2067: o ex-piloto da NASA Joseph Cooper abandona sua filha Murphy para embarcar em uma viagem interestelar para descobrir novos planetas habitáveis que possam garantir a sobrevivência da humanidade ameaçada por uma carestia global. Durante a missão, Cooper é sugado por um buraco negro e se encontra em uma estrutura multidimensional em contato com o quarto de sua filha, para quem envia mensagens através da estante de livros como se fosse um fantasma. Graças a essas mensagens do pai-fantasma, "Murph", que se tornou cientista, consegue resolver a equação que permite à humanidade abandonar a Terra moribunda e levar a vida para outros lugares.
Esse é, em poucas palavras, o enredo do filme Interestelar (2014), de Christopher Nolan, um filme impregnado de luto e saudade pelo que é amado e irremediavelmente perdido (a casa, a Terra, a filha, o pai, a mãe, a mulher), e que, justamente a partir disso, da perda irreversível, nos fala de uma promessa de futuro, de vida nova, de sobrevivência. Parece uma boa contradição para um filme de ficção científica que joga com os paradoxos do espaço-tempo, mas na realidade é uma outra forma – muito intensa e comovente – de entender a vida na sua relação constitutiva com o luto e a morte.
Sobre essa outra forma de pensar a vida trata o último, belíssimo ensaio de Massimo Recalcati, La luce delle stelle morte. Saggio su lutto e nostalgia (A luz das estrelas mortas. Ensaio sobre luto e saudade, em tradução livre), publicado por Feltrinelli, que é ao mesmo tempo uma obra psicanalítica de reescrita da teoria freudiana do luto e uma obra filosófica sobre o tema da vida como herança, sobre a vida que sabe incorporar todas as mortes e os mortos que a constelam, a perfuram, a dilaceram, em um excedente de vida como gratidão.
A reportagem é de Simone Regazzoni, publicada por La Stampa, de 13-12-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
La luce delle stelle morte: Saggio su lutto e nostalgia
Para desenvolver sua própria teoria "interestelar" da vida, Recalcati nos acompanha a uma viagem pelo buraco negro da morte e da experiência do luto, mostrando-nos como o desaparecimento do Outro não coincide com a separação do Outro, mas, em primeira instância, é justamente a experiência inquietante de uma ausência como presença, de uma ausência que é uma forma radical de presença.
Eis o fardo que carregamos sobre nós no momento do luto e que exige um longo e penoso trabalho para ser simbolicamente elaborado e superado: “Toda vez que somos expostos a uma experiência significativa de perda devemos carregar o peso dos mortos sobre os nossos ombros para que, num segundo momento, o seu sepultamento sancione o nosso desapego daquele que perdemos”. É precisamente esse o trabalho do luto para Freud que nos deveria conduzir do desaparecimento do Outro à separação do Outro, ainda que nem sempre seja assim.
A melancolia como revés do trabalho do luto é a identificação do sujeito com o objeto perdido, é a impossibilidade da elaboração simbólica da separação. Luto e a melancolia opõem-se como dois opostos irreconciliáveis, como a vida e a morte, pelo menos segundo a teoria de Freud segundo a qual o trabalho completo do luto permite ao sujeito prescindir, de uma vez por todas, do objeto perdido e recuperar o seu desejo vital.
Mas é realmente possível realizar plenamente o trabalho do luto? É uma questão ao mesmo tempo clínica e filosófica. Porque a vida está em jogo, o próprio sentido da vida constitutivamente assombrada pelo espectro da morte. Derrida, citado por Recalcati, em Espectros de Marx e em outros lugares tinha percebido isso, havia desconstruído a oposição entre luto e melancolia.
Bem o vê Recalcati que, para além de Derrida, reescreve a díade freudiana luto e melancolia em termos de luto e saudade, partindo da ideia que nunca é possível realizar plenamente o luto, porque permanece em nós um traço indelével do objeto perdido. Mais radicalmente, Recalcati chega a dizer que nós somos constituídos por esses traços, por esses restos: “Em outras palavras, há sempre um resto do objeto perdido que não se deixa esquecer e a nossa própria existência é feita desses restos, dos restos dos nossos inumeráveis lutos".
A saudade, no seu sentido não meramente regressivo, a “saudade-gratidão”, como a chama Recalcati, é o sentimento que deixa resplendecer os traços daquilo que definitivamente desapareceu, pereceu, perdeu-se, mas que volta a visitar-nos como a luz das estrelas que chega até nós anos depois do desaparecimento dos corpos celestes que a geraram: “O que passou já não está mais entre nós mas, em vez de se tornar objeto de um pesar regressivo, resplendece na sua ausência alcançando-nos como uma visita inesperada”.
A saudade-gratidão é o sentimento que nos constitui ontologicamente como herdeiros, como aqueles que têm a força de fazer dos traços um resto vivo: “Alguma coisa dele ou dela ficará sempre conosco, acompanhará a nossa existência como a luz das estrelas mortas. É porque carregamos conosco os nossos mestres, os nossos amores, a nossa infância, os detalhes indeléveis de nosso passado que podemos dizer que o trabalho do luto nunca pode dissolver integralmente o objeto perdido, mas apenas pode transfigurá-lo em um resto vivo." Eu sou significa então eu sou o resto vivo do que irremediavelmente perdi e que, no entanto, carrego salvo dentro de mim.