08 Setembro 2022
A história oficial tem sido generosa em relação à proclamação da Independência do Brasil, que neste 7 de setembro completou 200 anos. Livros didáticos omitem a conta desse “ato heroico”, que levou o Basil a depender do imperialismo inglês.
A reportagem é de Edelberto Behs, jornalista.
Quem traz esse olhar é a historiadora Emília Viotti da Costa, autora do livro Da Monarquia à República: Momentos Decisivos e Da Senzala à Colônia. “A partir da Independência, o Brasil tinha se tornado, de certa forma, uma colônia britânica devido à sua dependência econômica em relação à Inglaterra”, escreve no fascículo 10 da coleção História Popular, tratando do tema da abolição, editado em 1982.
A Inglaterra foi a mediadora entre o Brasil e Portugal. Graças à interferência britânica, Portugal reconheceu o “ato valoroso” de D. Pedro I às margens do Ipiranga. O Brasil comprou a independência. O país “comprometeu-se a pagar a Portugal uma indenização que montava a dois milhões de libras esterlinas [algo como 10 milhões de dólares, 52,5 milhões de reais; o Brasil tinha então 4,8 milhões de habitantes]. A quantia foi levantada no mercado financeiro inglês. Com essa manobra, as elites brasileiras iniciavam uma prática que continuaria até o final do século: recorrer a empréstimos britânicos para financiar seus déficits”, explica a historiadora.
Quando da transferência da corte portuguesa ao Brasil, em 1808, D. João VI, que fugia de Napoleão, concedera, em reconhecimento à ajuda recebida da Inglaterra, privilégios comerciais aos ingleses. Em 1826, quando da renovação dos tratados comerciais, a Inglaterra impôs ao governo brasileiro a introdução de lei que o comprometera a acabar com o tráfico escravo.
Em 7 de novembro de 1831, através de lei, o país “cumpriu a promessa, considerando livres todos os africanos introduzidos no Brasil”. Aconteceu, contudo, que a lei foi simplesmente ignorada. Vem certamente daí a expressão “para inglês ver”. Entre 1831 e 1850 ingressaram no país, via contrabando, pagamento de propina a autoridades, mais de meio milhão de escravos, arrola Viotti da Costa.
Numa sociedade, aponta a autora, “em que algumas poucas famílias de poderosos controlam a política e a administração, era difícil fazê-las respeitar a lei, principalmente quando esta feria seus interesses”. Na introdução ao fascículo, a autora destacou: “A Lei Áurea abolia a escravidão, mas não o seu legado”.
O que mudou neste país em 200 anos? O Brasil já se livrou da política de buscar recursos externos e internos para saldar seus déficits? A população negra conquistou sua liberdade plena e ganhou um lugar digno e respeitável na sociedade? As elites ainda governam segundo seus interesses?
Em entrevista ao IHU, a historiadora Cecilia Helena de Salles Oliveira destacou que, “compreender o processo de Independência é compreender a violência que atravessava a sociedade de alto a baixo e que estava associada tanto ao uso das armas e ao confronto das armas, propriamente, quanto às hierarquias sociais, às formas de dominação social e à maneira como inúmeros segmentos reagiam a isso e viam no debate constitucional, saídas para a sua própria situação.” O cenário hoje é outro?
Um dos marcos celebrativos do bicentenário da independência foi a vinda, no dia 22 de agosto passado, do coração do imperador D. Pedro I, guardado e preservado em formol sob os cuidados da Irmandade Nossa Senhora da Lapa e da Câmara da cidade do Porto. Pelo acordo firmado com Portugal para o empréstimo do coração, o governo brasileiro arca com todas as despesas, informa a repórter Rayanne Azevedo, da Deutsche Welle Brasil. O Itamaraty, que tratou do traslado da relíquia, não informou o custo dessa operação, revelando apenas que são valores “absolutamente ínfimos”.
A biógrafa de D. Pedro I, Isabel Lustosa, disse à Deutsche Welle que a vinda do coração do imperador “é uma coisa quase mórbida, não tem significado nenhum e não serve a ninguém”. Ela lamentou a ausência de iniciativas do governo federal para a comemoração do bicentenário. Por trás dessa movimentação mórbida está a tentativa de instilar na população “um patriotismo fabricado” às vésperas da eleição presidencial. “Não tem evento. Só resta fazer algum tipo de espetáculo em torno do pedaço do corpo de alguém que pediu para ser enterrado em Portugal”, afirmou.
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Ufanismo brasileiro omite custos da independência política - Instituto Humanitas Unisinos - IHU