02 Agosto 2022
O arcebispo emérito de Guwahati reinterpreta as palavras e os gestos de Francisco entre os nativos à luz do contexto indiano. "Gritamos 'nunca mais', mas estamos testemunhando novos abusos contra os dalits, as minorias e as camadas mais fracas da sociedade".
O Papa Francisco “está nos dando o exemplo e nos fazendo refletir”. Porque - ainda que de forma diferente daquele passado colonial - hoje estão surgindo em nossas sociedades “novos tipos de aniquilação social e de insensibilidade”, afetando minorias e as camadas mais fracas.
Da Índia, comenta assim ao AsiaNews as palavras e gestos realizados nos últimos dias pelo Papa Francisco em relação às populações indígenas do Canadá D. Thomas Menamparampil, arcebispo emérito de Guwahati, no estado indiano oriental do Assam, onde o cristianismo tem uma longa história de encontros com as populações tribais locais.
A entrevista é de Nirmala Carvalho, publicada por AsiaNews, 01-08-2022. A tradução é de Luisa Rabolini.
Mons. Menamparampil, como o senhor sentiu na Índia o pedido de perdão do Papa Francisco às populações nativas do Canadá?
Foi realmente comovente que, apesar de suas condições de saúde, o Papa Francisco tenha considerado prioritário realizar essa 'peregrinação penitencial' no Canadá, como ele a definiu, para pedir perdão às comunidades indígenas pela dureza de muitos cristãos contra elas durante a época colonial. Certamente, a crueldade demonstrada contra as comunidades indígenas das Américas naquele período continua sendo um dos capítulos mais dolorosos e humilhantes da história humana. O papa pediu perdão com “profunda vergonha e dor” em nome de todos nós que nos mostramos insensíveis aos sofrimentos de indivíduos e comunidades mais fracas em vários contextos até os nossos dias. Ele está nos dando um exemplo que nos faz refletir.
Devemos admirar as comunidades que aprenderam a fazer uma autocrítica. Gritamos 'Nunca mais', mas nas situações próximas a nós, notamos a mesma dureza em relação aos dalits, às minorias e às camadas mais fracas. Nascem novas formas de pobreza extrema, novos tipos de aniquilação social que assumem formas mais cruéis, novos estilos de insensibilidade. Essas coisas não acontecem mais em nome de conquistas coloniais ou interesses imperiais, mas para obter resultados econômicos ou ser vencedores em guerras comerciais. De tempos em tempos, deveríamos novamente inclinar nossas cabeças expressando 'profunda vergonha e dor'.
O senhor acredita que mesmo na Índia a Igreja Católica ainda tenha passos a realizar para abraçar o estilo de vida, as tradições e a espiritualidade das populações tribais?
Na era colonial, as comunidades tribais da Índia oriental foram mais afortunadas do que em outros lugares. As autoridades imperiais tentaram proteger suas terras dos grupos dominantes, ajudando-os a preservar sua cultura e tradições. Alguns oficiais coloniais estudaram sua cultura mais profundamente, escreveram livros sobre seu estilo de vida, permitindo-lhes obter uma melhor compreensão de si mesmos e definir sua própria identidade à qual estavam fortemente ligados. A própria Igreja no nordeste da Índia se esforçou muito ao serviço das comunidades indígenas, ajudando-as a sair de seu isolamento e proporcionando-lhes uma educação que lhes permitisse encontrar um novo lugar no mundo sem enfraquecer sua identidade.
Infelizmente, no entanto, a 'cultura do oportunismo' que hoje os pressiona a partir dos grupos dominantes em um clima político insalubre parece destinada a minar seu tradicional senso de comunidade, solidariedade e responsabilidade social. Será um grande desafio para a Igreja persuadir os líderes mais perspicazes a lutar contra esse perigo.
O papa no Canadá disse que os povos indígenas podem nos ensinar muito sobre o cuidados e proteção da família. Isso também se aplica à Índia hoje?
O Papa Francisco surpreendentemente fala de uma 'sabedoria sapiencial' das massas e dos crentes comuns. É na linha dessa crença que as comunidades indígenas de todo o mundo têm algo a ensinar às sociedades que se julgam mais avançadas. Por exemplo, o senso de comunidade, igualdade, veracidade, valores familiares, solidariedade social, abertura à correção fraterna, respeito pela natureza.
Esses povos parecem ouvir mais claramente o clamor da mãe terra contra os excessos consumistas de nossa sociedade. As comunidades indígenas, em particular, não oprimidas da memória de séculos de lutas por interesses pessoais entre sociedades sofisticadas, estão prontas para testemunhar os genuínos valores humanos de sinceridade, autenticidade, compreensão mútua e solidariedade operosa. Rezemos para que a voz do papa não se perca entre as filosofias sociais dominantes que ecoam hoje no mundo.
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‘Do papa no Canadá uma mensagem também para a Ásia’, afirma arcebispo indiano - Instituto Humanitas Unisinos - IHU