 de novembro de 1976, O Estado de S. Paulo trazia ordem do dia do ministro do Exército, Sylvio Frota, lembrando as vítimas da Intentona Comunista de 35: O comunismo “nega-nos tudo, até a faculdade de professar uma religião – bálsamo infalível nos momentos mais aflitos – porque Deus já não existe, foi derrubado do céu a golpe de foice e martelo”. Parece que na Rússia não existe, nunca existiu, igreja cristã! Os ortodoxos que o digam!
Quem quiser se inteirar das patacoadas que censores impuseram a publicações em jornais nos anos de chumbo do regime cívico-militar, e descobrir pérolas, está convidado a fazê-lo pelo livro de Paolo Marconi, A censura política na imprensa brasileira (1968-1978), editado pela Global Editora.
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Esse tal de “comunismo”, como rende! Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU