14 Outubro 2022
"Se quiserem entender como a família Bolsonaro conseguiu comprar 51 apartamentos, com dinheiro vivo resultado de 'rachadinhas', basta seguir a trajetória política do pai e os três filhos maiores, o que está desenhado, resultado de mais de três anos de investigações, no livro da jornalista Juliana Dal Piva, intitulado O Negócio de Jair", escreve Edelberto Behs, jornalista.
Jair Bolsonaro e os seus três filhos envolvidos na política usaram os mandatos em três Casas Legislativas para nomear 286 pessoas que constaram como seus assessores. Desses, 102 tinham algum laço familiar. O grupo recebeu, de 1991 a 2018, um total de 80 milhões de reais, em valores atualizados pela inflação. Já os assessores-fantasmas receberam um total de 36 milhões de reais corrigidos.
Números e nomes de parentes assessores e funcionários-fantasmas estão arrolados no livro da jornalista Juliana Dal Piva, intitulado O Negócio do Jair: a história proibida do clã Bolsonaro (Rio de Janeiro: Zahar, 2022). “Por muitos anos, quem emprestava o nome e o número de CPF para figurar como assessor parlamentar de algum Bolsonaro aderia automaticamente ao sistema que os participantes chamavam de o ‘Negócio do Jair’”, escreve a autora.
O Negócio de Jair (Rio de Janeiro: Zahar, 2022)
Foto: Companhia das Letras | Divulgação
Assim que chegou à Câmara dos Deputados, em 1991, logo após a posse, Jair nomeou João Garcia Braga, seu sogro, pai de Rogéria Nantes Braga Bolsonaro. “Seu Jó”, como era conhecido, nunca deixou o interior do Rio, onde morava, em Resende, “nem fez nada além de distribuir santinhos do genro durante os meses das campanhas eleitorais”, relata a jornalista. Rogéria é a mãe dos três filhos maiores do presidente.
Em 30 de setembro de 1998, o Diário Oficial informava uma nova assessora do deputado federal Jair Bolsonaro: Andrea Siqueira Valle, 27 anos, irmã de Ana Cristina Siqueira Valle, companheira do político por quase dez anos, de 1998 a 2007, mãe de Jair Rena, o “04”. Detalhe: ela vivia em Juiz de Fora, no bairro Santa Catarina. Também devolvia a maior parte do salário ao deputado.
No Rio de Janeiro, o então deputado Flávio Bolsonaro foi acusado pelo MP de liderar uma organização criminosa e desviar 6,1 milhões de reais da Assembleia Legislativa carioca (Alerj). Com medo de ser presa, depois de ter tido duas operações de busca e apreensão na sua casa, a estatística Luiza Souza Paes procurou o MP em setembro de 2020 para colaborar com as investigações.
Luiza relatou que ficava com apenas 700 reais. O restante, 2,8 mil reais em média, ia para a conta ou para as mãos de Fabrício Queiroz, lotado no gabinete do deputado e que intermediava o recebimento do “por fora”. Ela relatou que devolveu cerca de 155 mil reais para Queiroz no período em que estava lotada no gabinete. Luiza também teve que entregar parte dos vencimentos de férias, 13º, vale-alimentação e até a restituição do Imposto de Renda!
Quando Bolsonaro disputou o primeiro cargo político, para a Câmara de Vereadores carioca, em 1988, ele declarou ser dono de um Fiat Panorama, uma moto e dois terrenos em Resende, no interior do Rio. Em 7 de janeiro de 2018, o jornal Folha de S.Paulo publicou uma série de reportagens mostrando que Jair e os seus três filhos mais velhos construíram um patrimônio até aquele ano de 15 milhões de reais com a política.
No período em que conviveu com a advogada Ana Cristina, Bolsonaro nomeou seu pai, José Procópio da Silva Valle, depois mais 15 pessoas da família. A advogada Ana Cristina Siqueira Valle, a segunda mulher de Jair, foi assessora de Carlos Bolsonaro na Câmara de Vereadores do Rio.
Danielle Nóbrega, até 2011 casada com Adriano Magalhães da Nóbrega, conhecido por liderar o “Escritório do Crime” em Rio das Pedras, no Rio, foi assessora de Flávio Bolsonaro por 11 anos. Também a mãe de Adriano, Raimunda Veras Magalhães, esteve lotada no gabinete do deputado por 2,5 anos. “Em 28 de dezembro de 2018, a Divisão de Laboratório de Combate à Lavagem de Dinheiro e à Corrupção produziu um relatório detalhado sobre Raimunda e Danielle”, escreve a jornalista.
O pai de Ana Cristina, José Procópio da Silva Valle, constou na lista de funcionários-fantasmas do deputado Jair de novembro de 1998 até 2000. Depois disso, passou para o gabinete do deputado Flávio Bolsonaro na Alerj, onde ficou de 2003 a 2008. “Tudo isso sem nunca ter saído de Resende para pisar no Congresso Nacional ou no Palácio Tiradentes”, constata Dal Piva. Carlos Bolsonaro tinha empregado, aos 18 anos, sete parentes de Ana Cristina, a maioria exercendo outras atividades.
Dal Piva identificou indícios de pelo menos 37 assessores da família que prestavam outras atividades enquanto lotados nos gabinetes dos políticos. Tinham trabalhos ou profissões diversas, desde serviços gerais, babás, donas de casa, aposentados. O advogado Guilherme dos Santos Hudson, filho do coronel aposentado de mesmo nome, constou com assessor-chefe do gabinete de Carlos Bolsonaro de 2008 a 2018. Nunca teve crachá, com residência fixa em Resende, onde mantinha um escritório de advocacia havia anos.
O gabinete do deputado Flávio Bolsonaro também pagava o “assessor” Marcelo Nogueira, empregado doméstico de Ana Cristina, nomeado em fevereiro de 2003 até 2007. Ele contou que que nesse período recebeu em salários o montante, bruto, de 167,7 mil reais, cerca de 400 mil reais atualizados, e entregou 80% para a dona da casa.
Então, se quiserem entender como a família Bolsonaro conseguiu comprar 51 apartamentos, com dinheiro vivo resultado de “rachadinhas”, basta seguir a trajetória política do pai e os três filhos maiores, o que está desenhado, resultado de mais de três anos de investigações, no livro da jornalista Juliana Dal Piva, intitulado O Negócio de Jair.
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Jornalista desvenda ‘O Negócio de Jair’. Artigo de Edelberto Behs - Instituto Humanitas Unisinos - IHU