09 Dezembro 2022
“Agora é imperativo repensar a liberdade. O trabalho está em andamento e, em outras regiões do mundo, outros movimentos como o do povo iraniano estão dando uma poderosa contribuição para essa renovação. O lema ‘Mulheres, Vida, Liberdade’ é uma trilogia particularmente fecunda.” A reflexão é de um grupo de intelectuais franceses, publicada por L’Obs, 06-12-2022. A tradução é do Cepat.
Os autores do texto são: Philippe Lemoine, ensaísta; Yann Moulier-Boutang, economista e sociólogo; Farhad Khosrokhavar, sociólogo franco-iraniano; Adeline Baldacchino, professora e poetisa; Mathilde Imer, ativista pelo clima e a democracia; Laure Leroy, editora; Charlotte Marchandise, ativista comunitária; Valérie Peugeot, estudos prospectivos; Dominique Christian, filósofo clínico; Régis Chatellier, estudos prospectivos; Marc Guillaume, economista e editor; Jean Lassègue, filósofo; Jacques-François Marchandise, ex-fundador da FING.
Há cerca de dez anos, quando um povo se levantava em nome da liberdade, analisávamos sistematicamente a sua luta através da mesma grade geopolítica. A liberdade era um campo vinculado ao Ocidente e aos Estados Unidos. Ainda hoje, os mulás usam este argumento contra o movimento do povo iraniano. Mas quem acredita neles? O que está em jogo com o movimento “Mulheres, Vida, Liberdade” vai muito além disso. O mundo inteiro está preocupado, porque o que está em jogo é uma nova era de liberdade.
Se vivemos uma crise da democracia e da liberdade, é porque se encerra um ciclo iniciado no rescaldo da guerra. Sob o impulso de um pequeno número de intelectuais que propunham uma forte visão da liberdade, Friedrich Hayek, Milton Friedman, Karl Popper, Ludwig von Mises e a Sociedade do Mont-Pèlerin realizaram um trabalho teórico aprofundado, com a pretensão de demonstrar a superioridade das interações elásticas entre indivíduos sobre os grandes projetos concebidos e impostos de cima. Trinta anos depois, esse trabalho intelectual resultou em um triunfo eleitoral, com a chegada ao poder de Margaret Thatcher e Ronald Reagan. A partir da década de 1980, o ultraliberalismo foi vigente no mundo e poucos foram os que clamaram por outra visão de liberdade. É este período que agora está terminando.
Nos Estados Unidos, os libertários foram o núcleo radical dessa onda liberal da qual foram os aprendizes de feiticeiro. Violentamente anti-Estado, eles defendiam a total liberdade individual, da economia aos costumes. Muito presentes no Vale do Silício e nos meios empresariais, pressionando pela desregulamentação ilimitada, pela expressão sem tabus e pela globalização sem regras, enfraqueceram a sociedade e abriram caminho para a reação populista que conhecemos hoje. Na esteira de figuras como Donald Trump, agora assistimos ao improvável casamento do ultraliberalismo econômico com o ultraconservadorismo social e cultural. Bastião da liberdade, a América ameaça se encurralar paradoxalmente na terra de missão do iliberalismo.
É por isso que agora é imperativo repensar a liberdade. O trabalho está em andamento (cf. Repenser la liberté, obra coletiva sob a direção de Philippe Lemoine, editada pela Descartes, 2022), e em outras regiões do mundo, outros movimentos como o do povo iraniano estão dando uma poderosa contribuição para essa renovação. O lema "Mulheres, Vida, Liberdade" é uma trilogia particularmente fecunda. De origem curda, o lema foi adotado com entusiasmo e traduzido para o persa. Ele afirma, em primeiro lugar, que a liberdade está intimamente ligada às mulheres. No Irã, os homens se envolvem no movimento, mas o ponto de partida vem das mulheres que rasgam o véu, ousam sair da submissão e se revoltaram contra a morte de uma adolescente que teve a infelicidade de não esconder a cabeça da maneira certa. Este ímpeto é crucial, uma vez que a liberdade não pode permanecer como pilar imóvel do templo secular formado pelo mundo ocidental e pelo humanismo masculino.
Nesta nova trilogia, liberdade também se conecta com vida, um ponto essencial no momento em que a catástrofe ecológica ameaça o planeta. A própria humanidade deve se considerar com outro olhar e admitir que pertence à ordem dos seres vivos. Devemos lutar contra a tentação de acreditar que os regimes autoritários entenderiam melhor os desafios do futuro.
O que está acontecendo no Irã levanta, finalmente, uma última grande questão para o futuro da liberdade, a do digital. No Irã, como em outros lugares, o Big Brother está à espreita. Não planeja o regime usar a inteligência artificial em larga escala para reconhecimento facial e controle de roupas? No entanto, além dessa ameaça, é o novo espírito subjacente ao digital que inspira a revolução iraniana. A música do movimento, "Baraye" [Por... ou Por causa de...], foi escrita por um rapper iraniano [Shervin Hajipour] a partir de tuítes e postagens coletados nas redes sociais. Ao reuni-los, o músico conseguiu reconhecer uma inteligência coletiva e fazer dela o instrumento da evidência e dos sentimentos compartilhados.
Mulheres, diversidade, vida, ecologia, digital: a luta do povo iraniano ilustra todas as dimensões da reinvenção contínua da ideia de liberdade. Convidamos os intelectuais que se interessam por esta causa, a se envolverem para ouvir, intercambiar e apoiar. Em Paris, uma grande noite “Mulheres, Vida, Liberdade” acontecerá no Trianon, no dia 12 de dezembro. Será um momento privilegiado de solidariedade com o povo iraniano e o ponto de partida para um caminho de compromisso, questionamento e debate sobre o futuro da liberdade.
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Irã. Movimento social inaugura “nova era de liberdade” - Instituto Humanitas Unisinos - IHU